O café terá sido introduzido na Turquia por volta do século XVI, durante o reinado do sultão Süleyman, “o Magnífico”. O general mameluco do Império Otomano, Özdemir Pasha, durante o seu mandato como governador do Iémen, fez chegar a Constantinopla (atual Istambul) esta bebida, depois de se ter encantado com o seu sabor e efeitos estimulantes.
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Rapidamente, o café conquistaria a corte otomana, tornando-se na bebida preferida do palácio imperial. Para preparar o café do sultão, foi então criado o cargo de kahvecibaşı (chefe responsável por essa incumbência), uma posição de grande confiança e prestígio.
Na década de 1550, os primeiros kahvehanes, ou cafés, começaram a surgir em Istambul, conforme relatado pelo historiador İbrahim Peçevi no seu livro “História de Peçevi”. A popularidade da bebida rapidamente remodelaria a vida cultural turca. O método otomano cezve-ibrik de preparar café - partilhado com a Grécia e com raízes na Etiópia - tornar-se-ia a marca registada do café tradicional turco.
A primeira casa de café de Constantinopla, chamada Kiva Han, foi inaugurada em 1554, no distrito de Tahtakale. Rapidamente aumentaria o número de estabelecimentos, sendo apelidados de “escolas dos sábios”, devido às tertúlias e debates de ideias que ali ocorriam, tornando-se em autênticos centros de encontro para intelectuais, discussões literárias, políticas e sociais.
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Porém, toda essa animação cultural despertaria controvérsia. Líderes religiosos e políticos na Ásia e na Europa viam esses espaços como pontos de conversas subversivas e fúteis. Na Turquia, em 1511, foi promulgado um édito, proibindo o consumo de café publicamente por se temer que esta bebida estimulasse ideias radicais. Em função desta declaração, no dia seguinte foram encerrados todos os kahvehanes, e todas as sacas de café vindas do Iémen seriam derramadas no Estreito de Bósforo.
Para os turcos, a cultura do café vai muito além do simples ato de beber. É um verdadeiro ritual carregado de significado e tradição. Entre essas práticas, existe uma forma encantadora de demonstrar interesse romântico entre
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um casal: se uma mulher gosta de um homem, ao servi-lo ela entorna subtilmente da xícara um pouco de café que preparou para ele. Esse gesto, sugestivo e simbólico, serve como um sinal tímido de afeto sem a necessidade de palavras, adicionando mistério e delicadeza ao romance.
Além disso, há a famosa cerimónia do café salgado, realizada durante o İsteme, uma tradição pré-noivado em que a família do noivo visita a casa da noiva para formalizar o pedido de casamento. Nesse encontro, a noiva prepara o tradicional café turco, adicionando uma quantidade generosa de sal, tornando a bebida extremamente salgada. O noivo, ao beber o café sem demonstrar desagrado, prova a sua paciência e disposição para enfrentar os desafios do casamento, transformando o gesto num teste de caráter e uma demonstração de comprometimento com a união. Estas práticas culturais refletem múltiplos significados: simbolizam a capacidade de lidar com situações difíceis com calma, demonstram o envolvimento, o vínculo do parceiro e expressam o amor e respeito pela noiva. De facto, embora possam parecer atípicas, estas tradições turcas enfatizam a paciência, o respeito mútuo e o compromisso, mostrando que pequenos gestos podem em si conter mensagens profundas.
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Beber um café turco é vivenciar uma tradição que permeia a cultura e o quotidiano dos turcos. Palavras como kahvaltı (café da manhã; literalmente “antes do café”) e kahverengi (cor marrom, a tonalidade deste café) demonstram a importância do café na língua e cultura turca. Existem vários tipos e estilos de preparação de café, nomeadamente o tradicional (feito com grãos moídos até ficarem com a consistência de farinha), o Menengiç (sem cafeína), o Dibek (café moído num pilão de pedra), o Mırra (derivado da palavra árabe mara para “amargo” é um café forte, com os grãos torrados duas vezes),
o Süvari, Tarsusi ou Özeli (a característica deste café, típico de Hatay, é uma interpretação minimalista e autêntica ao ser servido forte e sem açucar, em copo de chá fino), o café com especiarias (com cardamomo, canela e baunilha) e o café preparado na areia (sendo cozido vagarosamente, o que lhe confere um sabor distinto).
Toda a preparação é um ritual caprichoso. Aliás, o café turco é um dos poucos tipos de café no mundo servidos sem filtro e, em todos os casos, a sua espuma e aroma demonstram maestria e a sua infusão paulatina reflete paciência. Com recurso a um pequeno recipiente de cabo longo, o cezve, o café é preparado com grãos moídos bem finos, quase como farinha, num recipiente chamado cezve ou ibrik. A mistura de café, água e açúcar (se desejado) é aquecida lentamente libertando um sabor intenso e criando uma camada de espuma densa, considerada sinal de qualidade. Especiarias como cardamomo, canela ou anis estrelado podem ser adicionadas para realçar o sabor.
O. Kara
A bebida deve ser servida quente, em pequenas xícaras de porcelana, com a espuma intacta, acompanhado de um copo de água e de um pedaço de lokum (delícia turca), além de um copo de água para limpar o paladar antes do seu consumo. A etiqueta também é importante nesta ocasião. Embora servido em xícaras pequenas, o café, espumoso e deliciosamente aromático, deverá ser apreciado devagar, nunca apressadamente, e sem ser mexido após servido, permitindo que a borra assente no fundo.
F. Daştan
Em alguns locais, quando a xícara é esvaziada, entra em cena o pitoresco ritual da leitura da borra, a tasseografia. A xícara é virada sobre o pires, deixada esfriar, e então as formas deixadas pela borra são “interpretadas”. Os significados variam mas, em geral, um peixe simboliza sorte, enquanto um pássaro indica viagem.
O cerimonial do café turco, reconhecido pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade desde 2013, é mais do que sorver uma bebida: é um símbolo de tradição com quase 500 anos, de hospitalidade e de identidade, com séculos de história, mistérios e rituais que resistem ao tempo. Uma experiência cultural que revela histórias de amor, respeito e tradição, onde cada detalhe, desde o derramamento do café até ao desafio do café salgado, transmite sentimentos de maneira delicada e significativa. Do palácio imperial às modernas casas de Istambul, o café continua a ser um elo resistente entre passado e presente, unindo as pessoas em torno de uma mesa e de uma boa conversa.