A releitura de “Evocação do Recife”, poema de Manuel Bandeira, trouxe-me a constatação do quanto seria difícil a um poeta paraibano compor louvores aos nomes das ruas da sua Capital. Nos versos que o consagraram, Bandeira tinha a seu dispor as Ruas do Sol, da Aurora, do Sossego, da Saudade, da União, da Consolação. E tinha medo de que qualquer delas, ao longo do tempo, fosse transformada em “Dr. Fulano de Tal”.
O talento de Sérgio Castro Pinto emoldurou, em João Pessoa, o lugar da sua infância, aquele “onde os tabajaras depuseram suas setas nos
Avenida Tabajaras, no centro da capital paraibana.
arcos das esquinas”. Eis outros dos seus versos: “Na Avenida dos Tabajaras, mais do que bola, chutávamos os paralelepípedos e, aos gritos de gol, juntava-se a dor de outro grito”.
O menino Sérgio viveu perto Parque que poderia ser dos irerês, não houvesse tomado o nome de Solon de Lucena, assim homenageado pela classe política. Entendo, porém, que a urbanização tocada pelo velho Solon não representou mais do que sua obrigação e que o Parque e sua Lagoa deveriam ser de melhor modo dedicados à natureza e aos naturais. Refiro-me à exuberância vegetal e aos patos que ali habitavam antes da expulsão pelo progresso, assim tido e havido.
1920s: Lagoa dos Irerês (atualmente Parque Solon de Lucena) na cidade da Parahyba do Norte (renomeada para João Pessoa).
Por que diabo o Bairro dos Estados, na Zona Norte da cidade, não completou o mapa do Brasil, se a ideia original era dar a cada uma das suas artérias o nome de cada Unidade Federativa? Pois bem, ficamos em vinte e uma. As demais contemplam doutores, deputados e pessoas outras desconhecidas pela quase totalidade dos moradores. “Mas vereador existe para dar nome de rua”, comentou um velho amigo, em evidente tom de deboche, quando tratávamos do assunto.
Rua Oceano Pacífico, no Jardim Oceania.
Melhor do que isso fizeram os planejadores do Jardim Oceania, o bairro praieiro. Ali, as ruas brindam o Oceano Índico, o Atlântico, o Pacífico, além de Mares como o Egeu, o Báltico e o Negro.
O Bairro de Mumbaba tem uma Rua Afeganistão. Situa-se, paralelamente, às Ruas França, Turquia, Equador, Bolívia, Peru, Marrocos, Lituânia, Hungria, Madagascar, Porto Rico, Guatemala, África, Cuba, Jamaica, Holanda, Dinamarca, Islândia, Iraque, Angola, Escócia, Haiti, Argélia e tudo o mais que se possa imaginar. Assim mesmo: continentes, países e cidades todos juntos e misturados numas das áreas mais periféricas de João Pessoa. Isso, porque a lista inclui, ainda, ruas em cujas placas inscrevem-se os nomes “Cidades” de Itabaiana, Fagundes, Água Branca, Campo de Santana e Serraria. A artéria principal, posto que mais larga, parece ser, ali, a Avenida Cidade de Cajazeiras.
Designação das artérias urbanas no bairro Mumbaba, homenageando países do diversos continentes e cidades paraibanas.
Êpa! Para surpresa minha, o mapa Google acaba de me apresentar, nesse mesmo trecho, ruas capazes de render poemas. É o caso da Rua dos Cravos, Rua das Violetas, Rua das Rosas e Rua dos Jasmins, ouviu, Bandeira? Próximos da Rua Monte Sinai também ali habitam os moradores das Ruas das Cerejeiras, das Algarobas e dos Buritis. Isso, sim, é que é bom gosto.
No bairro Mumbaba, os nomes das ruas também celebram a fauna e a flora.
Temos um Bairro das Malvinas com a já percebida inspiração: a briga encerrada com a retomada pelos ingleses daquilo que eles chamam de Ilhas Falkland. A reocupação deu-se depois de um conflito armado de 74 dias, entre abril e junho de 1982. Foi disputa que rendeu a morte de 649 militares argentinos e 255 britânicos. Estudiosos da matéria sustentam que a Argentina perdeu essa guerra em razão de fatores que incluíram treinamento precário, logística inadequada e coordenação deficiente. Mas essa é outra história. Aqui, o que motivou a denominação do bairro foi (no mesmo sentido) a ocupação indevida da área. Estou com a Argentina e não abro.
A verdejante Avenida Jacarandá, no bairro Mussumago.
Grande parte dos pessoenses sabe que o Bairro de Mussumago, na Zona Sul da cidade, área mais pobre, advém de Monsenhor Magno, um religioso atuante na área, tempo atrás. E sabe, ainda, que a Fazenda Boi Só, núcleo que hoje abriga um dos mais luxuosos condomínios horizontais da cidade, alude aos antigos proprietários: gente com origem francesa e o nome Boisson. A Casa Grande e a Capela do antigo sítio estão bem preservadas como patrimônio histórico. O bairro do Roger terminou por tomar o nome de um chacareiro de origem britânica ali residente em meados do Século 19.
Casarão da Fazenda Boi Só, preservada no atual condomínio Alphaville, na avenida Acre, Bairro dos Estados. ▪ Imagem: Rogerio121402, via Wikimedia
Mas, como explicar Cangote do Urubu, lá para os lados da Ilha do Bispo, que há muito nem é ilha nem tem bispo? Diz-se que o bairro é de grande relevância histórica. Foi aldeamento dos índios tabajaras e esteve cercado por cursos d’água e manguezais. Ali mandava o Cacique Piragibe, nos primórdios da colonização. Em 2010, o IBGE tinha a Ilha do Bispo como núcleo com cerca de 8 mil habitantes.
A tranquila rua Bom Jesus, no bairro do Varjão (Rangel), paralela à Mata do Buraquinho (renomeada para Jardim Botânico Benjamim Maranhão).
Em João Pessoa, o bairro do Rangel é, oficialmente, do Varjão. O nome popular adviria de José Rangel, proprietário da área, no período colonial. A nomenclatura oficial remeteria à vegetação típica das várzeas ali abundante antes do processo de ocupação por gente advinda, sobretudo, da zona seca para a sobrevivência na Capital.
E assim tem sido, aqui e alhures, com outras denominações. A Avenida José Américo de Almeida sempre foi Beira-Rio, bem ao gosto popular, desde a implantação. Assim, também, a Flávio Ribeiro Coutinho, o Retão de Manaíra, como querem os moradores e visitantes do bairro que abriga, apenas nessa área, três shopping centers, o mais antigo deles prestes a ganhar seis novos pavimentos. O que, também, evidentemente, é outra história.