Com atraso involuntário de alguns anos, eu alço voo na releitura de “Cesário Alvim 27”, livro de reminiscências de Abelardo Jurema Filho. ...

O menino de Abelardo

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Com atraso involuntário de alguns anos, eu alço voo na releitura de “Cesário Alvim 27”, livro de reminiscências de Abelardo Jurema Filho.

Mantenho esse livro guardado em espaço de minha biblioteca, reservado aos autores paraibanos, dele me apropriando quando preciso de uma referência sincera sobre a ditadura militar de quem viveu as amarguras de uma época, que desejamos nunca mais reviver.

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Abelardo Jurema
Numa crônica recente, Abelardinho recordou o tempo quando iniciava como “foca” na redação do jornal “O Norte”, lugar onde afetuosamente era acolhido pelo corpo de redatores, destacando-se Luiz Augusto Crispim que pela proximidade com seu pai, o chamava de “o menino de Abelardo”, quando este adentrava no ambiente. Lendo sua crônica publicada no Jornal “A União”, lembro-me de quando ele, ainda jovem, era reconhecido como uma promessa no colunismo social da Paraíba.

O filho é o espelho em que reflete o pai. O pai é o artesão a construir esse espelho dia após dia, a cada gesto que vai além de um abraço e de um “Deus te abençoe”. “Um filho não é qualquer um mortal”, escreveu Abelardo, pai, num artigo de 1983, publicado em “O Norte”, constante no livro que agora examino numa leitura de saudades. Isso bastaria para fecundar sentimento de afetividade que emociona e revigora o relacionamento paterno.

Conheci Abelardinho no retorno dele ao jornal “O Norte” como colunista social, revestido de admiração, e eu, chegando como “copiador” de telegramas, ainda com os resquícios dos rebocos da vida no Brejo, visíveis nos trejeitos. Como meu expediente era noturno, nos encontrávamos quando ele passava na redação para a derradeira olhada na sua página “Status”.

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Abelardo Jurema Filho
Sem nunca perdê-lo de vista, enquanto ambos atuávamos em jornais diferentes, no decorrer dessas quatro décadas. Em outros momentos, estivemos juntos na convivência de redações, como também em eventos do Encontro de Casais com Cristo, sempre refinando minha admiração pelo “menino de Abelardo”, a quem se referia Crispim.

Desde quando lançou há dez anos, o livro contendo “história do filho de um exilado”, em alguns momentos retorno as suas páginas para recordar algum fato narrado por quem viveu na pele tudo que não gostaríamos que se repetisse. As memórias de um exilado escrita pelo filho, ganha conotações que ultrapassam os limites da dor, mas são refrigérios para a alma.

Abelardinho fez um relato recheado em detalhes, sem choramingo ou rancor. Deixa para os leitores de agora e das futuras gerações, a sua avaliação sobre as aflições que a família passou durante um período de opressão, ainda vivo em nossa memória.

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O livro é recheado de reminiscências sobre a história da sua família, recomposta por fragmentos indispensáveis para se conhecer as dores da separação e a vida em terras estranhas, por isso é fundamental tê-lo nas bibliotecas paraibanas para repetidos manuseios.

O título do livro “Cesário Alvim 27” é uma referência à rua onde a família Jurema morava no Rio de Janeiro. Nesta obra literária, Abelardo se propôs transcrever as memórias do pai que, exilado, nunca perdeu as esperanças de um dia voltar a viver num país varrido pela atrocidade praticada em nome do Estado.

Ele tirou dos arquivos pessoais certos acontecimentos envolvendo um político de reconhecimento nacional e ex-ministro da Justiça, que é seu pai, fatos esses, os quais narrados em livros como documento passam a constar na história das perseguições políticas. Um livro para se ler com redobrada atenção.


José Nunes é poeta, escritor e membro do IHGP

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