Fomos felizes enquanto estávamos distraídos. Distraídos, venceremos a certeza de que a finitude nos encontrará com seu olhar indifere...

Distraídos venceremos

poesia leo barbosa
Fomos felizes enquanto estávamos distraídos. Distraídos, venceremos a certeza de que a finitude nos encontrará com seu olhar indiferente aos nossos sonhos e esperanças.

Quando criança, dizia que queria ser mágico — talvez por desejar desaparecer e reaparecer a meu bel-prazer. Como não consegui, recorri à poesia, ao auxílio das palavras como forma de, se não transformar a minha realidade, dar-lhe novas vestes.

Ser poeta é, então, a minha ilusão preferida — que oscila entre o encanto e o desencanto, entre o canto e o recanto. Quando se integra à solidão, o que há de ser realizado passa a ter sentido. Procuremos dentro de nós a luz que nos guie, para que o começo seja mais do que uma moeda de troca em busca da justiça. Não cabe a nós buscá-la, porque ela vem quando menos se espera.

Eu não quero censurar quem tanto almeja sair da prisão de suas tarefas para se recompor com algo efêmero. Se o corpo é prisão, a alma se confina — mas, com frequência, liberta-se das amarras por meio da poesia. Nunca me esquecerei, porém, de quando resgatei um pássaro com a asa quebrada e, na tentativa de cuidá-lo, sem querer o pisei, matando-o. Sobre ele chorei — e com ele enterrei o meu fracassado cuidado.

A inquietude — esse desconforto — me move. A maior fragrância que dissolve o meu estacionamento é o fato de querer sempre mais, porque não sou perfeito: estou sendo feito. E eu penso; atravesso este deserto sendo ilimitadamente eu, mas inimaginavelmente outros. Estar em harmonia consiste em ter esses muitos outros em sintonia. Utópico?

Coabita em mim a carência do outro e a ausência de mim. Por rejeição ou escolha, velo a solidão expondo-me à força e à palavra. Em porões, caço a profundidade, tal como a luz numa escuridão. Há uma fresta. É uma festa. E só me resta aproveitar esse momento de aparente renúncia para beber esta solução pessoal. É um sacrifício regado a sangue.

Não é por duas pessoas estarem juntas que estarão acompanhadas. Uma delas pode ser a marionete cujo controle esteja nas mãos daquele que rouba sua subjetividade, governando-a, sequestrando-a e fazendo-a perder seus horizontes. Seu barco naufraga, e o controlado se afoga no anonimato. Desconhecido de si mesmo, estranha qualquer caminho. Sua bússola interior está quebrada. Não se pertenceu — e não sabe a quem seguir.

Talvez seja a sina do poeta caminhar contra si, contornando seus contrários, sendo seu fardo e seu alívio. Ser ambíguo, múltiplo — mas sempre se esforçando para alcançar a universalidade e a unicidade. Dentro de uma moldura está “a insustentável leveza de ser”. É um estranho no ninho que choca um ovo sem saber que tipo de criatura foi gerada. Tudo é sumamente diferente. Tudo é metáfora, abstração e retração.

Seres de muitas personas, os poetas retiram uma máscara a cada poema e, num dia, sem rosto, saberão que suas carnes feneceram, seus ossos se fragilizaram — mas seu verbo está aos quatro ventos, em tempestades ou em calmarias.

Eu enterrei borboletas por admirar a mudança e, ao mesmo tempo, temê-la. Hoje sinto o peso da borboleta. Suas asas têm um poder maior do que podemos mensurar. O seu simples bater muda a rota de uma vida.

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  1. O poeta se autoanalisa poeticamente. Parabéns, Leo. Francisco Gil Messias.

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