As duas linhas de ferro paralelas serpenteiam os mais diversos cenários. Máquinas pesadas na construção e leves na poesia seguem equilibrad...

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As duas linhas de ferro paralelas serpenteiam os mais diversos cenários. Máquinas pesadas na construção e leves na poesia seguem equilibradas na estrada férrea que parece se estender indefinidamente. Os monstros de pés de aço cavalgam pelo real e imaginário, expelem fumaça pela cabeça, feito bule com o café quentinho.

Estavam bem velhinhos, ela já doente, ele lhe fazendo companhia. Tudo que tinham eram as lembranças dos velhos tempos, que pareciam cada ve...

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Estavam bem velhinhos, ela já doente, ele lhe fazendo companhia. Tudo que tinham eram as lembranças dos velhos tempos, que pareciam cada vez mais indistintas. Como não tinham tido filhos, encheram a vida com passeios, viagens e uma rotina silenciosa. Pareciam se entender sobre quase tudo e sentiam pouca necessidade de falar um com o outro.

Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Esse recorde da bela canção do compositor Gonzaguinha, Sementes do Amanhã, remete-nos ao cultivo ...

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Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Esse recorde da bela canção do compositor Gonzaguinha, Sementes do Amanhã, remete-nos ao cultivo da fé na vida, fé no ser humano e no porvir. Mas, o que significa ter Fé? A Palavra Fé no original hebraico, Emunah é um termo usado no cotidiano do povo Yehudi (judeu), para designar fidelidade, confiança, honestidade, constância, firmeza, dentre outros.

Ao chamar uma sinfonia inteira de "Poema Divino" o autor demonstra a que veio. E, logo no início, os graves metais já lançam a id...

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Ao chamar uma sinfonia inteira de "Poema Divino" o autor demonstra a que veio. E, logo no início, os graves metais já lançam a ideia de Divindade que o formidável moscovita desenhou em toda a sua obra, numa encarnação de apenas 43 anos. Assim, Alexander Scriabin classificou a 3ª de suas 5 sinfonias. À quarta e à quinta também deu títulos de poemas sinfônicos. “O Poema do Êxtase” e “Prometheu: O Poema do Fogo”.

Imprimir a ideia poética em obras sinfônicas foi comum a outros compositores clássicos. Em Scriabin, porém, é notória a influência do lado místico, aprofundado por seus conhecimentos teosóficos.


Na 3ª sinfonia, há uma peculiar “Introdução” que dura apenas um minuto. O bastante para expor a célula mater que expressará a “voz de Deus”, presente em todo o Poema. A seguir, o 1º movimento se inicia com brincadeira alegre e dançante rodopiando pelas cordas, contrapondo-se ao tom solene da abertura.

O caráter jocoso se desenrola até aparecerem os primeiros sinais de romantismo, esboçado em clamores insinuantes das cordas, na intenção de acolher a paixão como sentimento igualmente divino. Em seguida, o som dos metais volta a imprimir seriedade ao assunto, logo amaciado pelo novo tema que surge ritmado, concluindo o andamento com lirismo comovente.

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Na parte seguinte (minuto 4º), surge um trecho ao sabor de “baile”, arrematado com o retorno da grave introdução, que esmaece conectando-se com a alegre brincadeira do início, agora enriquecida de outros naipes. Aos poucos, ouvem-se sinais que prenunciam a tragédia como parte da Existência.

De súbito, o desabrochar de flores, borboletas e outras miudezas bucólicas da manhã surgem delicadamente em estrofes que voltam a revelar a personalidade divina, intensa, sob a qual se estabelece o significado do Poema. Entremeado das nuances já descritas, o movimento se desenvolve, fazendo-as desfilar em vários planos e registros permitindo as ideias se abraçarem amigavelmente com notável unidade harmônica. Alternando ritmos em períodos curtos e mais extensos, vem nova alusão ao “baile” já citado.

Assim consolida-se a bem lapidada diversidade de frases que adornam a ideia do Divino, entre aparições da Voz anunciada pelos metais no tema da introdução. Estas citações se reelaboram num colorido encantador, trocando de roupagem sonora em trechos que se dão as mãos como na “dança” de Matisse.

E o fim do primeiro movimento já se anuncia em clima crepuscular, mesclado às sensações iniciais, renovando-se com a delicadeza das flautas e flautins que assobiam como passarinhos voejando por copas verdejantes. O epílogo deste movimento é muito bem marcado por ritmo galopante de fragmentos temáticos com toda a orquestra, concluídos com a mesma Voz solene dos trompetes que abrem a peça, que logo se evapora aveludada pelas harpas a concluir a parte que Scriabin intitulou como “Lutas trágicas e misteriosas”.

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No segundo movimento, uma verdadeira prece é declamada. Confissões, introspecções, reflexões, íntimas e externas, emolduradas pela ternura do instante, são debulhadas até o êxtase central em que a angústia existencial das dúvidas, incertezas e sortilégios deblateram em crescente explosão preparada pelas harpas. O conjunto vai se fundindo aos arpejos que soam como filetes luminosos de conexão com os anjos. Há, porém, lampejos de resignação perante o destino, com olhar para as branduras da Fé. E a alma volta ao corpo confiante dos benefícios auferidos, fortalecida pela consolidação temática que se ampara em novas aparições da Voz.
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Esta “voz” tem uma elevada significância em toda a obra, mas se evidencia com mais ênfase no último movimento, que começa bucólico e dançante, e logo se exibe nos trompetes. Ela soa durante todo o Poema, mas agora é frequente e expressa nitidamente na pequena frase composta por “um sol e três mis bemóis”. É a célular mater que, como foi dito, simbolizaria a voz de Deus e diz claramente: “Confie em mim!” (sol - mi♭- mi♭ - mi♭).

A concepção desta parte final é burilada nos mesmos moldes de toda sinfonia. Riqueza de cores, timbres, ritmos, cavalgadas, bailes, gorjeios primaveris, tudo recitado em temas e subtemas que, embora diversificados, se estruturam em uma admirável atmosfera poética, única e coesa na firme intenção: retratar a sublimidade do Divino.

Nos três últimos minutos, a extraordinária composição assume grandiosidade espetacular. Concentra maciçamente a essência da linguagem pretendida ao juntar todas as forças da expressão musical na triunfal e extasiante exposição do tema conclusivo.

Unindo-se à introdução, a Voz clama, antes do último acorde, e se eterniza divinamente: “Confie em mim!”


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música

O oitão da casa no sítio Tambor está preparado. A poeira assentada. A gambiarra de luzes amarelas dá as cores à noite. A Charanga dos Batis...

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O oitão da casa no sítio Tambor está preparado. A poeira assentada. A gambiarra de luzes amarelas dá as cores à noite. A Charanga dos Batistas dá os toques. Tudo está nos conformes. Aqueles homens vestidos com camisa xadrez do mesmo tecido e chapéu, acompanhados de mulheres da família com vestidos em igual cor. O ritmo é o coco! Lá dentro, já tem galinha cheirando. O fogão de lenha de Tia Judite estala forte a lenha seca. Uma panela de barro com um porco bem gordo não poderia faltar, já que Judite, a anfitriã da festa, adora.

Leonardo da Vinci iniciou sua vida como pintor em Veneza tornando-se aprendiz no ateliê de Verrocchio o ajudando a concluir “ O Batismo de...


Leonardo da Vinci iniciou sua vida como pintor em Veneza tornando-se aprendiz no ateliê de Verrocchio o ajudando a concluir “ O Batismo de Cristo”, recebendo posteriormente a encomenda de “A Adoração dos Magos”, tornando-se um pintor de moderado sucesso. Mudou-se para Milão aos 30 anos, devido à dificuldade de vender seus quadros.

Na carta que escreveu ao futuro duque de Milão Ludovico Sforza procurando emprego, citou em dez parágrafos que poderia trabalhar como engenheiro, com habilidade de projetar pontes, canais, canhões, veículos blindados, edifícios públicos e experto capaz de conduzir as águas de um lugar para outro. No último parágrafo mencionou que também era artista e pintor.

​Passou os últimos dois anos de sua vida em Amboise, na França, a convite do rei Francisco I, que era muito culto e considerava Leonardo pelos seus inúmeros dons, além de admirá-lo pelas suas imensas qualidades, sendo uma delas a de filósofo. Por isso o convidou para transferir-se para a França doando-lhe uma renda confortável para que não dependesse de suas pinturas. Concedeu também a seu uso um solar de tijolos vermelhos, ornamentado com arenito e curiosas torres pontiagudas que ficava ao lado do castelo do rei, no vilarejo de Amboise, localizado no vale do Loire. Levou consigo para sua nova casa seus móveis, baús cheios de roupas, manuscritos, além de pelo menos três pinturas que obsessivamente as aperfeiçoava: A Virgem e o Menino com Santa Ana, São João Batista e a Mona Lisa.

A casa de Leonardo era conhecida originalmente como Château de Cloux, hoje chamado de Clos Lucé, construída em um terreno de cerca de 1,5 hectare de jardins e vinhedos, ligado por um túnel subterrâneo ao Château d’Amboise, o palácio real, distando apenas 450 metros desse castelo. Essa sua última residência em Amboise, foi transformada no museu Leonardo da Vinci e faz parte do roteiro turístico no Vale do Loire onde estão localizados os mais belos castelos da França. Vale a pena visitá-lo.


O problema de enchentes provocadas pelos três rios que desembocam na Lagoa de Veneza pensava-se havia sido resolvido há mais de 300 anos.

Grandes obras desviaram e aprofundaram os leitos dos rios movimentando um volume de terra equivalente ao das escavações que abriram o Canal do Panamá, embora a força do mar continue ainda indomada, fazendo estragos. Há muitos anos a cidade de Veneza está cada vez mais sendo alagada pelas forças dessas águas que continua a ser ainda o maior desafio para barrar os alagamentos das suas ruas.

A cidade, conhecida como “La Sereníssima” sempre se equilibrou, precariamente, entre as forças dessas correntes de água que a cercam, além de enfrentar o próprio afundamento, decorrente da movimentação da placa Adriática. A industrialização desordenada ao seu redor, o turismo predatório das últimas décadas, o assoreamento do solo lagunar e o aquecimento global, que elevam o nível do mar pioraram o quadro, aumentando a frequência de inundações.

​A maré mais alta já registrada na cidade de Veneza foi de 1,94 metro, em 1996. Em novembro de 2019, o centro histórico registrou quatro marés superiores a 1,4 metro, acontecimento inédito em toda história da cidade. A maior delas, durante a lua cheia do dia 12 de novembro desse mesmo ano, atingiu a altura de 1,87 metro. Foi a segunda maior enchente da história. Alguém, de estatura mediana, que caminhasse pela belíssima Praça San Marco enfrentaria água acima de sua cabeça.

​O ciclo lunar exerce forte influência nas marés do Mar Adriático além dos eventos meteorológicos, destacando-se tempestade e ventos, principalmente o vento de siroco. Esse vento é uma corrente de ar quente proveniente do deserto de Saara que cruza o Mediterrâneo atingindo com violência o sul da Itália e, em certas ocasiões, chega até à Costa Azul e à Riviera Francesa. Em 1951, um filme estrelado por Humphrey Bogart e Lee J. Cobb recebeu o nome de Sirocco, em português legendado como Vento do Deserto.

O 77º Festival Internacional de Cinema que será realizado em Veneza no começo deste mês de setembro, não será afetado, devido ao fato desta época não ser propícia a marés altas nem a problemas com inundações. Infelizmente, devido à pandemia do coronavírus, o público será restrito e não será permitida a entrada de estrangeiros ao evento. O mais antigo festival de cinema do mundo, que geralmente credencia mais de 2.000 jornalistas, será reduzido devido à pandemia do Covid 19, de modo que as exibições serão agendadas para um público limitado de críticos e com poucos convidados estrangeiros.

​Somente a partir de 1973 foi aprovada uma lei especial transferindo para o governo italiano a responsabilidade da solução do problema de Veneza. Depois de uma concorrência internacional sem vencedores, somente em 1980 foi nomeada uma comissão para definir um projeto, aprovado dois anos depois. Originou-se então o projeto MOSE (Modulo Sperimentale Elettromeccanico), evocando Moisés que controlou as águas do Mar Vermelho, segundo a Bíblia. É um sistema de barragens móveis, com 79 módulos de aço, presos no fundo do mar. Quando submersos, serão levantados com marés acima de 1,1 metro. Seria a maior obra pública já realizada na Itália e esperava-se que ficasse pronta em 1995.


​A obra destinada a proteger o centro histórico da cidade de Veneza contra inundações foi iniciada em 2003 depois de 30 anos de estudos, com previsão de custo correspondente a 6,5 bilhões de euros. As comportas estão localizadas nos três acessos da Lagoa ao Adriático e poderão resistir a inundações com marés de até três metros de altura. Em 2019, as comportas da Bocca de Malamocco, o principal dos três acessos, já haviam sido testadas com sucesso. A ideia é que o MOSE entre em funcionamento em caráter experimental em dezembro de 2021, mas apenas em situações de emergência.

Se Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da humanidade, vivesse nos dias atuais, quem sabe, esse problema já haveria sido resolvido há muito tempo.


Sérgio Rolim Mendonça é Engenheiro Sanitarista e Ambiental

Tangeu os bois da pastagem e o leite virou água nas torneiras Rio de sua Casa Comercial. O outro rio da Fazenda seguiu cortando camin...

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Tangeu os bois da pastagem
e o leite virou água
nas torneiras Rio
de sua Casa Comercial.
O outro rio da Fazenda
seguiu cortando caminhos
com Fama
Tramontina Pial
marcas sem céu.

Nunca pensei muito nele. Muito menos em fazer planos a distância. O tempo sempre me pareceu tão longe, mas tão longe, que minha imaginação ...

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Nunca pensei muito nele. Muito menos em fazer planos a distância. O tempo sempre me pareceu tão longe, mas tão longe, que minha imaginação não alcançava. Vivi sempre o dia a dia. No máximo enxergando o fim de semana próximo, o Natal próximo, meu próximo aniversário.

Com atraso involuntário de alguns anos, eu alço voo na releitura de “Cesário Alvim 27”, livro de reminiscências de Abelardo Jurema Filho. ...

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Com atraso involuntário de alguns anos, eu alço voo na releitura de “Cesário Alvim 27”, livro de reminiscências de Abelardo Jurema Filho.

Mantenho esse livro guardado em espaço de minha biblioteca, reservado aos autores paraibanos, dele me apropriando quando preciso de uma referência sincera sobre a ditadura militar de quem viveu as amarguras de uma época, que desejamos nunca mais reviver.

Viveu cabalísticos sessenta e dois anos: francês que chacoalhou a vida musical de seu país, Hector Berlioz nasceu no início do século XIX....


Viveu cabalísticos sessenta e dois anos: francês que chacoalhou a vida musical de seu país, Hector Berlioz nasceu no início do século XIX. Lembrando-me aqui de meu admirado professor Didier Jean Georges Guigue que, durante a graduação, apresentou-me seu conterrâneo de forma mais íntima e esmiuçada do que dele já conhecera até então. Um pesquisador do timbre, das instrumentações, seu livro sobre orquestração – tempos depois, revisado e ampliado por Richard Strauss, que com sua obra, muito aprendeu – é marco original até hoje.

Corria o ano de 509 a. C., Roma tinha em seu comando o rei Tarquínio , o Soberbo, que se apoderou à força do poder e instaurou a primeira m...

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Corria o ano de 509 a. C., Roma tinha em seu comando o rei Tarquínio, o Soberbo, que se apoderou à força do poder e instaurou a primeira monarquia hereditária da cidade. Seu filho, Sexto Tarquínio, queimando de desejos, estupra Lucrécia, mulher de seu primo Lúcio Tarquínio Colatino, dentro do recinto sagrado do altar doméstico da jovem. Sentindo-se desonrada e maculada, Lucrécia confessa ao pai e ao marido o estupro e se suicida. Esse ato ignóbil perpetrado por Sexto leva à expulsão dos Tarquínio de Roma e, com eles, da monarquia.

Foi no século passado. Meu pai se vestindo para sair ao trabalho na loja de tecidos. Naquele tempo, anos cinquenta, os vendedores de balcão...

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Foi no século passado. Meu pai se vestindo para sair ao trabalho na loja de tecidos. Naquele tempo, anos cinquenta, os vendedores de balcão no comércio ainda raso da Rua Beaurepaire Rohan e adjacências se punham em traje formal. Era costume adotado. Demorava-se no quarto, engalanava-se para a freguesia razoável. Os shoppings não existiam e o passeio pela área comercial era preferido por muitos que iam gastar a tarde naquelas ruas pacatas, sem riscos maiores de assaltos, mesmo os de pequena monta.

Nas décadas de 1960 e 1970 a cena se repetiu em auditórios, teatros e até em respeitáveis salas de concerto, em cerca de quarenta países de...

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Nas décadas de 1960 e 1970 a cena se repetiu em auditórios, teatros e até em respeitáveis salas de concerto, em cerca de quarenta países de quatro continentes. Na primeira parte do espetáculo, um duo de violões se apresentava em trajes compostos, compatíveis com a música que era tocada: peças de Rimsky-Korsakov, Manuel de Falla, valsas e fantasias de Chopin. Na outra parte do concerto, os mesmos instrumentistas voltavam ao palco vestidos com roupas coloridas, adornados com cocares e penas indígenas.

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Tocavam, então, músicas do melhor cancioneiro popular internacional como "Begin the Beguine", "Moonlight Serenade", "La Mer", "Over the Rainbow" e "I'm Getting Sentimental Over You".

O exotismo da apresentação causava impacto inesquecível nos espectadores. Mas o duo não impressionava os ouvintes apenas pelo aspecto inusitado e exótico. Em 1970, depois de um recital realizado na Alice Tully Hall, em Nova York, um crítico de música do jornal The New York Times escreveu:


“Their adaption for two guitars of such piano or violin pieces as Chopin’s ‘Tristesse’, ‘Hora Stacatto’ and ‘Liebestraum’ gave these overly familiar pieces new colors that made them seem remarkably fresh”.

“A adaptação feita pelos Índios Tabajaras para dois violões de peças escritas para piano ou violino, como 'Tristesse', de Chopin, 'Hora Stacatto' e 'Liebestraum', deu novas cores a essas famosas canções, que as fizeram parecer incrivelmente atuais”.
(livre tradução do ALCR)


Um crítico musical canadense, após assistir uma perfomance dos músicos, elogiou a qualidade das transcrições para dois violões, que foram feitas do "Noturno Op. 9, nº 2" de Chopin e de "La Ronde Des Lutins", composta originalmente para violino pelo italiano Antonio Bazzini.

A dupla de violonistas radicara-se, nos primeiros anos da década de 1960, nos Estados Unidos, onde era admirada por importantes artistas norte-americanos, como Chet Atkins, renomado violonista, e Don Gibson, autor do hit "I Can’t Stop Lovin’You", interpretado por Ray Charles. Os músicos gravaram álbuns com o duo. Na época, os discos dos dois instrumentistas eram muito tocados nas rádios,
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ao ponto de influenciarem um jovem músico mexicano que iniciava sua carreira e que depois se tornaria o conhecido guitarrista Carlos Santana.

"Mas, afinal que dupla de músicos era essa?", perguntaria um impaciente leitor. O duo de violões era formado por dois irmãos brasileiros, nascidos na primeira metade do século passado em uma isolada aldeia de índios da etnia Tabajara, localizada na serra do Ibiapaba, em uma região fronteiriça entre o Ceará e o Piauí. Dessa origem dos componentes vinha o nome com que eles próprios se batizaram: Índios Tabajaras. Dois depoimentos, prestados por um dos componentes da dupla, permitem que se conheça a saga desses índios, que saíram dos grotões do Nordeste brasileiro para se apresentar nos palcos de todo o mundo. Um dos testemunhos foi dado em 1981 ao jornalista Edwin McDowell, do The New York Times. O outro, em 2004, a Luís Nassif, então colunista da Folha de São Paulo.

Na entrevista a Nassif, Natalício Lima, que era o solista da dupla, narra que o seu primeiro contato com o som de um instrumento musical ocorreu quando, acompanhado de dois irmãos, encontrou um violão abandonado embaixo de uma ingazeira, em local próximo à aldeia onde viviam. Relata ele:


“Metemos a mão, fez aquele som, levamos um susto. Levamos para a tribo. O violão causou transtorno na tribo. Havia outro som que escutávamos às seis da tarde, e não sabíamos o que era. Nós, pequenos, pensávamos que era o violão. Era o sino de cidade a uns 60 quilômetros dali, o sino de Ibiapina”.


Por volta de 1929, uma tropa de militares do exército, chefiada pelo tenente Hidelbrando Moreira Lima, passou pela aldeia que se encontra atualmente localizada em terras do município cearense de Ubajara. Natalício diz que, naquela ocasião, foi a primeira vez que viu homens brancos e negros, acrescentando:

“Era muita gente e mudou nossa história [...] A tropa de militares foi para lá esperar uma tropa que vinha do Piauí [...] Passaram por lá vinte dias. Fizemos amizade”.

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Um capelão do exército batizou muitos índios. Antes do batismo cristão, Natalício chamava-se Muçaperê e o seu irmão, parceiro na dupla, que tinha o nome Herundy, passou a ser Antenor Lima. Natalício também recorda:

“quando os soldados se foram começamos a sentir saudades do café, bolacha redonda de meio palmo e carne seca [...] meu pai disse: nós vamos procurar nossos amigos [...] era difícil porque eles tinham carro, canhões com rodas, e depois da chuva grande, com a terra ainda molhada, deixaram sulco e nós seguimos”.

Usando roupas que haviam sido descartadas pelos soldados, pai, mãe e catorze filhos, partiram em viagem. Por cerca de três anos, caminharam pelos sertões, veredas e estradas. Durante o percurso, conforme depõe Natalício, “algumas vezes cantávamos com aquele violão que havíamos encontrado [...] vimos violonista tocar e passávamos o dia inteiro escutando”. Ao chegarem ao Rio de Janeiro, em 1937, foram registrados com o sobrenome Moreira Lima, que era o do militar de quem tinham ficado amigos. Começaram a tocar na rua:

“a música nos entrou muito forte [...] não aprendi a ler mas, aprendi a tocar melhor violão [...] nos jogavam algum dinheiro e a gente ia vivendo bem, mas dava muita vergonha porque éramos grandes, já”.

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Em 1945, foram fazer um teste para tocar em uma rádio: “a gente não dizia que era índio, porque as pessoas tinham medo”. Conseguiram um contrato com a ajuda de um diretor da rádio: “Aí contamos que nós éramos Tabajara. Aí ele disse que ia anunciar a gente como índios Tabajara. E o povo gostou”.

Passaram a tocar em circos, clubes e teatros modestos. Em meados dos anos 1950, começaram a excursionar, fazendo muito sucesso por toda a América Latina. Resolveram ir para o México. Lá, assistindo ao filme "A Song to Remember" (À Noite Sonhamos, uma película biográfica romanceada de Chopin, de 1945) tiveram o primeiro contato com a música erudita:

“Quando chegamos ao México, escutei música clássica e me apaixonei [...] Depois daquele filme me apaixonei e comecei a tocar de ouvido, mas imitando aquele som [...] Depois que escutei aquele negócio do Chopin, no outro dia sai para comprar música, Um ano no México estudando dia e noite sozinho, sem professor, e aprendi a ler música. E examinei todas as músicas de Chopin”.


Contratados pela então poderosa gravadora RCA Victor, foram para os Estados Unidos. Mesclavam o repertório com músicas clássicas e populares. Entre as peças clássicas que gravaram estava a "Valsa em Dó Sustenido Menor", de Chopin. Sobre a música, assim se refere Natalício:

“nossa gravação mais famosa [...] ninguém toca aquela valsa e o ‘Voo do Besouro’ que nem nós”.

O nível de habilidade que Natalício atingiu como músico permitiu que ele fizesse alterações na própria construção dos instrumentos que tocava. Para possibilitar a execução de transcrições, para um duo de violões, de peças clássicas compostas originalmente para piano ou violino, ele modificou a sexta corda do seu violão e alterou o número de trastes do instrumento, aumentando-o dos convencionais 19 para 26 trastes.

Na segunda semana de novembro de 1963, uma canção executada pelos Índios Tabajaras chegava aos primeiros lugares do ranking das mais tocadas e vendidas, publicado pela revista norteamericana Billboard.
Era a regravação de um antigo sucesso da orquestra de Jimmy Dorsey, o fox mexicano "Maria Elena", que suplantava, na lista da revista, músicas de Elvis Presley, Roy Orbison e até "Be my Baby", o envolvente hit de Phil Spector para o grupo vocal The Ronettes. A regravação de "Maria Elena", feita pelo duo brasileiro, vendeu mais de um milhão e meio de discos somente nos Estados Unidos.

A importância dos Índios Tabajaras como instrumentistas é ressaltada pelo jornalista Luís Nassif, que também é músico:


ambiente de leitura carlos romero flavio ramalho de brito indios tabajara natalicio nato lima antenor musica erudita violao duo chopin nostalgia“Há uma técnica refinada, um estilo de tocar vigoroso, próprio da escola de João Pernambuco e Dilermando Reis - com todo respeito pelo mestre, aliás, diria que Natalício superou Dilermando [...] foram, intérpretes de um patamar superior, ombreando-se com os maiores violonistas brasileiros de todos os tempos. Suas interpretações de ‘Valsa Criola’, do venezuelano Antonio Lauro, e de ‘Valsa em Dó Sustenido Menor, de Chopin, mereciam ser ouvidas por todos os jovens violonistas cultivadores da rapidez suja. ‘Moonlight Serenade’ fica à altura das melhores interpretações do grande Oscar Aleman, que se especializou nela”.


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Os Índios Tabajaras construíram um extenso acervo de gravações. Fizeram 48 dos antigos discos LPs, sendo que a maior parte deles está disponível para venda, por todo o mundo, em lojas e sites especializados em música. As plataformas streaming, como o Spotify, disponibilizam para audição mais de 40 álbuns deles. Com a impressionante trajetória de vida que tiveram e pelo reconhecimento musical que conseguiram alcançar, expresso por grandes instrumentistas mundiais, torna-se incompreensível o silêncio e o esquecimento que envolvem, no Brasil, os nomes desses dois grandes músicos nacionais, saídos como retirantes dos mais profundos rincões nordestinos, sem nenhuma cultura formal, mas que conseguiram se firmar entre os maiores músicos do mundo. Antenor Moreira Lima faleceu em 1997 e Natalício (Nato) Lima, como era conhecido nos Estados Unidos, morreu em Nova York, em 2009.



Flávio Ramalho de Brito é engenheiro e articulista

Bom humor Sorriso que brota dos olhos E brinca nos lábios. Palavra fluida e leve. Margaridas que se aquecem ao sol, Manhã de verão, ...

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Bom humor


Sorriso que brota dos olhos
E brinca nos lábios.
Palavra fluida e leve.
Margaridas que se aquecem ao sol,
Manhã de verão,
Mas também cabe o friozinho do inverno,
Acompanhado de um vinho bom.
Se tiver de partir, não seja adeus e sim até breve.
Dependendo do olhar, tudo pode ser perfeito,
Viver pode ser uma grande aventura,
O céu será sempre bonito, independente da cor.
É preciso apenas esperança no peito
Criatividade no pensar
E uma dose de bom humor.

A matéria da jornalista Lucilene Meireles sobre a professora Adélia de França, publicada em A União deste domingo, 30 de agosto de 2020, al...

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A matéria da jornalista Lucilene Meireles sobre a professora Adélia de França, publicada em A União deste domingo, 30 de agosto de 2020, além de oportuna, como resgate de uma grande profissional do ensino na Paraíba, serviu para fazer-me voltar no tempo e lembrar-me de quando, adolescente, fui seu aluno na casa da Rua Almeida Barreto, no Centro, para sempre associada, por mim, à imagem inesquecível da mestra.

Homens, animais e plantas. Que a vida cotidiana seja plena e feliz, para todos os seres desta nossa Terra! Como protetora independente, d...

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Homens, animais e plantas. Que a vida cotidiana seja plena e feliz, para todos os seres desta nossa Terra!

Como protetora independente, durante toda minha vida, só vejo AMOR nos olhos dos animais.

Está no ar um novo episódio do ALCR-TV. A presente edição se divide em três partes: Atualidades do mundo cultural; comentários sobre textos...

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Está no ar um novo episódio do ALCR-TV. A presente edição se divide em três partes: Atualidades do mundo cultural; comentários sobre textos publicados; e a participação de leitores no Ambiente de Leitura Carlos Romero. Não deixem de assistir até o final.

Onde se esconde o poema? Seria na inspiração do poeta concentrado ou no homem distraído, sofrido ou desesperado?

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Onde se esconde o poema?


Seria na inspiração
do poeta concentrado
ou no homem distraído,
sofrido ou desesperado?

Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David Diniz. Por isso foi com encantamento que vi sair, anos atrás, o belo livro com...

ambiente de leitura carlos romero waldemar jose solha fotografia antonio david diniz 30 anos de fotojornalismo homenagem

Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David Diniz. Por isso foi com encantamento que vi sair, anos atrás, o belo livro com seu nome seguido do subtítulo “30 anos de fotojornalismo”, numa caprichada edição da UFPB.

Quando pensamos que a porta está definitivamente fechada, alguém sopra com força a janela e nos escancara um novo mundo, cheio de paisagens...

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Quando pensamos que a porta está definitivamente fechada, alguém sopra com força a janela e nos escancara um novo mundo, cheio de paisagens desconhecidas, deslumbrantes. Aí, o instinto de proteção dá um sonoro aviso de alerta, que surdamente ignoramos.

Mesmo que as certezas nos resguardem de sofrer, nos peçam cautela e atenção, mesmo assim, nosso ímpeto de buscar o desconhecido prevalece e deixamos o destino tecer suas tramas e nos enredar em histórias e sonhos.

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Foi assim comigo. Quando revejo o passado, assusto-me com a impetuosidade que vivi, as maneiras que o destino manipulou meus passos, as múltiplas vezes que tive que derrubar casas e reconstruí-las novamente em outro lugar, em outra vizinhança. A vida acabou me ensinando que as situações idealizadas são frágeis e que é melhor aceitar os vários recomeços, os vários tropeços com valentia, com coragem e sem lamentos.

Os caminhos podem ser conhecidos e certos, mas a força do que nos rege, acrescenta pedras a serem afastadas, montanhas a serem subidas, descidas íngremes que diminuem o ritmo de nossos passos e nos presenteiam ao final, com lindas paisagens, ipês-amarelos no meio de um pasto todo verde, brisa morna com cheiro de mato.

Nestes últimos meses, aprendi muito sobre a imprevisibilidade. Todas as prioridades, os planos, as passagens para viagens agendadas, tudo estagnou de repente para que eu preservasse a vida. Fiquei só, por longos cento e quatorze dias.

Tive a oportunidade de colocar em prática a palavra “solitude” que, segundo o dicionário Michaelis, é uma palavra poética, diferente da solidão que expressa a dor de estar sozinho, a solitude expressa a glória de estar sozinho. É a solitude que nos oferece a oportunidade de apreciar o silêncio, o tempo e principalmente, a beleza. A solitude me abriu um mundo mais íntimo, mais rico de conhecimento, mais perceptivo sobre o que vale a pena investir e principalmente, do que vale a pena desejar.

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Celebro esse tempo comigo mesma, cheia de gratidão. Continuo acreditando que o imprevisível, seja lá chamado de destino, acaso, fatalidade, tem verdades que não somos capazes de entender. É aceitar, realinhar o rumo e seguir a vida.


Cristina Lugão Porcaro é bacharela em artes plásticas, psico-pedagoga e escritora