Pronto, satisfiz minha curiosidade. O “Baptista”, como está no registro do meu e de tantos outros avós, deriva, tal e qual, do latim e, ainda, do grego “Βαπτιστής” (o que batiza). Confesso, minhas e meus camaradas: Não consultei, imprudentemente, o Professor Milton Marques Junior para confirmar o que na minha santa ignorância agora afirmo após uso bem canhestro do grego e do latim. Ao invés disso, a fim de não aborrecer um dos meus articulistas preferidos,
O jovem João Batista D. Velázquez (atr.), c.1625 ▪ Museu de Arte de Chicago
homem detentor de profundos conhecimentos, decidi acreditar no que me informa a Inteligência Artificial, vulgo IA, a quem para tanto recorri. Perguntei sobre a origem do “Batista” de hoje para dela ouvir que é nome com origem religiosa advindo do grego “Vaptistís” – pronúncia que me foi dada, viu, Professor? – e do latim “Baptista”, tal e qual, já avisei.
Mas, desde já, recomendo pouco crédito àquilo que “não é inteligência nem é artificial”, no dizer do brasileiro Miguel Nicolelis, um dos vinte mais importantes cientistas em sua área, conforme entendia, no começo da década passada, a “Scientific American”, uma das mais antigas e conceituadas revistas americanas de divulgação científica, na praça desde 1845. Por experiência própria, convenci-me de que a IA tão festejada, às vezes, falta com a verdade. Como ouso dizer isto? Pois bem, consultei-a sobre um assunto que muito domino (quem é Frutuoso Chaves?) e ela já me pôs, além do jornalismo impresso, como profissional do rádio e da tevê. Logo eu que me escondo de câmeras e microfones...
João BatistaA. R. Mengs, c.1760 ▪ Museu de Belas Artes de Houston, EUA
Mas voltemos ao Batista, assunto pertinente ao 29 de agosto, dia dedicado ao martírio do precursor de Jesus, como assim o percebem adeptos do Cristianismo. São a data e seu significado que animam, portanto, essa nossa conversa. Vindo ao mundo seis meses antes do primo proclamado aos quatro ventos e por si batizado, João Batista perdeu a cabeça por volta do ano 30, como atestam, em parte, os entendidos na matéria.
Em parte, repito, pois nem toda discussão é pacífica, mesmo quando atinente à religião e seus credos. O pessoal da Canção Nova, comunidade católica carismática surgida em 1978, por exemplo, tem que a morte de João ocorreu entre 31 e 32d.C., ao que leio na aba “Santo do Dia”. Assim não pensam, porém, os da “Hora Luterana”, para os quais não há registro bíblico sobre o dia nem o mês da morte de um João Batista definido pelo próprio Jesus como “o maior entre os nascidos de mulher”.
Cristo é batizado por João BatistaP. Grebber ▪ Ig. St. Stephanus, Beckum, Alemanha, via Wikimedia
Todos concordam, todavia, com a razão do suplício do “Mártir da Verdade”. Sim, nosso santo não foi decapitado como mártir da fé, posto que não se viu forçado a renegá-la. Cortaram-lhe a cabeça por condenar aquilo que acontecia à vista de todos: a união pecaminosa de Herodes Antipas com a ex-cunhada, a perversa Herodias, ou Herodíades, assim também referida. Afinal, que esculhambação era aquela? Vejamos: A mulher pôs a filha a dançar para o marido porquanto sabia da atração deste pela garota. Que outro presente mais Salomé ofereceu ao rei, seu tio e padrasto, além da dança sedutora motivada por juras e promessas à frente de uma legião de convidados àquela festa de aniversário?
A Dança de SaloméM. Gottlieb, 1879 ▪ Museu Nacional de Kielce, Polônia
As divisões principais do Cristianismo – nelas as Igrejas Católica Romana e Ortodoxa, a Anglicana e outras surgidas da Reforma Protestante – concordam com o fato de que Herodes não queria aquela cabeça santa. “Pede outra coisa”. Estava disposto à concessão de até metade do seu reino. Mas, a moça manteve-se inarredável, sob influência da mãe: “Não. Eu quero é a cabeça de João numa bandeja”. Seria isso, ou nada. E o rei sucumbiu à própria ânsia.
Salomé com a cabeça de João BatistaCaravaggio, 1607 ▪ Palácio Real de Madri
Eis como Marcos trata do assunto: “O rei ficou aflito, mas, por causa do seu juramento e dos convidados, não quis negar o pedido à jovem. Enviou, pois, imediatamente, um carrasco com ordem para trazer a cabeça de João”. Naquela oportunidade, Cristo ainda vivia e atuava pela conversão dos ímpios, dizem outros textos bíblicos reveladores, ainda, do sepultamento por discípulos do corpo de João Batista. Mateus conta que, ao saber da morte do primo, Jesus quis ficar sozinho, com sua dor. Mas, seguido por uma multidão, teve compaixão dos doentes, curando seus males. O milagre da multiplicação dos pães viria em seguida.
Não gosto de pensar muito na morte de João Batista. Prefiro a lembrança do seu nascimento. O nordestino que sou gosta, mesmo, é do 24 de junho com seus fogos de artifício, suas ruas embandeiradas, suas fogueiras, suas pamonhas e canjicas. Quero é a visão do menino com seu carneirinho e, quando adulto, a do santo bonzinho a quem Luiz Gonzaga pedia, com ajuda de Guio de Moraes, a intervenção junto a São José, a fim de que o milharal pudesse botar em cada pé vinte espigas.
O pequeno João Batista ▪ Fonte: Irmãos Weiszflog, 1919 ▪ BN, via Wikimedia
A Inteligência Artificial – de novo, ela – revela-me que a iconografia de São João Batista, especialmente na forma de menino, foi produzida por diferentes pintores ao longo da história da arte cristã. Por tal modo, torna-se impossível identificar a primeira dessas imagens e sua autoria. Creiamos nisso, então.
E. Murillo, S.XVII
A. Rosi, S.XVII
Somer, S.XVII
Ao contrário, a decapitação do moço teve tela com nome e data. É pintura que leva a assinatura de Caravaggio, homem que se fez famoso por reproduzir cenas bíblicas e, ainda, da mitologia clássica, com o pincel primoroso já na beirada da Renascença. A de São João foi criada em 1608.
A Decapitação de João BatistaCaravaggio, 1608 ▪ Catedral de S. João, La Valletta, Malta.
Antes dele, avisa-me a mesma fonte, o flamengo Hans Memling, compôs, em 1479, o “Retábulo de São João”, obra que, encomendada para o Hospital de Bruges, continha, também, a imagem de outro João, o Evangelista, ambos vivinhos da silva. Seria Bruges, hoje em dia, a “Veneza do Norte”, a noroeste da Bélgica? Sei lá...
Retábulo de Soão João (também conhecido por "Tríptico dos dois santos")H. Hans Memling, 1479 ▪ Memling Museum (antigo Hospital São João), Bruges, Bélgica.
Mais de um século depois, Caravaggio, sob a proteção dos Cavaleiros de Malta, traria a público a cena terrível, chocante. O quadro de 361cm x 520cm, obra prima do artista italiano, tornou-se, à luz da crítica, uma das mais importantes obras da pintura ocidental. Peço perdão a todos os santos e aos amantes das belas artes, mas este papa-canjica, enquanto se compadece de São João, prefere o 24 de junho e o menino do carneiro, aquele de cabelo cacheado, pintado não sei por quem.