A palavra acorda a memória e altera o desejo; é o instrumento primordial para que a educação se faça.
(Bartolomeu Campos de Queirós — Arte e Educação)
(Bartolomeu Campos de Queirós — Arte e Educação)
Marina Colasanti era uma escritora e artista múltipla: contista, cronista, tradutora, ensaísta, poeta e pintora. Sabia lidar, com mestria, com a palavra e com os pincéis. Deixou muitos livros para crianças, para jovens e para o público adulto.
Seu primeiro livro infantil — Uma ideia toda azul — revolucionou os contos de fadas tradicionais. As princesas protagonistas de seus contos eram moças ousadas que não temiam os pais autoritários, escolhiam seus eleitos sem atender aos apelos paternos, eram donzelas audazes. Alguns livros de Marina são inesquecíveis, entre eles, A moça tecelã.
Escritora e ilustradoras caminham por um conto tradicional que mostra o trabalho feminino (ato de tecer) de uma moça solitária que um dia encontra seu príncipe encantado. Ao descobrir que a mulher poderia bordar o sonhado e o desejado, o marido começa a exigir que trabalhe de forma incessante. Às vezes ele queria uma casa tecida com as belas lãs de cor de tijolo, depois vinha outro pedido – desejava o bordado de um palácio e a pobre moça tecia, tecia... sem descanso, já não havia mais tempo para ver a neve que caía lá fora. Não tinha tempo para chamar o sol : era só trabalho. O tecer, antes prazeroso, tornou-se extenuante para a moça e lucrativo para o marido que vendia os trabalhos da mulher.
Matizes Dumont
Breve história de um pequeno amor tem como protagonista um pombo. Este conto surgiu de um fato real acontecido no apartamento do casal – Marina Colasanti/ Affonso Romano de Sant´Anna. Uma infiltração no teto da biblioteca da escritora deu origem a uma descoberta – no buraco deixado pela infiltração havia uma pombinha e debaixo da pombinha um ninho com dois recém-nascidos, implumes. Retirado o ninho, a pomba-mãe foi embora e deixou os filhotes órfãos.
Quem se encanta com a beleza da plumagem de certos passarinhos sabe que, quando filhote, nenhum pássaro é bonito, o corpo é liso e não apresenta penas, a cabeça é desproporcional e os olhos são enormes, parecem saltar das órbitas. Os dois pombinhos tinham todas essas características.
GD'Art
Todos os cuidados foram tomados, mas isso não impediu a morte de um dos pombinhos, o sobrevivente passou a receber carinhos de mãe – comida de duas em duas horas, água e atenção especial para que tudo chegasse a bom termo. Faltava escolher um nome para o novo habitante da casa, surgiu a ideia de Tom, talvez uma alusão a Tom Hanks, ator sobrevivente do acidente aéreo no filme O Náufrago. O fim da história é surpreendente, vale a pena conferir.
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No Segundo Congresso das Américas de Lectoescritura, realizado em San José (Costa Rica), a ensaísta falou sobre a impressão que o conto “A Sereiazinha”, de Andersen, lhe causara quando era criança. Chorava ao ler esta história, sabia que ia chorar, mas continuava lendo, lendo... até sentir estremecimento interno que não sabia de onde vinha. Quando adulta, o conto continuou a despertar-lhe interesse. Ao visitar a Dinamarca, fez questão de conhecer a casa onde Andersen nasceu, o museu e a estátua da pequena sereia que se encontra sobre uma rocha no porto de Langelinie. A visão da estátua proporcionou-lhe esta descrição:
“... sentada sobre a pedra, o corpo de bronze molhado pela chuva como se estivesse acabado de emergir da água escura, o rosto ligeiramente inclinado, melancólico. Está sozinha, pequena.”
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“... os que gerem este país não acreditam na literatura como força estruturante. Não acreditam que a leitura de bons livros, a pura beleza, o interpenetrar-se entre texto e leitor, seja capaz, por si só, de fazer melhores cidadãos.”
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“A palavra acorda a memória e altera o desejo, é o instrumento para que a educação se faça.”
“Em busca do mapa da mina ou pensando na formação de leitores” foi o título da palestra que a escritora proferiu no III Fórum de Educação, na Ilha Solteira, em São Paulo (2003). Ela inicia o texto com esta pergunta: O que é necessário para formar bons leitores?
É uma pergunta que pode gerar várias respostas. Sem esperar por respostas, ela se adianta: forma-se bons leitores através das narrativas. Contar histórias faz parte da natureza humana. Somos todos narradores e ouvintes, alguns melhores do que outros.
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E Marina traz o relato de uma experiência que viveu na praça Jeema el Fina, em Marrakeck. A praça fica localizada dentro da Medina, no coração da cidade. As pessoas estavam reunidas em torno de uma mulher, uma contadora de histórias, e todos que ali se encontravam pareciam interessadíssimos. Será que conheciam a história ou estavam ouvindo pela primeira vez? Não importa, história velha ou nova, se for atraente, desperta a atenção do ouvinte.
Esta prática salutar de contar histórias me lembrou uma cena que presenciei em uma livraria de Oakland, Estados Unidos. Um senhor com ares de escritor (storyteller), lia para crianças e adultos, todos silenciosos, ouvindo. Como é bom ouvir uma boa história!
O trabalho de jornalista e de escritora sempre levou Marina Colasanti a aventuras literárias, e vem esta revelação que define bem a importância que o livro e a leitura tiveram em sua vida:
“Embora tivesse amado ler romances e livros de aventuras, nunca senti vontade de escrever nem uma coisa nem outra; meu desejo de escrita sempre esteve centrado na ourivesaria do texto curto.”
Esta confissão demonstra o seu fazer literário e como a moça tecelã tecia os fios das palavras.


























