“Os ‘loucos’ são os que acreditam em si mesmos, que amam seus personagens mais do que a si mesmos, pois eles se transformaram, sem saber, em personagens de si próprios”. (Christian Dunker e Cláudio Thebas, em O Palhaço e o Psicanalista)
O escritor moçambicano Mia Couto afirma que nunca tivemos tantas estradas e nos visitamos tão pouco. Digo, nunca tivemos tantas redes sociais e nunca nos comunicamos tão pouco. “Comunicação” vem do latim communicare, que significa tornar comum. Como posso conceber que temos tornado comum aquilo que não nos representa,
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ou pelo menos não a maioria, haja vista que se trata de uma realidade maquiada, literalmente editada e, por isso, alvo de desejo.
Temos alimentado a angústia, temos rolado as telas em busca de algo que sequer sabemos o que é, porque estamos sedentos por real presença. Daí advém a ilusão de que aquele ou aquilo que desejamos está na palma da nossa mão — e não me refiro ao iPhone 15, que logo mais se tornará obsoleto e demandará da sociedade de consumo um anseio tremendo, fazendo muitos indivíduos arcarem com a dívida em suaves parcelas — euforia dividida em 24 vezes.
Uma conhecida me disse que precisava comprar uma moto. Sabendo que ela não dispunha do valor total no momento e que estava a fim de trocar seu smartphone por um modelo mais recente (à época custava mais de cinco mil reais), indaguei-lhe por que não destinar esse valor para o veículo.
⏤ Ah, mas a câmera dele é tão boa!
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Entendi que, para ela, parecia ser mais importante posar nas redes e ficar feito sereia enredada na praia: bela, exposta, mas incapaz de se mover com autonomia.
Tornamo-nos sujeitos conectados e, ao mesmo tempo, desconectados da escuta, da empatia, do silêncio partilhado. É cada vez mais comum vermos pessoas de todas as idades se entretendo com vídeos curtos, os chamados “reels” – eu os chamo de “hells” (infernos), por estarem constantemente saltando na tela, seja por sugestão das redes ou por envio de amigos.
Diante das “curtições”, criamos algoritmos que por vezes sabem mais dos nossos gostos do que nós mesmos. Eles estão comandando a vida de uma grande parcela da população mundial: sugerem amigos, músicas, lugares, produtos — até desejos. E, aos poucos, vão moldando comportamentos, uniformizando pensamentos, pasteurizando sentimentos. A comunicação foi para o lugar-comum. A diferença se tornou antagonismo. O que era para ser ponte virou labirinto. As mensagens são instantâneas, os (des)afetos imediatos e mediados pela pressa.
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Antes, Roberto Carlos cantava: “eu quero ter um milhão de amigos”. Hoje, temos muitos seguidores, mas pouco contatos, ou muitos contatos, mas pouco tato. A vida publicada diariamente ganha comentários maldosos como um terreno baldio no qual jogam lixo sem se preocupar com o impacto emocional do proprietário. Antes do refrão de “um milhão de amigos”, a canção “Eu quero apenas” diz:
“Eu quero apenas olhar os campos
Eu quero apenas cantar meu canto
Eu só não quero cantar sozinho
Eu quero um coro de passarinhos
Quero levar o meu canto amigo”.
Eu não quero apenas olhar os campos, quero olhar nos olhos das pessoas e torcer para que elas sustentem o olhar corajosamente; quero cantar meus cantos, mas também escutar o canto dos tristes, dos alegres e dos poetas; cantar sozinho e junto, cantar que a vida ainda é possível, quero levar encanto amigo, amigo.
Ative esta notificação: reaprenda o valor do encontro, da pausa, da escuta. Arraste para cima quem está para baixo. E não se esqueça de curtir a vida, de compartilhar amor e estabelecer conexão genuína com as pessoas à sua volta.