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Não é de hoje ou por ser moderninho que faço serviços domésticos. Filho de uma família grande, somos nove irmãos, fomos educados por min...



Não é de hoje ou por ser moderninho que faço serviços domésticos. Filho de uma família grande, somos nove irmãos, fomos educados por minha mãe e por meu pai na responsabilidade. Minha mãe nos legava as tarefas domésticas e o cuidado com a profilaxia, palavra que, desde eu menino, como diria o poeta, aprendi com ela. Nosso pai nos impunha levar as encomendas de seu açougue aos  fregueses, bem como lavar o açougue no domingo pela manhã, para começar a semana limpo. De quebra, aprendemos a aritmética do troco, já devidamente calejados pelo aprendizado, literalmente doído, da taboada, com a nossa mãe…

Lavar louça, varrer casa, ajeitar o quarto, tirar o lixo, fazer comida, tudo isso se tornou um hábito para mim. Até hoje, faço comida para 20 pessoas, como feijoada ou cozido, e deixo a cozinha limpa como se ninguém tivesse passado por ali.

Digo estas coisas porque neste período de quarentena, as tarefas de casa se multiplicam, principalmente as de cozinha.

Há quem tenha comparado a tarefa de lidar com a cozinha com o suplício de Sísifo. Trata-se de má comparação. Sísifo, quando descia a encosta da montanha, tinha tempo de pensar em um modo de colocar a pedra no topo e, assim, livrar -se do suplício. Se era um trabalho sem fim, o de Sísifo, ao menos lhe dava, em algum momento, tempo para refletir sobre a sua situação.

Comparo o trabalho de cozinha com o suplício das Danaides, cuja continuidade, normalmente, não dá tempo para a reflexão. As 49 irmãs, filhas de Danaos, foram condenadas, pelo assassinato de seus maridos, na noite de núpcias, a encher, no Hades, um tonel sem fundo, carregando água numa peneira. O derramamento de sangue parental, pois os maridos eram seus primos, é que acarretou em suplício tão requintado.

Apesar de ser infindável o serviço de cozinha, além de pouco produtivo, não reclamo. Seja pelo hábito de fazê-lo, seja por fazer passar o tempo do confinamento, seja porque acabei descobrindo uma utilidade: refletir sobre a paciência e remoer algum texto na memória.

A vida nos ensina de diversas maneiras.

* Milton Marques Júnior, Professor de Literatura, escritor, critico e ensaísta paraibano

No capítulo 5 do Evangelho de João, versículos 1-16, Jesus cura um paralítico que há 38 anos sofria com a sua doença. Ele se queixava de nin...



No capítulo 5 do Evangelho de João, versículos 1-16, Jesus cura um paralítico que há 38 anos sofria com a sua doença. Ele se queixava de ninguém o levar à piscina (kolumbétra, em grego) de Betesda, no momento propício para a cura, quando a água se agitava. Havia sempre algum que se antecipava a ele e descia nas águas curativas. Jesus pergunta-lhe se ele quer ser curado, o paralítico conta-lhe a sua história e Jesus diz: – “Levanta-te, toma o teu grabato e anda!” E assim se dá.

A frase ainda se repete mais duas vezes. Uma, pelo próprio paralítico; outra, pelos judeus que, por ser sábado, recriminam o homem por carregar o seu grabato, não observando as regras do Shabbat.

A palavra grabato, no grego krábatos (esta palavra origina também o francês grabat), apesar de significar um leito miserável, enxerga, catre, é de fundamental importância no episódio.

Quando Jesus entra em contato com o paralítico, apenas pergunta se ele quer tornar-se sadio (hugiés, em grego), diante da lamentação do paralítico por não alcançar a tempo as águas da piscina de Betesda. Jesus o cura, sem sequer tocá-lo, sem dizer-lhe quem é.

Duas coisas podemos afirmar: o homem é curado pela sua fé; não há qualquer milagre no fato, mas a força da energia do bem que emana do Cristo é que curou o enfermo, do mesmo modo que cura a hemorragia de anos da mulher que toca, com fé, a fímbria de sua túnica e ele sente sair de si um poder (dúnamim, em grego – Lucas, 8,46).

Por outro lado, por que Jesus dir-lhe-ia para se levantar, pegar o grabato e andar? Por que não se omitir a ação de pegar o grabato? Não seria apenas para que o paralítico deixasse ali a sua enxerga, ou porque viesse a precisar dela.

O propósito maior de Jesus pedir-lhe para, uma vez curado, pegar o seu grabato é para que ele, o paralítico pudesse se lembrar de seu sofrimento. O grabato é a lembrança viva dos 38 anos de sofrimento em cima de uma enxerga.

Cada um de nós devia se lembrar de nosso grabato e carregá-lo, não nas costas, mas na mente, como lembrança do que sofremos por nossas próprias ações.

Jesus nos ajuda a curar, mas precisamos querer e ter fé para que isto aconteça. Estamos sendo curados, lentamente, a cada encarnação e podemos apressar a nossa cura, desde que aprendamos a lição, que se encontra nas últimas palavras que Jesus dirige ao paralítico, quando o encontra no templo: – “Ficaste curado, não cometas mais erros, (mekéti hamartáne, em grego) para que não te suceda coisa ainda pior”.

Não sabemos o que aconteceu ao paralítico, mas sabemos que ele disse aos judeus quem o curou e eles perseguiram Jesus. Assim fazemos nós: esquecemos as bênçãos que recebemos, deixamos de lado o nosso grabato, olvidando as dores por que passamos, e ainda demonstramos a nossa ingratidão vituperando quem nos enche de graça.

É preciso não esquecermos a nossa enxerga!

"(...) tendo partido para as esferas espirituais, tenho certeza de que aqueles que se lembrarem de mim, o farão me chamando de professo...


"(...) tendo partido para as esferas espirituais, tenho certeza de que aqueles que se lembrarem de mim, o farão me chamando de professor, (...) não como “o eco particular do meu Destino”, mas com as obras plantadas pelos exemplos colhidos no curso vida e da profissão.



Discurso de Posse do Professor Milton Marques Júnior na APL

Os Professores e a Academia: Plantando as Sementes do Saber e da Criação

A Chegada

Chego a esta Casa. Aqui me encontro diante de todos vós. O desafio de chegar até aqui foi grande, mas não se resume a chegar. Chegar é só um passo dado diante do significado de ser acadêmico. A partir de agora, novos desafios acontecerão, pois cabe a todos os que fazemos esta entidade trabalhar em prol do conhecimento e revertê-lo à sociedade que a abriga. Assim, concebeu Platão a sua academia.

A Academia de Platão

A Academia de Platão foi fundada no século IV a. C., por volta do ano de 384, num bosque a noroeste de Atenas, e consistia numa associação exclusiva para aqueles que ali eram admitidos, ainda que não se pagasse nada para a sua admissão. O nome academia (a)kadh/meia) é proveniente do mitológico personagem, Academos ( )Aka/dhmoj), que teria indicado a Castor e Pólux, os Dióscuros, onde Helena se encontrava, depois de sequestrada por Teseu. Tendo resgatado a irmã, os dois irmãos e seus companheiros espartanos decidiram não incendiar o bosque, que passou a ser conhecido como “O Jardim de Academos”.

O objetivo da Academia de Platão era o ensinamento da ética e da justiça, segundo nos afirma Giovanni Reale, em sua História da Filosofia Antiga, volume III. Mais importante do que a sistematização de um saber científico, Platão vislumbrava a necessidade de se constatar a impossibilidade de a alma reconhecer a justiça sem ela mesma ser justa. Só com a alma constituída de bem, pela sua alta espiritualidade, é que se pode compartilhar esse conhecimento iluminado, diz Giovanni Reale, citando uma carta da velhice de Platão. Não é por outro motivo que, na República, a sua obra maior, Platão afirmar ser a justiça a virtude da alma (a)reth/n yuxh=j ei=nai dikaiosu/nhn, 353e).

Sim. A academia platônica era movida pela necessidade de saber, vez que o filósofo, como definia Sócrates, é aquele que ama saber, não aquele que ama o saber. Para Giovanni Reale, a academia platônica é o núcleo do que hoje se constituíram as universidades, local que deveria ser, por excelência, onde se realiza a busca do saber. As discussões na academia platônica variavam, abrangendo todos os temas: ética, política, astronomia, matemática, linguagem, literatura, natureza da alma, mas todos voltados para um único caminho – dikaiosu/nh, a prática da justiça –, sem a qual a sociedade tenderia a sucumbir. Como não ver por exemplo a discussão sobre o amor e a natureza da alma, no Fedro, ou a recusa de Sócrates de escapar da sentença de morte, por acreditar nos princípios éticos e no destemor da morte, sem os quais o filósofo não existiria, nem estaria no topo da reencarnação, como podemos ver no Críton e no Fédon? Como não entender a visão ética sobre a criação poética, que Platão definia como imitação, e que deveria ser cuidadosamente encarada quando levada às crianças, na República, cuidado que confundiu as pessoas, achando que Sócrates estava expulsando os poetas da cidade ideal que criava, quando na realidade estava salvaguardando a educação, paidei/a, sadia para as crianças, num Estado que deveria ser são? Como não considerar as discussões sobre inspiração e técnica, no fazer poético, que abrem espaço para as primeiras reflexões sobre a diferença entre doxa (do/ca), a opinião, e episteme (e)pisth/mh) o conhecimento, conforme se encontra no Íon?

Eis o espírito de uma Academia. Procurar amar saber, buscá-lo, investigá-lo, colocá-lo na ordem do dia e das discussões, para, a partir dele, pensar em uma sociedade justa. Esta é a ideia que encontramos embutida no brasão desta Casa – Decus et Opus, Honra e Obra. É através das obras que realizamos, que mostramos o que é a honra, virtude inseparável da justiça, que está na base da academia platônica, formalizada de modo inquestionável na Alegoria da Caverna: o saber afasta as sombras da aparência, ofuscando inicialmente quem vive nas trevas e exigindo um esforço de quem se propõe subir o íngreme caminho até a luz. Uma vez acostumado à luz, aquele que se coloca diante do saber tem a responsabilidade de fazer a descida para tentar resgatar os que ainda estão sob a opressão e as impressões das sombras. Esta nossa obra, esta nossa honra.

Meus Antecessores

Cabe-me, neste momento, dar uma palavra sobre os meus antecessores, nesta Cadeira de número 40, que logo passarei a ocupar.

O Patrono Cândido Firmino de Mello Leitão

Cândido Firmino de Mello Leitão é o patrono da Cadeira. Cientista, botânico e zoólogo, com ênfase na entomologia, mais especificamente nos aracnídeos, ordem da qual descobriu, nomeou e classificou perto de 70 espécies, como a Lasiodora Parahybana, tarântula descoberta em Campina Grande, em 1917. Professor e taxonomista, “um gigante que pode ser visto por diversos ângulos, como professor, conferencista, pesquisador, escritor de livros didáticos, historiador, biogeógrafo, escritor e quase poeta”. É o que diz Lauro Pires Xavier, no seu discurso de posse, ocasião em que se tornava fundador da Cadeira de número 40 (publicado em plaquete, em 1972, p. 20, acervo da APL). No mesmo discurso Lauro Pires Xavier o aponta como menino prodígio, tendo recebido o diploma de Doutor em Medicina, com a tese Da Polistease Visceral (p. 21).

Mello Leitão foi um dos criadores do Horto Botânico da Escola Normal de Niterói, por compreender que o ensino da História Natural deveria ser feito a partir de espécimes vivos (p. 23). Precursor da Ecologia, como um dos ramos da Botânica, em 1924, quando a palavra sequer havia sido dicionarizada, no Brasil – só o foi em 1928. (p. 24). Orgulho-me, portanto, de estar ocupando a mesma cadeira de Mello Leitão, professor do Museu Nacional, taxonomista respeitado no Brasil e no exterior, pelos seus estudos e descobertas.

O Fundador Lauro Xavier

Professor e ecologista “avant la lettre”, Lauro Xavier ocupou a Cadeira de número 40, de 1972 a 1991. Agrônomo, em 1933, pela Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária do Ministério da Agricultura, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, ele foi um dos fundadores da APAN – Associação Paraibana dos Amigos da Natureza –, e um dos pioneiros na luta pela preservação da Mata do Buraquinho e das palmeiras imperiais da Lagoa.

Lauro Xavier não era só botânico, era sobretudo ambientalista, com vários títulos e artigos publicados. Desta Academia, pelo seu trabalho, ele recebeu a comenda “Ad Immortalitem”, em 1991.
Em seu discurso de posse nesta Casa, onde chega no ano de 1972, Lauro Xavier, a associa, de modo definitivo e inquestionável a si mesmo e Cândido Firmino de Mello Leitão, o patrono da cadeira que ora passava a ocupar, e seu professor na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária do Rio de Janeiro:

“Quero dizer que tudo nesta casa, desde o nome Academia, significa ou simboliza a vida vegetal, pois sua origem vem do Jardim de Akademus” (p. 47).

No discurso de saudação, Osias Nacre Gomes afirma ser Lauro Xavier “feroz amante das árvores, das quais, com aplauso geral, se improvisou em Perpétuo Defensor” (p. 58). Trata-se de uma afirmação que transcende a mera retórica habitual nesses momentos; trata-se de fato inquestionável, devidamente documentado pelo nosso querido Gonzaga Rodrigues, numa crônica intitulada “A Falta que Lauro Faz”. Ali, Gonzaga lembra que Lauro Pires Xavier era professor que “não se limitava à sala de aula, ou melhor, não limitava a sala de aula às paredes de Areia ou do campus central. Exercia o ofício através das colunas que o jornal lhe franqueava. Estava sempre atento.”

Foi assim que a CHESF, diante do combate sem trégua de Lauro Pires Xavier, teve que contornar a Mata do Buraquinho, no momento da ampliação de sua rede de energia, quando o intuito era cortar a mata, “devastá-la pelo meio”, como diz Gonzaga, “para não gastar muito”. Arremata Gonzaga:

“Só a autoridade de Lauro, respaldada de todos os respeitos, demoveria a Saelpa de um general a mudar seus planos. Ele transferiu sua cátedra, sua pregação missionária para os jornais e rádios de então, e quem subir o Rangel, roçando a mata a sua esquerda, ainda pode ver a curva que a rede da Chesf descreveu para não tocar nesse marco que ainda distingue a cidade no cenário urbano mundial”.

Antônio de Souza Sobrinho, o mais recente ocupante

Antônio de Souza Sobrinho, professor, sociólogo, reitor da UFPB, realizou um a um os sonhos de seu tio Antônio de Souza, o “Titonho”, de quem carrega o nome, acrescido do epíteto “Sobrinho”: foi padre, estudou em Roma – Colégio Pio Brasileiro e Universidade Gregoriana –, foi professor e reitor, escreveu livros e entrou para a Academia Paraibana de Letras, ocupando esta Cadeira de número 40, sendo empossado em 1992, onde permaneceu até o ano passado, quando de sua partida para as esferas espirituais.

Professor de casa cheia, Antônio de Souza Sobrinho encantava o seu alunado com os seus conhecimentos de Sociologia e das experiências vividas ao longo do tempo. Perspicaz, via sempre na frente. Para dar exemplo de sua acuidade crítica, citarei uma passagem retirada de seu discurso de posse. Antônio de Souza Sobrinho, de modo sutil, ironiza o ativismo da Igreja Católica, proveniente do próprio Brasil e ganhando eco no exterior, com relação às queimadas da Amazônia. Tendo morado na Itália, ele acompanhou de perto, pelos jornais locais, as queimadas que se faziam na península, chegando à conclusão de que, com relação a seu tamanho, a Itália queimava mais matas do que o Brasil:

“Se você fizer os cálculos, medir o tamanho da Itália e a imensidão da Amazônia, o que eles ainda têm (pouquíssimo) e o que a Amazônia tem de sobra, verá que a Itália acaba queimando mais do que nós. Espero que o Papa leia também o jornal deles; porque os nossos – com nossas dores, erros, desastres, pecados e lágrima – a CNBB sempre se encarregou de traduzir e mandar no primeiro telex (hoje, “fax, diz Sobrinho) matinal” (Revista da Academia Paraibana de Letras, ano XLVI, nº 11, 09/1994, p. 188).

Eu diria que hoje, as notícias são enviadas pelo primeiro twiter matinal...

Em outro momento, Sobrinho critica “a apropriação e manipulação” de nossos recursos naturais, por parte dos estrangeiros, “a título de ‘AJUDA DESINTERESSADA’ (em caixa alta e entre aspas), por países detentores de tecnologia moderna, que vêm ameaçando patentear e lucrar com o monopólio de tal conhecimento” (id., ib., p. 190).

É isto que faz o professor. É esta visão que complementa o homem no professor, não se deixando levar pela razão de uma suposta autoridade.

É óbvio que aqui estou chamando a atenção para a acuidade crítica do professor Antônio de Souza Sobrinho, cujo discurso está longe de autorizar o menoscabo, o desprezo ou a destruição de nosso patrimônio ambiental. Como bom sacerdote que foi e como administrador de uma instituição importante, como a UFPB, ele constatou que é mais fácil observar o argueiro no olho do outro do que a trava no seu próprio olho. Acuidade crítica, repito, que o faz atual, mesmo passados 28 anos. Que o diga, como bem lembrou nosso confrade José Octávio de Arruda Mello, no discurso póstumo ao meu antecessor, a criação do Forum Universitário, no reitorado de Sobrinho, permitindo a discussão de importantes temas brasileiros e mundiais, trazendo à UFPB expressões ilustres da política e da sociedade brasileira, oriundas de vários cantos do país. Um professor, ainda citando José Octávio, a quem ser professor era o único título que lhe bastava.

Ser Professor e a Semeadura do Conhecimento e da Criação

Caríssimas Confreiras, Caríssimos Confrades, Minha Senhoras, Meus Senhores,
Quem são, pois, aqueles com quem tenho a honra de partilhar esta Cadeira de número 40? Dois biólogos, ambientalistas e ecologistas, e um sociólogo, cuja preocupação com o meio-ambiente também era uma de suas missões. Cada um dos meus antecessores nesta Casa, pertenceram antes a uma academia. Academias de ensino regular, como o são as universidades. Todos eram professores e a eles me junto, orgulhoso de minha profissão. Profissão que me moldou para chegar até aqui.

O convite para a minha posse nesta Casa acentua a minha condição de escritor. Sinto-me lisonjeado com esta deferência. No entanto, e meu caríssimo Damião Ramos Cavalcanti, presidente desta entidade não tome como crítica, sinto-me mais à vontade com ser reconhecido como professor. É nesta condição que entro neste sagrado recinto, como professor que sou e que serei, ainda que me aposente. É esta a condição essencial da minha vida, tudo o mais é transitório. Ter escrito alguns livros faz parte dessa condição essencial.

Digamos que o escritor seja uma consequência do trabalho que desenvolvi nos últimos 43 anos e que me concedeu o lastro para ser aceito por aqueles que sufragaram o meu nome, quando da ocasião da eleição para a Cadeira de número 40. Cadeira que passarei a ocupar como muito orgulho e com muita responsabilidade, por vir de um professor que conheci pessoalmente, e de mais outros dois de cuja existência tomei conhecimento.

Entro nesta Casa, sob os auspícios também de dois outros grandes professores, Coriolano de Medeiros, e o seu maior integrante, sem demérito para ninguém, o poeta Augusto dos Anjos.

Foi criança, com 11 anos, em 1968, que, pela primeira vez, entrei em uma Casa fundada por Coriolano de Medeiros, a Escola Industrial Federal da Paraíba, antes Escola industrial Coriolano de Medeiros. Escola que foi uma segunda casa para mim. Hoje, aos 63 anos adentro em outra casa fundada por Coriolano de Medeiros, em 1941; esta veneranda Academia Paraibana de Letras, que, como lembrou a professora Ângela Bezerra de Castro, que há de fazer a minha saudação, abriga 4 egressos da antiga Escola Industrial: o seu fundador, o já citado Coriolano de Medeiros; o seu diretor, Itapuan Botto Targino; uma de suas mais dedicadas professoras, a própria Ângela Bezerra de Castro, e um de seus alunos, no caso eu. Como não me orgulhar de ser professor e de pertencer a esta Academia se, quando olho para trás, vejo o perfil altaneiro dos que aqui chegaram antes de mim? Não é à toa que o verbo respicio, em latim, significa olhar para trás ou olhar de novo. A palavra respeito, respectum, supino desse verbo, significa exatamente isto: olhar para trás e considerar o que lá existe e que há de nos servir de lição.

Quando, há dois meses, fui entrevistado pelo meu querido confrade Abelardo Jurema Filho, levei alguns livros de minha autoria para mostrar-lhe. Um deles era um livro de epigramas, poemas irônicos e satíricos, curtos e incisivos. Na ocasião, Abelardo me perguntou se eu também me considerava um poeta. Respondi-lhe que não. No máximo, era um versejador irônico. Poderia ter dito, se não estivesse premido pelo tempo: a única coisa que me define é ser professor e foi na Escola Industrial que tive a consciência de que não queria ser mais nada a não ser professor.

O segundo professor, sob cuja inspiração ligo-me definitivamente a esta Casa é, como já falei, o poeta Augusto dos Anjos. Augusto é, sem nenhum favor, o maior poeta brasileiro e um dos maiores do mundo, sem desdouro para os demais. Apenas precisa ser mais lido e menos maltratado. Esta casa, que se situa no entorno de onde o poeta morou – “Número centro e três. Rua Direita”, como diz o verso inicial de “Noite de um Visionário” –, deveria ser, por excelência, o lugar de sua veneração. Assim como na pequena cidade de Aix-en-Provence, no sul da França, os passos de Paul Cézanne estão eternizados no bronze fixado nas ruas e calçadas por onde passou, assim deveríamos fazer com o nosso poeta; assim como Cézanne pintou exaustivamente a montanha de Santa Vitória e a eternizou em quadros disputados a peso de ouro pelos marchands e museus, assim a obra do poeta deveria ser avidamente procurada e estudada. Infelizmente, para muitos seus passos estão apagados, ainda que ele tenha morado no entorno desta Academia; sua obra, por outro lado, não se encontra com facilidade nas livrarias. Que livraria francesa não disporá dos livros de Victor Hugo? De que livraria portuguesa Camões estará banido? Como não encontrar Cervantes, na Espanha ou Dante, na Itália?

Tenho, no entanto, a convicção de que poderei, juntamente com os minhas futuras confreiras e futuros confrades, trabalhar para a imortalidade do poeta, não a imortalidade fátua, mas a da sua lembrança perene e sempre renovada, através da leitura e do estudo de seus poemas. É este o sentido maior da Academia, de cuja cadeira número 1 o poeta Augusto dos Anjos é o patrono: lutar para que a Morte exerça um ódio vão contra a Arte, para que os sáxeos prédios não sejam tortos, para que não mais tenham o aspecto de edifícios mortos, para que, enfim, não se decomponham desde os seus alicerces, conforme antevê o poeta em “Os Doentes” (versos 415-418).

A Semente do Tamarindo de Augusto

Todos vós haveis de estar vos perguntando o que faz este vaso com uma singela planta na mesa de cerimônia desta posse. É um tamarindo. Ainda frágil, mas não é um tamarindo qualquer. É um tamarindo que brotou de uma semente de uma vagem colhida embaixo do tamarindo de Augusto dos Anjos, na casa em que o poeta nasceu e morou, e debaixo de cujos galhos, “como uma vela fúnebre de cera”, compôs a beleza jamais inigualada do Eu e os demais poemas. Que a “paleontologia dos carvalhos” aqui remoçada em novo broto cumpra a profecia do poeta. Quando o poeta junta o carvalho de seu sobrenome com o da planta de que o tamarindo é irmã, numa taxonomia cara a Cândido Firmino de Mello Leitão, não se trata de puro jogo de palavras como alguém poderia supor, mas de uma consciência ecológica, que certamente agradaria a Lauro Xavier, e, mais do que isso, a consciência da evolução das espécies. Somos todos – animais, vegetais, seres humanos, a química das rochas – parte de um uno, saídos da “evolução orgânica da argila” (“As Cismas do Destino”, verso 380), que só se divide para compor o mundo, mas que não pode ser ignorada em suas partes. Como pensava Lauro Xavier, agredir o meio ambiente é agredir a nós mesmos. O poeta pensava igual, no respeito que nutria pela natureza e pelos homens.

Trazer uma muda de tamarindo para ser plantada nesta Academia Paraibana de Letras é, para mim, de uma simbologia inefável. Não é só uma árvore a mais que se planta. É a reencarnação do poeta na sua germinação e floração, nos dizendo para como homens não sermos aquela “árvore sem fruto”, de que ele nos fala em “As Cismas do Destino”. Esta Casa tem a missão de plantar e disseminar a cultura, lembrando que o verbo colĕre, de que provém a palavra cultura é, no latim, de origem agrícola, passando logo a seguir a significar todo o tipo de cultivo: do campo, dos deuses, da amizade, do espírito, da intelectualidade. Assim, com este tamarindo, estamos plantando, simbolicamente, a cultura e a humanização, de cujas sementes sairão o nutriente das futuras gerações, que não deixarão morrer o poeta e o que ele representa para nós. A paleontologia dos carvalhos une, portanto, Augusto e o tamarindo, e nós a eles. Com a floração desse novo tamarindo, que deverá crescer nesta Casa, e as ações que deveremos fazer para a sua perpetuidade, cumprir-se-á a profecia do poeta: “Não morrerão, porém, tuas sementes, por que depois da morte ainda teremos filhos”.

Conclusão

Assim, Caríssimas Confreiras, Caríssimos Confrades, Minhas Senhoras, Meus Senhores, não foi a transitoriedade que me pôs aqui – sic tansit gloria mundi, dizia o poeta mantuano, autor da Eneida –, mas a minha condição definitiva, escolha ainda criança, dessa que considero a profissão mais importante de nossas vidas – ser professor. Vivo, sou chamado de professor; tendo partido para as esferas espirituais, tenho certeza de que aqueles que se lembrarem de mim, o farão me chamando de professor, não de escritor, fazendo-me permanente pela memória. Não como “o eco particular do meu Destino” (“As Cismas do Destino”, verso 248), mas com as obras plantadas pelos exemplos colhidos no curso vida e da profissão, “A minha sombra há de ficar aqui!” (“Debaixo do Tamarindo”).

Muito obrigado.


Cristo era socialista. Cristo era comunista. Cristo andava com os pobres. Daqui a pouco vão dizer que Cristo era cristão. Se alguém quer f...



Cristo era socialista. Cristo era comunista. Cristo andava com os pobres. Daqui a pouco vão dizer que Cristo era cristão. Se alguém quer falar do Cristo que fale como deve ser. Cristo foi enviado pelo seu pai, Deus, para a remissão dos pecados daqueles que cressem em Suas palavras, que eram as palavras de Deus. Cristo não pertencia a qualquer seita, partido ou seja lá o que houvesse naquela época. Ele veio em nome de um reino espiritual e não de um reino material. Para quem não entendeu o “meu reino não é deste mundo”, está na hora de entender.

Cristo andava com os pobres? Cristo andava com quem queria andar com ele e seguir os Seus ensinamentos. Entre os que o acompanhavam havia prostituta, adúltera, doente, deficiente, pescador, coletor de impostos, médico e, depois, um doutor das leis, fariseu respeitado no poderoso sinédrio, que se não O acompanhou fisicamente, devido à diferença cronológica, acompanhou-O espiritualmente, trazendo-O consigo no coração, na palavra e ajudando, como nenhum outro, a edificar a Sua Igreja. Igreja imaterial que se erige onde houver duas ou mais pessoas falando em Seu nome.

Cristo não impunha condições de classes para acompanhá-lO, apenas pedia que aquele que quisesse ganhar a vida eterna deveria largar tudo e segui-lO. Muitos não quiseram, pois estavam mais preocupados em seguir o poder dos bens materiais, não dos bens espirituais. Estavam preocupados em construir casas na areia, não nas rochas.

Não havia restrições de classe, na Boa Nova que Ele trouxe ao mundo. Ele veio como o Belo Pastor, belo nas palavras e belo nas ações, que O fizeram ser reconhecido Bom. Veio como o Pastor que se compromete com as Suas ovelhas, que está disposto a dar a vida por elas. Veio para que TODOS, não importa a classe social e a etnia, tenham vida e a tenham mais abundantemente. A única restrição só dependia das ovelhas: de saber reconhecer a voz do Seu Pastor, de não se deixar enganar pelos que tentam invadir o redil, pulando por sobre a proteção. Cristo é o Pastor que entra pela porta da frente, cujo rebanho conhece e é por ele reconhecido.

Se muitos pobres reconheceram de imediato a beleza do Seu Pastor, não esqueçamos que outros tantos foram favoráveis à Sua condenação, sem a qual, diga-se de passagem, a Sua missão não se completaria.

A tentativa que se vê, portanto, de alguém querer enquadrar o Cristo em uma medida que corresponda aos seus anseios políticos materiais não condiz com a Verdade que ele veio semear na Terra. A Verdade do Amor incondicional, mesmo àqueles que O condenaram e O mataram, não apenas aos que O seguiram.



No Espiritismo não existe hierarquia, não há sacerdotes, nem apostolado, nem proselitismo. A religião, filosofia e ciência espíritas parte...



No Espiritismo não existe hierarquia, não há sacerdotes, nem apostolado, nem proselitismo. A religião, filosofia e ciência espíritas partem do princípio de que todos somos iguais, somos imperfeitos e estamos aqui para aprender, na nossa caminhada para a luz. Assim, o Espiritismo é acolhedor, sem perguntar quem é quem, de onde vem ou o que tem. Acolhe, indiscriminadamente todos os que o procuram, não estabelecendo tampouco regras de conduta, tendo em vista que cada é responsável pelo que faz, de bom ou de ruim. A única regra que alguém poderia tomar como exemplo é aquela universal, adotada por várias religiões: Não faça ao outro o que você não quer lhe façam. Além disso, o Espiritismo prega a caridade desinteressada, buscando aliviar a dor dos que sofrem.

Quando digo que há pregação, não estou me referindo a pregadores especiais que precisam da chancela de algum superior. Não há superiores, como já disse, somos todos iguais na nossas imperfeições e qualquer um que estude a doutrina estará habilitada a dar palestras, não a fazer pregações, cujo intuito não é acusar ou proibir a ação do outro, mas despertar o seu semelhante para o respeito e acolhimento fraterno do seu irmão.

Há quem, dentro do Espiritismo, se ache melhor do que outros. Isto é comum em qualquer religião, em qualquer agregado humano. No entanto, quem se acha assim é porque desconhece a doutrina que prega a humildade e autoconsciência, caminhos para a reforma íntima, caminho para a nossa mudança, pois não existem transformações se ela não começa em nós mesmos.

Digo isto, porque tenho visto muita gente cobrar militância política do espírita. A militância política fica para quem tem partido político. Não há partidos políticos no Espiritismo ou pelo menos não deveria haver. Tampouco ninguém que seja espírita deve ser impedido de fazer militância, se achar que deve. Suas ações são sempre responsabilidades suas e de mais ninguém. Apenas digo que um dia de ação real, junto aos que sofrem, que se realiza, por exemplo na Mansão do Caminho, vale mais do que anos de militância e de palavreado estéril.

Não importa quem esteja no poder, ele passará. Já a doutrina espírita continuará imorredoura, como sempre foi.

Já conhecemos um pouco o perfil do monsenhor Myriel Bienvenu, bispo de Digne. Na criação de Victor Hugo, para Os Miseráveis, mais do que u...



Já conhecemos um pouco o perfil do monsenhor Myriel Bienvenu, bispo de Digne. Na criação de Victor Hugo, para Os Miseráveis, mais do que um justo, o monsenhor era um santo, ainda que assim não se considerasse, claro.

Criando duas vacas, na nova morada – o antigo hospital, que já não comportava os doentes da cidade, os quais ele alojou no palácio do bispo, por ter mais espaço do que ele precisava –, monsenhor Myriel destinava metade do leite diário ordenhado para os doentes, com a consciência de que pagava, assim, o seu dízimo – “Je paye mon dîme” (Parte I, Livro I, Capítulo VI).

As atitudes do monsenhor Myriel demonstram claramente como as instituições sociais, religiosas ou leigas, cometem habitualmente erros gritantes, verdadeiros disparates, para atender luxos e comodidades não condizentes com as urgentes questões sociais. O palácio destinado ao bispo é um imenso espaço sem utilidade prática, que não seja o triunfalismo ostentatório da Igreja, enquanto o hospital municipal dispõe de pouco espaço e de parcos recursos. Por outro lado, o dízimo pago pelos fiéis, só revertendo para o lado da magnificência material da Igreja, tem destino semelhante aos impostos pagos pelos cidadãos, mal empregados, de modo contumaz, pelos poderes públicos.

Monsenhor Myriel é um revolucionário não das palavras ocas e fáceis, mas da ação transformadora, pacífica, silenciosa, sem alarde, sem gritos e sem holofotes, invertendo uma lógica cuja irracionalidade não é fácil de perceber, porque óbvia: renuncia ao palácio do bispo e ainda paga o dízimo aos pobres, recebendo a todos, sem distinção, sem discriminação, sem querer saber o nome ou a origem. Ele parte do princípio de que se alguém o procura é porque necessita de auxílio. A vida do monsenhor Myriel é um retrato fictício, é bem verdade, mas não deixa de ser plausível, pois é a vida de quem vive o Evangelho e não apenas o prega, tomando como base dois lemas (Parte I, Livro I, Capítulo VI):

“La porte du médecin ne doit jamais être fermée; la porte du prêtre doit être toujours ouverte.”
(A porta do médico não deve nunca estar fechada; a porta do padre deve sempre estar aberta.)

Ne demandez pas son nom à qui vous demande un gîte. C’est surtout celui-là que son nom embarrasse qui a besoin d’asile.”
(Não perguntem o nome a quem lhes pede um abrigo. É sobretudo aquele, cujo nome é motivo de embaraço, que tem necessidade de asilo.)

O monsenhor Myriel Bienvenu, bem-vindo como o seu sobrenome insinua, sendo um digno bispo de Digne, numa onomástica perfeita usada por Victor Hugo, dá lições práticas aos poderes públicos e à Igreja de como se deve tratar com dignidade os necessitados, tornando-os bem-vindos ao seio de Deus e da sociedade, sem distinções e, sobretudo, sem propaganda.

Pela voz do Monsenhor Myriel Bienvenu, Bispo de Digne e personagem de Os Miseráveis, o escritor Victor Hugo mostra um pouco da sua faceta ...


Pela voz do Monsenhor Myriel Bienvenu, Bispo de Digne e personagem de Os Miseráveis, o escritor Victor Hugo mostra um pouco da sua faceta espiritualista e, diria eu, espírita, pois muitas são as passagens dentro desse monumental romance que apontam para esta convicção. Eis um dos exemplos do pensamento inquestionável desse caráter do romancista e poeta, em tradução nossa:

Revi, esta semana, o musical baseado em Os Miseráveis. Dessa segunda vez me pareceu melhor. Não estou dizendo que é um filme ruim, muito p...



Revi, esta semana, o musical baseado em Os Miseráveis. Dessa segunda vez me pareceu melhor. Não estou dizendo que é um filme ruim, muito pelo contrário, trata-se de uma produção excelente, do ponto de vista do visual, do elenco e, sobretudo, do tratamento dado àquilo que é o cerne do romance de Victor Hugo: a injustiça, que se divide em cega observância e cumprimento da lei, cuja encarnação é o inspetor Javert, e em acumulação de riquezas, que fecha os olhos aos desvalidos e necessitados, ajudando a criar uma sociedade de submundo. O filme dirigido por Tom Hooper (UK/USA, 2012) é, portanto, uma obra a não ser esquecida.

O problema, me parece, está no gênero escolhido – musical – e no elenco, apesar de contar com estrelas bem conhecidas. Senti como muito artificial (artificial já é, per se) as falas transformadas em músicas, muitas delas difíceis de se identificar como uma melodia palatável. Ao lado disso, vemos que em determinados momentos soa, mais do que artificial, ridículo, ver Hugh Jakman e Russel Crowe tentando cantar. Por mais que eu tivesse boa vontade, não me furto de dizer que, em alguns momentos, fiquei com vergonha das interpretações. Assim como não consigo descolar Jean Valjean da figura de Gérard Depardieu, na excelente série da televisão francesa, de 2000, que depois virou filme, com seis horas de duração – para mim, a melhor versão do romance no cinema –, também não consigo apartar as figuras de Hackman e Crowell de Wolverine e do gladiador Maximus. O pecado na série da televisão francesa é John Malkovich interpretando Javert. Malkovich sempre interpreta a si mesmo. O melhor Javert, para mim, é Geoffrey Rush (EUA, 1998). Javert é duro, inflexível, só enxerga a lei. Não há nada para além na face da terra, além da lei. Victor Hugo deixa isto bem claro, no romance. Mas Javert não é sem emoções ou expressividade. Embora seja contido. No caso, de Crowell, como intérprete de Javert, temos um inspetor agressivo, em lugar de um homem de cálculo, um Javert que parte para uma disputa corporal com Jean Valjean, em lugar de deixar o trabalho sujo para seus subordinados, impondo-se pela sua estatura moral, embora equivocada e doentia.

No tocante ao personagem Thénardier, o problema é mais grave. Quem interpreta um dos maiores vilões e um dos seres mais vis e abjetos da literatura é Sacha Baron Cohen. Não preciso dizer mais nada... O diretor apostou na faceta menos importante de Thénardier, que é o histrionismo, interpretação muito fácil para Sacha Baron Cohen. A natureza de Thénardier é a de um homem sem humanidade, sem piedade, um monstro que explora as crianças dos outros, como fez com Cosette, e explora e abandona os seus filhos à própria sorte, cujo resultado é a morte dos ainda jovem Gavroche e Éponine, e o desaparecimento dos dois menores de 5 anos... O histrionismo do ator, que eu diria canastrice, esconde quem é, na realidade, Thénardier, cujo caráter se complementa, quando migra para a América e se tornar traficante de escravos.

Outra coisa que achei grave no musical é o fato de que, muito dificilmente, as pessoas que não conhecem o romance, entenderão o que realmente ali se passa. Há muitas lacunas, uma das principais causas é a transformação do diálogo em cenas cantadas. O cantar toma muito tempo; os diálogos são muito mais ágeis, além de soltar mais a intepretação dos atores. Apesar das 2 horas e 38 minutos do filme, as lacunas são enormes, que poderiam ser minimizadas se não fosse um musical. Só para dar um exemplo, de modo a não me alongar, um dos episódios mais tensos do romance, a fuga de Jean Valjean pelos esgotos, levando consigo Marius gravemente ferido, é transformado em uma cena rápida e pífia.

Plasticamente, no entanto, vejo como um dos melhores cenários, este do musical. E já que estamos falando de beleza, fico inconformado com as belas Cosettes – Virginie Ledoyen, na série francesa, e Amanda Seyfried, no musical – contracenando com o narigudo Enrico Lo Verso e o bocudo Eddie Redmayne, respectivamente. Cosette tendo sofrido muito nas mãos dos Thérnadier, mereceria um par mais bonito.


No período que antecede a alvorada do dia 06 de junho de 1832, Enjolras, um dos estudantes que integra a Sociedade Amigos do ABC, faz um d...



No período que antecede a alvorada do dia 06 de junho de 1832, Enjolras, um dos estudantes que integra a Sociedade Amigos do ABC, faz um discurso emocionado e vigoroso, para os revoltosos que decidiram enfrentar as forças monárquicas, tendo como bastião a barricada da rua de Chanvrerie (extinta em 1838, com a abertura da rua Rambuteau), que começava na rua Saint-Denis e terminava na rua Mondétour, no quarteirão dos Halles.

Enjolras, para Hugo, representava, com relação aos demais amigos, “a lógica da revolução”, “Antínoos furioso”, por sua beleza, juventude e virilidade (Os Miseráveis, Parte III, Livro IV, Capítulo I). O seu discurso, antes da carga das forças constitucionais, é uma despedida exaltando as virtudes da república e encarnando os seus princípios fundamentais: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Nada menos republicano do que a luta mesquinha pelo poder para eternização no poder; nada mais digno do ideal da RES PUBLICA do que a consciência do que se pode e deve fazer para se conseguir a síntese das soberanias representadas pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade, numa Sociedade (Le point de d’intersection de toutes ces souverainetés qui s’agrègent s’appelle Société. – O ponto de interseção de todas estas soberanias que se agregam se chama Sociedade).

E como se constrói essa Sociedade? Vejamos os pressupostos de Enjolras. Sendo a Liberdade a soberania do homem sobre si mesmo; a Igualdade, a identidade de concessão para formar o direito comum, que cada um faz a todos; a Fraternidade, a proteção de todos a cada um, assim se faz a Sociedade. O básico, porém, é a Igualdade, que tem um órgão: a instrução gratuita e obrigatória. Óbvio, não? Mas os que se engalfinham pelo poder, para se manterem no poder, detestam essa obviedade, pois ela os retira do poder para concedê-lo a quem é seu verdadeiro dono – a população.
Diz Hugo:

“O direito ao alfabeto. É por aí que é preciso começar. A escola primária imposta a todos, a escola secundária oferecida a todos (hoje, se fosse vivo, ele manteria o “imposta”...), é aí que reside a lei. Da escola idêntica sai a sociedade igual. Sim, ensino! Luz! Luz! Tudo vem da luz e para ela retorna” (Parte V, Livro I, Capítulo V).

Hugo via o século XIX como grande, mas acredita a felicidade estar no século XX, com a educação universal, quando não teríamos mais a temer a fome, a exploração, a prostituição, a miséria, o cadafalso, a espada e as batalhas... Para que isto possa acontecer, as revoluções são necessárias, mas a revolução que traga como resultado a civilização (“Révolution, mais civilisation”, Parte III, Livro IV, capítulo I), como pensava Combeferre, o filósofo da Sociedade dos Amigos do ABC.

Visionário, Hugo legou a receita de uma sociedade humana. Não contava ele que a mesquinhez política não pensa na humanidade, mas na individualidade e no egoísmo. Não teve o desprazer de ver as gerações futuras apoiando ditaduras e corrupções de um lado e de outro, se xingando mutuamente e defendendo, de maneira incondicional, os que manipulam o povo, para a sua satisfação pessoal e para seus projetos espúrios de política abjeta.Tolos, que se assemelham às zebras, antílopes, símios e gnus comemorando o nascimento do pequeno leão Simba, que um dia será seu predador.

Antes de comentar a segunda lição de compreensão do texto literário, via Os Miseráveis, gostaria de me dirigir aos meus alunos de clássica...



Antes de comentar a segunda lição de compreensão do texto literário, via Os Miseráveis, gostaria de me dirigir aos meus alunos de clássicas e a todos que estudam ou desejam estudar latim, para dizer que podemos aprender as nuances dessa língua com Victor Hugo. Senão, vejamos.

Na parte III de Os Miseráveis – Marius –, Victor Hugo começa a traçar o perfil da Sociedade dos Amigos do ABC, jovens estudantes universitários, inflamados com a ideia de revolução e de república, numa França que, em 1815, após o desastre de Waterloo, voltou a ser monarquia e se encontrava sob o poder de Charles X, penúltimo rei de França.

Façamos um parêntesis para explicar que a sigla ABC não representa aqui só as três primeiras letras do alfabeto, numa alusão ao fato de que nenhuma sociedade pode querer ser justa sem educação. Para Enjolras, o futuro está nas mãos do professor – “l’avenir est dans la main du maître d’école”. L’ABC, na sonoridade da língua francesa, é também “L’Abaissé”, o rebaixado, o povo, que deveria ser a primeira preocupação de um estado republicano. Nem sempre é...

O primeiro perfil é o de Enjolras, depois vem o de Combeferre, feito a partir do paralelo com o jovem anterior. Ambos revolucionários, mas com meios diferentes de entender como atingir os ideais libertários e republicanos (vale a pena conferir o perfil completo, para nos darmos conta do tamanho desse escritor). Em um dado momento, Hugo sai-se com esta verdadeira pérola de sutileza, dando uma aula de latim, de modo a mostrar que a oposição entre eles é questão de nuance:

“S’il eût été donné à ces deux jeunes hommes d’arriver jusqu’à l’histoire, l’un eût été le juste, l’autre le sage. Enjolras était plus viril, Combeferre était plus humain. Homo et Vir, c’était bien là en effet leur nuance” (Parte III, Marius; Livre IV, Les Amis de L’ABC; Capítulo I, Un Groupe que a Failli Devenir Historique).

“Se tivesse sido dado a estes dois jovens chegar à história, um teria sido o justo; o outro, o sábio. Enjolras era mais viril, Combeferre era mais humano. Homo et Vir, aí estava, com efeito, sua nuance”.

Uma das dificuldades no ensino de qualquer língua é estabelecer diferenças sutis entre termos que parecem ter sentidos iguais. No caso do latim, a diferença entre HOMO e VIR consiste em que o primeiro é genérico, designando o SER HUMANO, por mais que de HOMO, HOMĬNIS tenha vindo via acusativo (hominem), a palavra HOMEM, que designa, em português, tanto o genérico, quanto o específico. Já o segundo termo VIR, no latim só expressa o homem do sexo masculino, cuja tradução pode ser homem viril, macho, amante, herói, não podendo ser empregado no sentido de ser humano. Em suma, todo VIR é HOMO, mas nem todo HOMO é VIR.

De modo hábil, Victor Hugo nos ministra uma lição para não mais esquecer, não importa se o leitor é ou não latinista.

Ouvi de uma pessoa de pouca escolaridade, mas de uma humanidade e espiritualidade como só encontro em pouquíssimas pessoas, que o professor...


Ouvi de uma pessoa de pouca escolaridade, mas de uma humanidade e espiritualidade como só encontro em pouquíssimas pessoas, que o professor deveria ganhar “muito, muito, muito, muito, muito bem, porque tudo passa pelo professor”. Concordei com ela, mas fiz a ressalva de que todos deveriam ganhar o suficiente para ter uma vida digna.

Sem saber, essa pessoa estava citando Victor Hugo, em Os Miseráveis: “Les deux premiers fonctionnaires de l’état, c’est la nourrice et le maître d’école” (Parte I, Fantine, Livro 5 La Descente, capítulo II, Madeleine).

Numa tradução mais livre, a frase em português seria: Os dois primeiros funcionários do estado são a merendeira e o professor.

Cabe ressaltar o seguinte: Victor Hugo não fica apenas na ficção, quando se posiciona em favor da educação como fator primordial do progresso. A sua frase, de um romance de 1862, foi garimpada na célebre frase de Danton, durante a Assembleia Legislativa, de 02 de setembro de 1792, nos dias que antecederam a instauração da primeira república francesa. Ela se encontra insculpida na base da estátua daquele revolucionário, em pleno boulevard Saint-Germain, em Paris – “Depois do pão, a educação é a primeira necessidade do povo.”

A frase de Os Miseráveis é a ressonância do discurso de Hugo, em 1848, na Assembleia Constituinte, que deveria levar a França à sua segunda república, após a fuga do último rei de França, Louis-Phillipe.

Rejeitando ser Ministro da Instrução Pública, cargo para o qual o convidou o poeta e amigo Lamartine, Hugo se elege deputado por Paris. Ele acreditava que assim faria muito mais do que sendo ministro. É como surge o importante discurso do poeta e romancista “Questões para o encorajamento das letras e das artes”, em novembro de 1848, denunciando e reprovando uma redução no orçamento que ameaçava as letras, as artes e as ciências, de que eu retiro, entre outras memoráveis (“a economia seria pequena, a destruição seria grande”), a seguinte frase:

“Il faudrait faire pénétrer de toutes parts la lumière dans l’esprit du peuple; car c’est par les ténèbres qu’on le perd.”

“Seria necessário fazer penetrar de todos os lugares a luz no espírito do povo, pois é pelas trevas que o perdemos”.

A França ouviu a luta de Hugo e se esmerou durante décadas para dar uma educação universal. No Brasil, se os pouco letrados têm consciência da importância crucial da educação, alguns muito letrados ignoram-na olimpicamente e nossos legisladores se restringem a discursos vazios de ação. Continuaremos na nossa indigência cultural, cujo reflexo pavoroso é a indigência social, enquanto nos faltarem os Hugos que sejam, interessados, realmente, em política, no sentido platônico do termo, e não em politicagem.

Para Platão, sintetizando, a Justiça é procurar fazer um bem que pode ser revertido em favor da comunidade, em favor de todos, o que signif...


Para Platão, sintetizando, a Justiça é procurar fazer um bem que pode ser revertido em favor da comunidade, em favor de todos, o que significa abrir mãos de interesses individuais. Nesse aspecto, é melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la.

Através da alegoria, o mito ajuda o lógos a demonstrar o sentido do que é a Justiça, Justiça que está em nós mesmos, nas escolhas que faze-mos e, sobretudo, na responsabilidade que assumimos, com relação aos nossos atos.

Não há como procurar a Justiça fora de nós, pois ela não é algo abstrato nem se encontra no outro. Nós somos, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dela. Como só atingimos a Justiça com a prática diária da Justiça, a partir da escolha primordial dos nossos atos, nós somos o sujeito responsável pela sua existência.

Precisamos buscar a Justiça sempre, exista ou não fiscalização sobre nós. Não se deve fazer a Justiça por medo da lei ou só quando estamos sendo observados. A Justiça deve ser praticada, sobretudo, quando não estamos sendo vigiados.

Enfim, os caminhos para encontrarmos a Justiça são: fugir da intemperança e das paixões que nos escravizam e nos tornam injustos por intermédio do difícil caminho da busca da luz do conhecimento, que deve ser difundido mesmo enfrentando outras dificuldades e assumir que as escolhas são responsabilidades nossas, sem imputar culpas a ninguém.

É difícil? Sim, por isto mesmo Platão afirmou: Khalepà tà Kalá – As coisas belas são difíceis! (Livro IV, 435c)

(excertos do ensaio "As coisas belas são difíceis" - 2015 - https://bit.ly/2MvO4V2)

Preso e condenado à prisão perpétua, Jean Valjean chega a Toulon, a bordo do navio Orion, para cumprir a sua pena. Este é um dos momentos d...


Preso e condenado à prisão perpétua, Jean Valjean chega a Toulon, a bordo do navio Orion, para cumprir a sua pena. Este é um dos momentos dramáticos de Os Miseráveis, quando tudo parece fracassar na vida do personagem, que prosperara e fizera fortuna como o empresário M. Madeleine.

Victor Hugo, no entanto, faz uma das digressões didáticas, muito comuns nos seus romances, para explicar com ironia, como o dinheiro do erário vira literalmente fumaça, sendo gasto com pompas e circunstâncias inúteis, enquanto o povo passa fome.

Na chegada do Orion ao porto de Toulon, o navio é saudado com onze tiros de canhão, aos quais responde, um a um. São vinte e dois tiros, ao total, portanto. Hugo faz uma conta rápida e chega à conclusão de que o dito mundo civilizado gasta, por dia, com tais formalidades vãs, 150.000 tiros de canhão inúteis. Ao preço de seis francos, atualizaremos para seis euros, gasta-se a fortuna de 900.000 euros por dia e a bagatela de 300 milhões por ano, em, literalmente, fumaça. Complementa Hugo: "Ceci n'est qu'un détail. Pendant ce temps-là les pauvres meurent de faim". ("Isso é apenas um detalhe, durante o qual os pobres passam fome”)

Salamaleques não nos faltam, além dos desvios proverbiais, por onde se esvai nosso dinheiro. Mas os novos tiros de canhões que fazem nosso dinheiro virar fumaça são a imoralidade do fundo partidário, devidamente apoiado por políticos que se dizem de esquerda e do lado do povo. Como disse Hugo, é apenas um detalhe; enquanto isso, os pobres morrem de fome.

E o criminoso, coitado, é Jean Valjean. Por causa de um pedaço de pão, que não logrou levar para matar a fome dos sobrinhos.

Vivam Victor Hugo e esta obra memorável, sempre à cabeceira.


João Pinto é calado. Olhos sempre abertos e perscrutadores, olhando para você como se quisesse ver na sua alma. Magro, mas sem o raquitismo...


João Pinto é calado. Olhos sempre abertos e perscrutadores, olhando para você como se quisesse ver na sua alma. Magro, mas sem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral; pele acobreada, parece saído de um rabisco das grutas da Serra da Capivara. Tenso, cada músculo seu reflete o conflito de quem está sempre examinando mundo.

Piauiense de nascimento, trocou a faixa estreita de sua terra pela largueza dos rios e florestas da Amazônia. Ali, fez-se caboclo, imiscuindo-se entre pirarucus e igarapés, descobrindo a imensidão das águas e o portento das sumaúmas; ali, escolheu uma das iaras de Manicoré, para perpetuar o gene resistente.

Fala pouco. A boca é um risco. De suas mãos e dedos longos, no entanto, correm poemas e histórias, tão sedutoras e profundas quanto a blandícia do boto tucuxi.

Companheiro das Letras, vivemos um desafio poético nos difíceis anos 70, para depois reencontrá-lo no mundo amazônico, onde abraçou e pelejou a boa peleja na sofrida e deliciosa profissão de professor.

Simbiótico, suas águas amigas não rejeitam outras águas, misturando a sua fala mansa e precisa, e seu afeto contido, mas imenso, a qualquer que lhe saiba compreender os segredos e mistérios da criação que pululam em sua mente.

Rodapé à epígrafe: " Passei a vida atrás de novidade. E quem faz isso, subverte a fala que fala a mesma coisa. Cria o riso que alguém já sorriu, ou a morte que alguém já matou. É por isso, minha senhora, o que eu quero te dizer seja aquilo que nunca te disse. Só assim te puxo para dentro da minha gaiola" (João Pinto)


Cronista de variados matizes, arraigado naturalmente ao literário, Gonzaga Rodrigues tem olhos que descortinam realidades. De sua pena e d...



Cronista de variados matizes, arraigado naturalmente ao literário, Gonzaga Rodrigues tem olhos que descortinam realidades. De sua pena e de sua visão privilegiada criam-se cenas irretocáveis, quando fixadas na crônica do jornal. Capaz de transformar, como ato de criar, um olhar sobre a cidade, um comentário que parece en passant sobre um amigo vivo ou morto, uma crítica sobre política ou o que seria um mero documento sobre um fato ou lugar, na perenidade incontornável do poético.

Homem do povo, ser da cidade, trazendo no sangue a terra grávida do Brejo paraibano e na alma o senso de justiça em prol dos desvalidos, Gonzaga é o manso enérgico. Manso quando se propõe a ouvir quem fala, sendo sempre bom ouvinte; enérgico, quando defende suas causas, sem nunca ser o chato doutrinador. Quando se põe a contar “causos”, é um narrador impagável, pois guarda como um dos segredos de sua longevidade o bom humor.

A cabeleira farta, a tez acobreada, boa altura, ombros largos e o perfil característico do indígena, Gonzaga é para mim o Gregory Peck de Alagoa Nova. Não foi fazer sucesso no cinema, mas na imprensa paraibana, que reinventou; sucesso que guarda humildemente para si, mas que é do conhecimento de todos. Doutor honoris causa, diz-se um mero leitor a quem, machadianamente, tudo falta. Sua escrita, no entanto, mostra que o cronista é pleno e as lacunas, na realidade, estão nós.

Mesmo tendo passado dos 80, Gonzaga jamais será multado. Como multar uma amizade que conquistei na maturidade. Não é, Mago?