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Volta do outono Um enlutado dia cai dos sinos como teia tremente de uma vaga viúva, é uma cor, um sonho de cerejas afundadas na terra, é u...

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Volta do outono Um enlutado dia cai dos sinos como teia tremente de uma vaga viúva, é uma cor, um sonho de cerejas afundadas na terra, é uma cauda de fumo que chega sem descanso para mudar a cor da água e dos beijos.
Pablo Neruda

As chuvas, que ainda deveriam ser raras nesta época do ano, andaram chegando desobedientes e pareceram estar antecipando a estação das águas. Será o tempo de cobrir o sertão de verde, esperar colheita generosa e mesa farta. São José haverá de ser dadivoso e permitirá que o aguaceiro surja abundante autorizando o plantio e permitindo à enxada que trabalhe nos roçados. Haverá sim, o santo-carpinteiro, de derramar em forma de chuva, esperança nos corações sertanejos.

O equinócio de outono se deu no último dia vinte e um. Dia em que a luz solar incidiu com mesma intensidade sobre os dois hemisférios do planeta. A Terra e o Sol, por uns meses, irão se afastar um do outro como dois parentes intrigados. Para nós, os dias serão mais curtos do que as noites. Nessas latitudes, só um pouquinho.

Consta-me, salvo engano, que a palavra outono tenha origem latina: “autumnus”, que significa “mudança”. Lá em terras europeias de onde surgiu, o termo justificava o fim do colorido da primavera e do verão para se esperar os tempos cinzentos do inverno. Mal sabiam eles, os europeus, que para o nosso matuto também caberia a força do vocábulo. Pois aqui começa o tempo das grandes metamorfoses. A caatinga vai ganhar vida, os açudes haverão de sangrar. O passaredo, até então, tímido, escondido irá reaparecer numa louca e desorganizada sinfonia. Voltarão, o azulão, o coleirinho, o sabiá, o bigodinho, o pintassilgo, o galo-de-campina, o assum preto, o currupião, o sanhaçu, e até o desajeitado nambu aparecerá para ciscar à sombra dos pés de jurema. E que tenham muito cuidado com o acauã, com o carcará, com o gavião carijó, com a coruja rasga-mortalha, todos famélicos e exímios caçadores estarão rondando os céus e podem interromper a cantoria dos nossos seresteiros empenados.

A caatinga ganha cores com as inflorescências do sete cascas, do quipá, da jurema, da baraúna, da coroa de frade, da favela e até a atrevida arapuá irá se deliciar com o néctar do mulungu. É como que se o arco-íris fosse capaz de se esparramar em milhões de pedaços pelo sertão. Oh amigos que deixei lá pelas bandas do sul, vocês nem são capazes de imaginar como é bonito o inverno sertanejo.

No litoral não é bem assim, com as chuvas o mar que passara meses pintado em cores de turmalina; vai, como dizem os pescadores, ficando mexido, perde sua coloração esverdeada, fica bege e sem encantos. As calçadinhas da orla se farão pobres de gente, sem o alvoroço de meninos, sem nossos “apolos” e “afrodites” de peles douradas e silhuetas de escultura que passam apressados exibindo sorrisos e saúde. Os namorados não passearão de mãos dadas trocando beijos e promessas. Os velhinhos não aparecerão para repousar seus cansaços sentados na muretinha das calçadas. Nem lançarão olhares atrevidos às saias morenas que as brisas costumam levantar. Até as folhas dos coqueirais se agredirão instigadas pela aragem, numa desavença que parece interminável. Serão por aqui tempos de espera e recolhimento. Esperemos; pois, por uns meses a nossa vez, agora é a do sertanejo. É justo, mais que justo.

Início deste ano, recebi com muita desconfiança os votos de “Feliz Ano Novo”, mesmo vindo de pessoas de minha benquerença. Não precisava...

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Início deste ano, recebi com muita desconfiança os votos de “Feliz Ano Novo”, mesmo vindo de pessoas de minha benquerença. Não precisava ser nenhum adivinho, usar bola de cristal ou jogar sobre a mesa cartas de tarô. Estava evidente que o ano ia ser difícil. E está sendo.

Ponderações filosóficas na praia de Tambaú Pequenas embarcações pesqueiras ficam fundeadas nas águas daquela praia, Outras, avariad...

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Ponderações filosóficas na praia de Tambaú

Pequenas embarcações pesqueiras ficam fundeadas nas águas daquela praia, Outras, avariadas, foram deixadas sobre as areias e à sombra das gameleiras. Dessas, umas estão devidamente aposentadas enquanto outras parecem aguardar reparos. Fazendo fronteira com o areal, a calçada ampla, quase uma praça e o mercado de peixes. Por ali, o vai e vem de turistas com a presença contrastante de uma indigência incômoda, freqüentadora contumaz daquele logradouro, À sombra das gameleiras, entre embarcações aportadas naquelas areias deu-se o fato.

Dois banquinhos de madeira carcomida. Sobre um deles uma meiota de cachaça, o copo de pequenas dimensões apropriadas às suas funções, o pacote improvisado com os inseparáveis cigarros de manufatura caseira — os “pés-de-burro” — a caixa de fósforos, duas laranjas cravo para rebater os arrepios depois dos goles da água que passarinho não bebe. Noutro ele, acomodado, tecendo a rede de pesca

A propósito das paineiras da Avenida Orozimbo Maia, onde morei por uns tempos — Campinas, interior de São Paulo.

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A propósito das paineiras da Avenida Orozimbo Maia, onde morei por uns tempos — Campinas, interior de São Paulo.

Waldemar N.J.P. era um homenzinho desse tamanhico, trabalhador, responsável na vida pessoal e no emprego; além disso, muito educado. Esse...

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Waldemar N.J.P. era um homenzinho desse tamanhico, trabalhador, responsável na vida pessoal e no emprego; além disso, muito educado. Esse detalhe: educado; é muito importante para este causo.

Saudade no peito, É como fogo de monturo. Por fora tudo perfeito, Por dentro fazendo furo. Patativa do Assaré

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Saudade no peito, É como fogo de monturo. Por fora tudo perfeito, Por dentro fazendo furo.
Patativa do Assaré

A minha casa fica lá detrás do mundo Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar O pensamento parece uma coisa à toa Mas como a gente...

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A minha casa fica lá detrás do mundo Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar O pensamento parece uma coisa à toa Mas como a gente voa quando começa a pensar.
Lupicínio Rodrigues

Narinha e o marido Durvalino não perdiam um pagode nas tardes de sábado, lá no botequim do Alcides. Dos que freqüentavam aquele samba, Cel...

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Narinha e o marido Durvalino não perdiam um pagode nas tardes de sábado, lá no botequim do Alcides. Dos que freqüentavam aquele samba, Celestino era o protagonista, um danado no cavaquinho, além de que era também bom de gogó e sua cantoria era o que mais animava a gafieira. Sem Celestino o pagode perdia o fôlego, desafinados teimavam em cantar e ninguém se prontificava a arrastar as mesas para um rala-bucho.

(Luiz Augusto de Paiva) Ele fazia Química na universidade e ela no mesmo curso, um ou dois semestres atrás. Conheceram-se ali pelos corredor...


(Luiz Augusto de Paiva)

Ele fazia Química na universidade e ela no mesmo curso, um ou dois semestres atrás. Conheceram-se ali pelos corredores e pintou entre eles aquela química, não a do curso, mas aquela atração danada, inevitável que faz qualquer elétron escapar de sua órbita. Hormônios pululando a todo vapor, nos dois. Então aconteceu. Não poderia ter sido diferente.

Mas antes que mal digam coisas dessa nossa Julieta, é bom que saibam, nosso Romeu era criatura do mais ilibado caráter e levou a sua mocinha aos cartórios e ao altar. Casaram-se. Ele sem uma pataca no bolso, ela muito menos, mas todo mundo sabe como é esse tal de amor, não é verdade? Os pais dele contra, a mãe dela que era viúva também, mas fazer o quê? Eram, como dizia a senhora – do rapaz – “di maior”, e deviam muito bem saber o que estavam fazendo.

O pai dele ainda deu uma força de início. Foi fiador numa casinha do tipo sala, quarto, cozinha e banheiro, ali por perto da universidade e ajudou na compra do essencial. Nada de primeira mão, tudo de brechó e sem reclamação. Quem mandou não ter responsabilidade? Já a mãe dela, mesmo com gordas economias na Caixa Econômica, não abriu mão de um centavo além do que havia gasto com os ornamentos da igreja e mais alguma coisa que a paróquia exigia para proceder o enlace. E só.

Criar uma filha com tanto zelo e depois entregar para um pé-rapado desses – reclamava a indignada senhora.

Nem é preciso explicar que foi um difícil começo. Para segurar a barra, sempre que havia uma brecha no horário da universidade ministravam aulas particulares. Tempos depois conseguiram alguns colégios para lecionar e assim foram levando a vida, com dificuldades, mas levando.

E o amor? Aceso! Aceso como brasa de churrasqueira. Felizes, iam se dando bem no curso, conseguiram mais trabalho e viviam aquela fase de “como o amor é lindo! ”. Tão lindo que já podiam, vez ou outra, tomar uma cervejinha com os amigos da universidade nos fins de semana, e, mais lindo ainda, porque conseguiram comprar uma Brasília de terceira ou quarta mão.

Que não me apareça com esse carro aqui para não me matar de vergonha – dizia a mãe dela, toda prosa, porque tinha um Monza (que era o carro da moda) novinho em folha.

A vida seguia seu curso, até que um dia... Depois da aula na universidade, o nosso Romeu deixou brotar da alma seu lado boêmio, ou melhor dizendo, seu lado gandaieiro, desregrado (todo homem tem isso, contido mas tem) e numa sexta-feira, depois das aulas da noite, saiu com um amigo para a esbórnia.

Foram para um daqueles estabelecimentos onde moças gentis satisfazem as necessidades afetivas e urgentes da rapaziada. Não era o caso do mancebo em questão, que por sinal era muito bem nutrido nessas necessidades, mas naquele dia resolvera, como se diz, enfiar o pé na jaca. Ali ficaram bebendo com as meninas, beijinhos, carícias poucas. Nada mais que isso. Queriam mesmo é fugir da rotina. Mas tomaram todas e na saída, noite bem avançada, tiveram que usar a Brasília para dar carona para duas daquelas criaturas. Cumprida a gentileza, antes de chegar em casa, parou a “poderosa” e deu um geral para não deixar rastro. Achou uma bijuteria, um batom e uma tiara. Ufa! Provas do crime jogadas fora, portanto devidamente eliminadas.

Em casa, a mulher ainda acordada. Brava! Com aquele bico de ornitorrinco, lembrou nosso transgressor que na manhã seguinte iam ser testemunha no cartório. A prima dela ia se casar.

Acordou daquele jeito. Gosto de cabo de guarda-chuvas na boca. Cérebro como se estivesse solto na cabeça. Tomou café amargo, trêmulo. Botou terno e gravata. A mulher sem dizer uma palavra, só fez lembrar na saída:

Pneu do carro de minha mãe está baixo, vamos passar lá para pegar ela.

Lá, entraram na “poderosa”, a sogra e duas cunhadas. A mulher ao entrar já foi dizendo:

Que cheiro de Avon é esse aqui dentro?

Ele eliminara qualquer vestígio, menos o cheiro. Não pensara nisso. A mulher esticou mais o bico ainda, mas não disse uma palavra (o que é pior!). Na primeira freada, algo resvala no pé dele. Disfarçadamente estica as mãos, toca. Um sapato! Como não vira? Precisava eliminar aquela evidência tão comprometedora. Com a desculpa que um pneu poderia estar baixo para o carro, e disfarçadamente joga fora o sapato. Entra no carro aliviado até que chegam ao cartório. Saem do carro, menos a sogra.

A senhora não vai sair? Vai ficar aí? – interroga nosso Romeu, e ela: "Estou procurando meu sapato. Alguém viu?"