Nos próximos dias, o governo do Estado vai inaugurar o Museu da História da Paraíba, o outro nome pelo qual o Palácio da Redenção passará a ser também chamado. A decisão de reformar e adaptar o velho Palácio do Governo para as suas novas funções foi uma das iniciativas mais importantes tomadas nos últimos anos para a preservação do patrimônio histórico do Estado. O local, que nos primeiros tempos da presença dos europeus na
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Paraíba foi ocupado pelos padres jesuítas, se confunde com a própria história paraibana.
Os padres da Ordem religiosa fundada pelo espanhol Inácio de Loyola participaram das expedições de conquista das terras da Paraíba aos Potiguara e um deles escreveu o relato mais valioso sobre aquela jornada, o relatório Sumário das armadas que se fizeram, e guerras que se deram na conquista do rio Paraíba. Para o padre e historiador português Serafim Leite, autor da História da Companhia de Jesus no Brasil, “os padres que acompanhavam a expedição, diziam missa diária, administravam os sacramentos, intervinham nas pazes, por saberem a língua dos índios que animavam; e nas ocasiões de perigo iam à frente, com um crucifixo alçado”.
Com a finalização, em janeiro de 1586, da construção do Forte do Varadouro, que foi o marco inicial para o início de uma povoação e da ocupação das várzeas próximas com os primeiros canaviais, os jesuítas começaram a catequese dos indígenas em uma aldeia dos Tabajara, cujo chefe era Braço-de-peixe (Piragibe), localizada em um lugar que ficou com o nome de ilha do Bispo. Os padres, que missionavam em dupla, moravam na própria aldeia onde faziam o trabalho de converter
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os índios à fé cristã. Em 1589, os franciscanos chegavam à Paraíba para atuar em outras aldeias dos Tabajara e, a partir daí, começaram conflitos entre as duas ordens religiosas sobre a maneira do relacionamento dos indígenas com os colonos.
Durante o governo de Frutuoso Barbosa (1588-1591), os jesuítas fizeram a sua primeira edificação na sede da Capitania da Paraíba, uma pequena igreja que, cinquenta anos depois, foi descrita pelo holandês Elias Herckmans como “uma egrejinha, ou para melhor dizer, uma simples capella com a denominação de S. Gonçalo”. Por trás da igreja, saía uma vereda (mais ou menos no traçado da atual rua da República) que ia para a aldeia de Braço-de-peixe. Os padres jesuítas anotaram em um relatório que entre os anos de 1590 e 1591 viviam na aldeia cerca de 1.100 índios, dos quais 150 haviam sido batizados naquele período. A igreja de São Gonçalo, que foi um dos primeiros templos religiosos erguidos na Paraíba, após várias reconstruções, passou, em 1829, para a Confraria dos Militares com o nome de Igreja da Conceição e, em 1929, foi demolida por determinação do presidente João Pessoa. Curiosamente, no local da antiga igreja de São Gonçalo, atualmente um anexo do Palácio da Redenção, está a cripta onde estão depositados os restos mortais do governante que mandou derrubar a igreja.
A igreja de S. Gonçalo, localizada entre os edifícios do Convento Jesuíta e do Colégio dos Jesuítas, foi demolida em 1929, na gestão de João Pessoa, então presidente do Estado da Paraíba. No espaço antes ocupado pelo templo foi instalado o Mausoléu de João Pessoa, com os restos mortais do político. ▪ Fonte: MemóriaJP/UFPB + Wikimedia
Com o passar do tempo, os desentendimentos entre jesuítas e franciscanos se agravaram e, em 1593, uma ordem real determinou a expulsão da Paraíba dos padres da Companhia de Jesus. Nos sete anos (1586-1593) em que os padres jesuítas permaneceram na Paraíba eles não construíram na Cidade de Nossa Senhora das Neves nenhuma Residência nem nenhum Convento, conforme alguns chegam a afirmar. Em um rigoroso estudo sobre a presença dos inacianos em terras paraibanas o meu saudoso amigo e mestre Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, um dos mais respeitados pesquisadores da nossa história colonial, demonstrou com argumentos imbatíveis que a única construção
Igreja de S. Gonçalo, demolida em 1929. ▪ Fonte Jampa das Antigas
feita pelos jesuítas, no século 16, na cidade que estava começando, foi a Igreja de São Gonçalo.
Demoraria cerca de noventa anos para que os jesuítas conseguissem autorização do rei de Portugal, por solicitação dos moradores da Capitania, para voltar à Paraíba. É aí que vai começar a história do convento que virou palácio e que agora é um museu. No seu retorno à Capitania da Paraíba, os jesuítas, inicialmente, reconstruíram a Igreja de São Gonçalo e, em seguida, começaram a construção de um casarão para servir de convento, localizado no lado sul da igreja e onde terminava o caminho que vinha de Pernambuco que, se continuasse sendo percorrido em linha reta no sentido norte, se chegaria ao convento dos franciscanos (o trajeto da antiga rua Direita, hoje Duque de Caxias). Depois da construção do convento, os padres inacianos passaram a edificar, no lado norte da Igreja de São Gonçalo, um prédio para servir de seminário (para internos) e colégio (com aulas de Latim, Filosofia e Humanidades), no local onde funcionou a Faculdade de Direito da UFPB e que limita-se, atualmente, com a rua que tem o nome de Gabriel Malagrida, o padre jesuíta que foi um dos mentores do Colégio de São Gonçalo da Companhia de Jesus.
Conjuto arquitetônico formado pelo Palácio do Governo (antigo Convento dos Jesuítas), a igreja da Conceição e o Lyceu Paraibano (antigo Colégio de São Gonçalo da Companhia de Jesus, onde posteriormente funcionou a Faculdade de Direito), com as fachadas principais voltadas para o Jardim Público (atual praça João Pessoa). ▪ Final do Século XIX ▪ Fonte: Walfredo Rodriguez
Em 1759, uma decisão tomada pelo Marquês de Pombal, o poderoso secretário do rei português D. José I, expulsou a Companhia de Jesus não só da Paraíba, mas de Portugal e de todas as suas colônias. Os padres jesuítas da Paraíba foram presos e, reunidos com os de Olinda e do Recife, enviados para Lisboa. Em 1773, um alvará régio autorizou o governador da Capitania a ocupar o convento dos jesuítas e, no mesmo ano, o Papa Clemente XIV regularizou a situação do imóvel transferindo-o para a Fazenda Pública. O conjunto arquitetônico (convento, igreja e colégio) construído e deixado pelos jesuítas na Paraíba tinha à sua frente uma área sem construções, onde hoje está a praça João Pessoa (antes foi o Jardim Público e depois a Praça Comendador Felizardo), e que era chamada, na época, Largo ou Pátio do Colégio. Frei Agostinho de Santa Maria descreveu a edificação dos jesuítas em obra publicada na primeira metade do século 18:
“magnifico convento, que mede 328 palmos de frente sobre quase outros tantos de fundo, com bella egreja no centro, onde os altos relevos do cornijamento e frontespicio chamam a attenção pelo gosto e bem acabado da obra. O edificio está colocado no melhor local da cidade, voltado para leste e para um grande terreiro, que compraram aos donos do sólo para terem um edifício desopprimido e ventilado”.
O coreto (demolido) e as palmeiras do Jardim Público (atual Praça João Pessoa), vistos da torre do Colégio Jesuíta, em cartão postal do início do século XX. ▪ Fonte: Arte Empório
Em 1810, o inglês Henry Koster passou pela Paraíba e, cinco anos depois, registrou no seu livro Travels in Brazil que “o Convento dos Jesuítas é utilizado como palácio do Governador e o Ouvidor tem aí também sua repartição e residência. A igreja do convento fica ao centro e tem duas alas”. Em uma das salas do antigo convento, no dia 16 de março de 1817, na esteira de um movimento revolucionário, uma junta assumiu o governo e instalou a República na Paraíba, editando vários decretos, dentre eles um que mandava retirar do território paraibano a bandeira e as insígnias de Portugal. A insurreição teve vida breve, tendo cinco dos seus líderes enforcados e vários revoltosos presos. Um dos supliciados na repressão ao movimento, José Peregrino de Carvalho, de 19 anos, foi homenageado em uma tela, pintada em 1917 por Antônio Parreiras (1860-1937), que está exposta no principal salão do Palácio da Redenção.
A Revolução de 1817: José Peregrino recusa o pedido de seu pai, Augusto Xavier de Carvalho, de abandonar a causa republicana. ▪ Pintura de Antônio Parreiras (1860-1937), incorporada ao acervo do Palácio da Redenção, Paraiba. ▪ Fonte: Wikimedia
Com a separação do Brasil de Portugal, o antigo convento dos padres jesuítas continuou sendo a sede do governo, não mais da Capitania, mas da Província da Paraíba. Em 1841, a situação do prédio deveria ser de dar lástima, a se deduzir pelo que escreveu Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, o futuro barão de Quaraim, ao assumir a Presidência da Província: “um casebre indecente e tão velho, que estou vendo o momento em que me cai em cima e de toda a família [...] não tem mobília [...] não há preparada uma sala para cortejo, nem um retrato capaz de S. Majestade o Imperador. Só posso assegurar que nesse particular nunca vi casa tão ordinária e tão desmontada”.
Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire-Rohan (1812—1894), presidente da Província da Paraíba de 9.12.1857 a 4.06.1859. ▪ Fonte: Wikimedia
O antigo convento, que passou a ser chamado de Palácio da Presidência da Província, continuou sofrendo várias reformas que, ao que tudo indica, não resolveram a situação do imóvel, que necessitou de uma intervenção mais radical que foi executada por Henrique de Beaurepaire-Rohan e que ele relatou, em 1859, ao deixar o governo da Paraíba:
“Importantes melhoramentos acabo de executar neste edifício. Os repartimentos terreos, a excepção dos da frente, que estão a maior parte occupados pelo correio geral, estavão de tal sorte immundos, que não só erão inhabitaveis, como também contribuião para entreter a insalubridade do palácio [...] Na parte em que se achava d’antes a secretaria, e onde não entrava nem ar nem luz, mandei abrir quatro janellas [...] No pateo interior mandei construir uma cisterna [...] o pateo foi todo ladrilhado [...] Infelizmente este edifício, construção dos jesuítas, já é velho, o madeiramento do telhado tem se abatido, e d’ahi resulta que é mui sujeito a goteiras. Não tem sido possível remediar completamente este inconveniente”.
Três meses depois que Beaurepaire Rohan deixou o governo, chegava à Paraíba a notícia de que o imperador Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina visitariam a Província naquele mesmo ano. O Palácio da Presidência,
Pedro II
Teresa Cristina
O imperador visitou a Paraíba em dezembro de 1859. ▪ Pinturas de Edouard Vienot, 1868 ▪ Museu Imperial de Petrópolis
apesar dos melhoramentos que haviam sido feitos por Beaurepaire Rohan, não estava em condições de receber visitas tão ilustres, foi o que informou o presidente Ambrósio Leitão da Cunha ao ministro da Fazenda em um pedido de recursos para tentar minimizar a situação:
“Havendo-me V. Exa. determinado que fizesse decorar o Palácio da Presidência, onde deve residir SS.MM.II enquanto aqui estiverem, vi logo que não existe no Palácio cousa alguma que pudesse ser aproveitado convenientemente para o serviço de SS.MM, no estado em que se achava. A mobília toda da casa e o serviço de mesa eram tão ordinários ou deficientes que forçosamente deviam ser substituídos ou aumentados, Além disso, as salas e quartos ou não tinham papel nas paredes e esteiras no chão, ou as tinham completamente estragados. Nestes termos, resolvi o caso de modo conveniente a receber Sua Majestade não com luxo, mas ao menos com a necessária decência, o que não pude conseguir apesar da mais restrita economia que empreguei para haver a mobília e objetos de decoração, sem que as respectivas contas se elevassem a 6:797$920”.
Com a deposição do imperador Pedro II e a instituição do regime republicano no país, o velho prédio do Palácio da Presidência da Província da Paraíba passou a ter um novo nome de Palácio da Presidência do Estado da Paraíba, mas continuou com os seus velhos problemas. É o que relatou, em 1906, o presidente do Estado monsenhor Walfredo Leal: “É um edifício que necessita de muito serviço, por seu estado de ruínas. Seria conveniente, si admitisse a situação financeira,
Magistrado e professor João Pereira de Castro Pinto, presidente do Estado da Paraíba no período de 22.10.1912 a 24.07.1915. ▪ Fonte: Wikimedia
que se construísse um novo Palacio, ficando o actual para accomodação da Assembléa Legislativa, que presentemente não tem prédio próprio”. Os anos passaram e, em 1913, a administração inovadora de Castro Pinto resolveu fazer uma intervenção no prédio do Palácio do Governo, conforme as palavras do próprio presidente do Estado:
“Está-se reconstruindo o Palacio do governo; o material estragado que dessas obras se retirou, patenteou aos olhos do transeunte a incuria de se ter exposto, naquellas ruinarias mal equilibradas, aos mais imminentes perigos centenas e centenas de cavalheiros e famílias que alli se agglomeravam em dias de cerimonia e festividade official. O vigamento achava-se apodrecido, com as extremidades completamente cerceadas nos principaes compartimentos, onde, naquellas ocasiões, se reuniam os convidados. A falta absoluta de asseio, a ausência de qualquer elemento de esthetica, todos os signaes de aphatia e descaso, muito contribuíram para se fazer do nosso Estado uma idéa muito pouco lisongeira, visitando-se o grande pardieiro em que funcionava o Palacio do Governo”.
Fachadas do Palácio do Governo (antigo Convento dos Jesuítas) e da igreja da Conceição. ▪ Final do Século XIX ▪ Fonte: Walfredo Rodriguez
Em 1928, João Pessoa assumiu o governo da Paraíba. No dia da sua posse e após as solenidades, o novo presidente do Estado percorreu todas as dependências do palácio acompanhado de José Avila Lins, ex-prefeito da Capital, que narrou o episódio em artigo para o jornal A União:
Engenheiro José Avila Lins (1894—1978), prefeito da capital paraibana entre outubro de 1928 e outubro de 1930. ▪ Fonte: FamilySrch
“Sahimos ambos de compartimento em compartimento visitando uma por uma todas as dependencias da séde presidencial. Em todos os cantos ele descobria um defeito de construção [...] Aquelle antigo convento de religiosos o impressionou profundamente [...] Ao chegarmos á cosinha e á dispensa que eram dois cubículos horríveis, sendo que nesta existiam ainda dois armadores de rêde, elle não se conteve e dentro de sua casaca muito alinhada estacou e me disse: - “está vendo o sr. o que é o nosso palácio?”. Isto não pode continuar e eu hei de reformal-o assim que possa”.
Em mensagem encaminhada, em 1929, à Assembleia Legislativa, o presidente João Pessoa afirmava que “não tendo o Estado, no momento, recursos para construir um palácio compatível com a sua representação, resolvi remodelar o actual, adaptando-o ás necessidades do serviço publico e a um relativo conforto para a população”. A mais abrangente reforma executada no Palácio do Governo teve o seu projeto elaborado pelo engenheiro Giovanni Gioia. Pelo que se extrai do relatório do presidente João Pessoa, o pavimento térreo foi inteiramente reconstruído para servir às audiências do governo e às instalações do gabinete da presidência e da secretaria de Interior, Justiça e Instrução Pública. O andar superior do prédio passou também por uma completa reconstrução, para ser utilizado como residência do governante, com salões para festas e solenidades e outros equipamentos.
Palácio da Redenção ▪ Fonte: TV Cidade JP
As condições em que o edifício se encontrava exigiram cuidados adicionais na execução da obra, mas que, mesmo assim, não evitaram um grave acidente que ocorreu em janeiro de 1930, quando o teto do salão de festas do pavimento superior desabou sobre os operários que estavam no local, deixando um morto e vários feridos.
A reforma implementada por João Pessoa incluiu a demolição da Igreja de São Gonçalo que foi substituída por um jardim para separar o Palácio do Governo do prédio do antigo seminário e colégio dos jesuítas. As obras de reforma do palácio foram iniciadas em 1929 e se estenderam até 1931, tendo sido concluídas na administração do interventor Antenor Navarro. A reforma do Palácio do Governo do Estado foi inaugurada no dia 29 de julho de 1931 e, no mesmo dia, Antenor Navarro assinava o decreto nº 143 em que dava “ao Palacio Presidencial do Estado a denominação de Palacio da Redempção”. O nome de Palácio da Redenção, conforme o texto do decreto, homenageava o movimento revolucionário de 1930 e fora “suggerido pelo povo em memoravel manifestação de caracter collectivo ao governo”.
Palácio da Redenção ▪ Fonte: TV Cidade JP
Noventa anos depois de concluída a ampla reforma realizada no Palácio da Presidência do Estado executada por ordem do presidente João Pessoa, que passou a se chamar, a partir daquele momento, de Palácio da Redenção, uma nova decisão governamental alteraria, mais uma vez, o nome e as funções do antigo convento dos jesuítas. Através do Decreto 41.817, de 4 de novembro de 2021, o governador João Azevedo determinou a transformação do edifício em um museu vinculado à Secretaria de Cultura do Estado, com o nome de Museu da História da Paraíba – Palácio da Redenção.
Palácio da Redenção ▪ Fonte: TV Cidade JP
Na expectativa da próxima inauguração do Museu da História da Paraíba, após uma grande e demorada reforma que foi realizada no Palácio da Redenção, espera-se que a Prefeitura da Capital agilize a revitalização da Praça João Pessoa e encontre uma solução, arquitetônica, paisagística e de segurança, para a Praça Venâncio Neiva, o antigo Largo do Palácio, de modo que a área, que na primeira metade do século 18 era o “melhor local da cidade”, nas palavras de Frei Agostinho de Santa Maria, venha a se transformar em um espaço vital para o soerguimento do Centro Histórico da Cidade de Nossa Senhora das Neves.