O livro O sonho de um homem ridículo , escrito pelo filósofo, escritor e jornalista russo Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821–1881) e...

Autoperdão de um pessimista

dostoievki sonho homem ridiculo redencao compaixao
O livro O sonho de um homem ridículo, escrito pelo filósofo, escritor e jornalista russo Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821–1881) e publicado em 1877, afirma que a salvação da humanidade não virá de sistemas políticos, avanços tecnológicos ou teorias abstratas, mas de uma profunda transformação interior. O autor defende uma exigência moral: o paraíso não está perdido no passado nem prometido para um futuro distante; ele é uma possibilidade sempre presente, que depende da escolha livre de cada ser humano.

dostoievki sonho homem ridiculo redencao compaixao
GD'Art
Nesse processo, o caráter da condição humana reside no fato de que essa atitude exige esforço intencional constante e responsabilidade radical. Na obra literária, a narrativa assume a forma de um relato confessional, no qual um narrador aparentemente insignificante — um “homem ridículo” — torna-se portador de um pessimismo compulsivo e, posteriormente, de uma proposta universal. Diante disso, teses dostoievskianas condensam temas centrais da filosofia moral, da antropologia filosófica e da metafísica, como o sentido da existência, a origem do mal, a liberdade humana, a culpa, a possibilidade de redenção e a compaixão como fundamento ético do mundo.

O texto narra a trajetória de um homem que, tomado por um sentimento de inutilidade da vida, decide cometer suicídio. Em meio a uma noite sombria, o narrador observa o céu e fixa o olhar em uma estrela solitária. Pouco depois, uma menina corre em sua direção, aparentemente em desespero, sugerindo que algo grave ocorrera com sua mãe. O narrador, porém, ignora o apelo da criança e, com um tom de voz embrutecido, manda que ela procure ajuda em outro lugar, retornando em seguida ao seu apartamento. Ao chegar, senta-se em uma cadeira e coloca a arma sobre a mesa ao seu lado. No entanto, hesita em atirar contra si mesmo, atormentado por uma sensação incômoda de culpa, provocada pelo fato de ter recusado ajuda à menininha.

dostoievki sonho homem ridiculo redencao compaixao
GD'Art
Após enfrentar intensos conflitos internos, o protagonista adormece e tem um sonho extremamente intenso, no qual é conduzido a um mundo habitado por seres humanos puros, felizes e livres do pecado. Trata-se de uma sociedade harmônica, fundada na solidariedade e na compaixão. Com o passar do tempo, porém, o próprio narrador introduz a mentira nesse lugar, desencadeando a corrupção moral. Da mentira nasce o orgulho; do orgulho emergem a violência, as guerras e a racionalização excessiva, que destroem a antiga harmonia. É justamente a presença do “homem ridículo” que instaura a queda dessa humanidade, demonstrando que o mal não surge como uma necessidade natural ou imposição divina, mas como fruto da liberdade humana sem limites. Assim, a tese dostoievskiana afirma uma visão trágica da existência: o ser humano é capaz tanto do bem absoluto quanto da destruição total, e essa ambiguidade constitui o núcleo de sua liberdade.

dostoievki sonho homem ridiculo redencao compaixao
GD'Art
Ao despertar do sonho, o narrador abandona a ideia de suicídio e passa a dedicar sua vida à divulgação de um ideal (proposta) que lhe foi revelado: o amor ao próximo como fundamento da existência. Decide, então, procurar a menina que havia ignorado, gesto que simboliza o desejo de reparação de seus erros e a possibilidade de redenção. Nesse sentido, a narrativa evidencia que a transformação do próprio brutalismo em bondade inicia-se no reconhecimento da responsabilidade pelo outro. A queda provocada pelo “homem ridículo” também conduz a uma crítica incontestável contra o racionalismo moderno e à fé irrestrita no progresso científico como caminho exclusivo para a verdade universal. Para Dostoiévski, a ciência — quando separada do amor e da responsabilidade moral — não redime o homem; ao contrário, pode legitimar novas formas de dominação e sofrimento.

Assim, a razão, desvinculada da solidariedade e do compromisso com o bem comum, converte-se em instrumento de alienação e exclusão. O protagonista compreende, então, que a verdade não depende de sua verificabilidade empírica, mas da
dostoievki sonho homem ridiculo redencao compaixao
capacidade de reconhecer que o sentido da vida reside em amar e cuidar do outro como a si mesmo. A partir dessa revelação, o “homem ridículo” assume sua condição de objeto de escárnio. Ele sabe que será ridicularizado, mas isso já não importa. Sua missão é anunciar uma proposta simples e, ao mesmo tempo, escandalosa para o mundo moderno: a compaixão. Esse desafio estabelece uma crítica à cultura da ironia, do cinismo e da superioridade intelectual. O verdadeiro sábio — defende o autor — é aquele que aceita parecer louco ou ridículo por amor à dignidade e à solidariedade humana. Da mesma forma, a redenção do mundo pode ter início no acolhimento do sofrimento alheio, construindo a unidade na diversidade.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Síntese perfeita de um grande livro. Parabéns, Klebber. Francisco Gil Messias.

    ResponderExcluir

leia também