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Para escrever em um livro de páginas azuis é preciso usar tintas imaginárias, ter em mente palavras de algodão doce, feitas do açúcar mai...


Para escrever em um livro de páginas azuis é preciso usar tintas imaginárias, ter em mente palavras de algodão doce, feitas do açúcar mais cristalino, e desejar capítulos de sonhos (o doce de padaria). A receita é infalível, uma delícia.

O lápis precisa de recarga de sorriso, de preferência de criança correndo no meio do jardim. A métrica exige a atenção dos olhos dos amantes, e que venham com suspiros e canções, para acalmar o coração acelerado. E sim, as letras sairão quando as pálpebras estiverem encobrindo a visão, isto para garantir a precisão das rimas.

O melhor momento é que a escrita seja à tarde, com o Sol um pouco antes de se dirigir e se reclinar para beijar o horizonte para desejar boa noite. Ah! À noite, nós mortais não podemos escrever no livro de páginas azuis porque dá lugar a outro, cujos espaços foram pintados por Deus com pontinhos faiscantes.

As páginas azuis do livro do dia, elevadas ao teto do universo, exalam um cheiro inconfundível de algum momento da infância. Aquele que vem à mente sem que consigamos identificá-lo, mas nos é familiar e remete aos primeiros anos de vida com os pés no chão, vento no rosto, chuva nos cabelos, calor e poeira na corrida de olho na linha que conecta a pipa (papagaio) ao céu. Quando nossos pulmões parecem incansáveis, nossas pernas as mais velozes, nossos braços os mais ágeis e fortes.

Cada letra requer caligrafia perfeita, contorno tipo nuvens "cumulus", popularmente chamadas de "nuvem carneirinho". Fico com a segunda opção, seria o cúmulo se negar a pensar nelas como novelos de lã. Recheadas de delicadeza, garantem maciez na escrita, juntas, formam palavras saborosas como brigadeiros comidos, digamos, a qualquer hora.

Ah! Nas páginas azuis registramos as histórias para serem impressas em máquinas que vão virar chuva para cultivar as terras férteis, para matar a sede, quando estiverem cheias de frases feitas de caramelos, que vão se juntando com gostosura.

Seus personagens? Sim, todos bem-amados. Prontos para misturar a espuma de barbear com a da cachoeira que mergulha do alto, depois de lá em cima tocar o azul inalcançável, apenas ultrapassável. Sim, pois as páginas se desfazem ao contato das mãos e dão lugar ao salto para fora da bolinha em que vivemos.

Ali, o escriba das letras que em fim de tarde saltam de brancas algodão para alaranjadas é feliz ao ser chamado carinhosamente de 'bobo' e até mesmo 'idiota'. Ele sabe que ter a capacidade de decifrar a grafia das páginas azuis é possível para todos, mas só poucos alcançam as páginas e conseguem redigir e acrescentar novos capítulos. Geralmente as crianças o fazem com mais desenvoltura, mas, geralmente, perdem a capacidade a medida que ganham altura e, teoricamente, se aproximam das folhas de azul celestial. Quanta ironia!

E no livro de páginas azuis o final, o "The End", será sempre sinônimo de recomeço, de reviver, de reescrever. Garantia de volta do algodão doce acompanhado de um sorriso. Apenas um hiato para mais uma aventura, nunca um desfecho, porém um salto para mais alto, um afastamento para um abraço.


Clóvis Roberto é jornalista e escritor E-mail

Abril viaja pela sua metade. Já é outono, mas o Sol castiga como se ainda fora verão, coisa típica dos trópicos. As chuvas costumam vis...


Abril viaja pela sua metade. Já é outono, mas o Sol castiga como se ainda fora verão, coisa típica dos trópicos. As chuvas costumam visitar a região litorânea em pancadas noturnas, rápidas e fortes, enquanto a invernada já chegou desde janeiro ao Sertão para alegrias e festas dos corações, fazendo o verde ressurgir como o renascimento/ressurreição de um Domingo de Páscoa. Mas abril sempre teve das suas tempestades. 

E este em que (sobre)vivemos é um novo "Abril Despedaçado" (citando o filme do diretor Walter Salles, baseado no romance "Prilli i Thyler" do albanês Ismail Kadaré). Sem armas de fogo ou facas, mas com matança em muitos lugares, abril de um inimigo que avança perigoso, e quebra o silêncio com lágrimas e falas desconexas, que tem alguns humanos como aliados improváveis, já que também são vítimas inescapáveis. 

Eis que surge abril que se anunciava em janeiro. Como um vírus perturbador das almas inconsoláveis, até mesmo com um aviso libertador para os espíritos elevados. 

Abril tem dessas coisas. Mês de encerramentos, transições abruptas, rupturas. A história mostra isso, mesmo que tenham por esperteza "criado" um 31 de março escapar do 1 de abril, o Dia da Mentira. A vida pessoal idem, quando surge com trovoadas e raios e barra de nuvens escuras no horizonte. Em abril inacabado, quando se deixa uma "impressão" sempre é possível encontrar uma nova, mesmo que digital.

Mas se abril é de mudanças inesperadas, eis que, por tabela, é tempo de (re)aberturas. Se é término de estrada, por que não ser um reinício de jornada? Aí abril que se despedaçou terá colado mais à frente suas partes, reunidas em outro formato. Não necessariamente nesse mesmo abril, talvez em mês algum de igual nome, talvez se chame junho, outubro ou um dezembro natalino. 

Fundamental é seguir o rio, absorver a força da tempestade. E aí "the soft rain of april are over" (as leves chuvas de abril terminaram), pois que as tempestades se tornam mais leves após ir embora ou até a natureza em fúria explodir novamente. 

E assim será quando abril fechar sua passagem.

Clóvis Roberto é jornalista (João Pessoa-PB). cclovisroberto@gmail.com