No início de agosto de 1896, o jornal “A União” noticiava a nomeação de João Pereira de Castro Pinto como professor da cadeira de Sociologia do Liceu Paraibano e a notícia acrescentava que “Similhante nomeação, tendo recahido sobre pessoa muito competente e de tão invejavel talento, como é o dr. Castro Pinto, é digna de todo applauso”. Três dias depois, um grupo de estudantes e integrantes de um clube cultural que tinha o nome de Castro Pinto foram ao Palácio do Governo manifestar ao Presidente do Estado o seu contentamento pela nomeação do novo professor.
Castro Pinto, naquele momento, não residia na Paraíba. Era redator de debates no Senado Federal. Tivera uma passagem marcante pela Faculdade de Direito do Recife,
A chegada à Paraíba do novo professor do Liceu era anunciada, com destaque, pelo jornal “A União”:
“A bordo do paquete nacional ‘Maranhão’, deve chegar hoje da Capital Federal o nosso talentoso e intelligente co-estadano Dr. João Pereira de Castro Pinto, ultimamente nomeado lente de sociologia e moral do Lyceu d’esta capital. O Dr. Castro Pinto, um dos brilhantes genios d’este Estado, vem de exercer o cargo de redactor dos debates do senado federal [...] Sabemos que o ‘Club Castro Pinto’ prepara-lhe uma imponente recepção e que muitos de seus numerosos amigos projectam ir dar-lhe o abraço da boa vinda no porto do Cabedello”.
A nomeação de Castro Pinto para o Liceu fazia parte da estratégia do agora senador Álvaro Machado de arregimentar para o seu grupo político alguns destacados oposicionistas e, assim, Castro Pinto foi eleito para a Assembleia estadual pelo chamado alvarismo. Além das suas atividades parlamentares e de professor do Liceu, Castro Pinto ensinava Filosofia do Direito em um curso gratuito preparatório para a Faculdade de Direito do Recife que era promovido pelo Clube que levava o seu nome e que, por sua solicitação, passou a se denominar “Centro Litterario Parahybano”. Após passar um tempo na Paraíba, inconformado com atos arbitrários praticados pelo então Presidente Gama e Melo, Castro Pinto rompeu com o governo e renunciou ao mandato de deputado e, em represália, foi demitido do cargo de professor do Liceu. Mais uma vez, Castro Pinto teve que abandonar a Paraíba.
Liceu Paraibano, no início do Séc. XX, quando funcionava no edifício do antigo Convento Jesuíta, localizado na Praça Felizardo Toscano (Jardim Público), na cidade da Parahyba do Norte
Ginásio Nacional (posteriormente Colégio Pedro II), no início do Séc. XX, Rio de Janeiro ▪ Fonte: Gov. RJ
“E porque eu faço parte do magisterio brazileiro, e porque entendo que, apezar do abandono em que se acha essa questão, ella constitue, ao menos sob o ponto de vista pratico, sob o ponto de vista de suas consequencias e resultados, o problema salutar da regeneração do Brazil, como sempre aconteceu em qualquer outro paiz”
O deputado paraibano ressaltou, no seu primeiro discurso na Câmara, a importância do professor para a modificação do quadro do ensino no País:
“Emquanto não houver um professorado digno [...] havemos de ser sempre um paiz ridiculo por excellencia, olhando para o progresso pelos olhos dos outros povos [...] Não façamos ensino sem termos em vista o professor, do contrario, pregamos no deserto”. E concluiu defendendo o ensino público e condenando a maléfica intervenção política em assuntos educacionais:
“E este foi hoje o meu principal intuito – levantando desta tribuna, como professor que sou, este protesto solemne contra a invasão da politiquice naquillo que devia ser o mais serio dos problemas da vida nacional – o ensino publico”.
Na Câmara dos Deputados e, depois, no Senado, Castro Pinto pautou a sua atuação parlamentar pelo enfoque de assuntos constitucionais e temas relacionados com a Educação. Em 1912, Castro Pinto foi escolhido candidato de conciliação ao governo
Jornal "A Noite", 28.10.1912 ▪ Bib. Nacional
Ao assumir o governo da Paraíba, Castro Pinto estabeleceu que três áreas da administração estadual ficariam fora das interferências políticas: a justiça, o fisco e o magistério. Ao contrário de muitos políticos que fazem a defesa da Educação apenas como instrumento de retórica, “da boca pra fora’, Castro Pinto promoveu no governo, mesmo com a limitação dos recursos disponíveis, várias importantes iniciativas no âmbito educacional e cultural do Estado.
Uma das primeiras e mais inovadoras medidas adotadas pelo novo Presidente do Estado foi a criação de uma Universidade Popular. Nascido na Europa, o modelo de Universidade Popular visava à formação cultural e política dos trabalhadores e, na época, vinha de experiências exitosas em cidades da Itália, como Turim, Milão e Gênova. A primeira tentativa de implantação de uma Universidade Popular no Brasil, ligada ao movimento operário do Rio de Janeiro, não havia sido bem sucedida. Menos de três meses após assumir a Presidência do Estado, Castro Pinto, em sessão solene realizada no Teatro Santa Rosa, presidiu a instalação da Universidade Popular da Paraíba que visava promover o ensino através de “conferencias, prelecções e projecções de vistas cinematographicas, diffundindo a universalidade das sciencias no seio das classes proletarias”.
Teatro Santa Rosa (originalmente "Santa Roza"), no início do Séc. XX, Parahyba do Norte ▪ Fonte: PB Criativa
Ao término do seu primeiro ano de governo, Castro Pinto informava à Assembleia estadual as principais providências que havia tomado com relação à Instrução Pública, destacando o incentivo ao ensino noturno para possibilitar o acesso dos trabalhadores à escola:
“Na minha administração, dentro do período de um anno, mais ou menos, foram creadas nove escolas, inclusive um curso secundário para os operários. Desenvolvi o ensino nocturno”.
Outra medida importante determinada por Castro Pinto foi a solicitação a Tavares Cavalcanti, professor do Liceu, para que elaborasse um Epítome da História da Paraíba
“No livrinho, empolgaram-me os capítulos da expulsão holandesa. Aluno do Grupo Escolar, ao lado do ditado, da leitura em classe e de noções da história do Brasil, era despertado para a qualidade do barro de que fora feito. E por ordem do dr. Castro Pinto. E não houve vacina que me imunizasse do contágio desse livrinho mandado escrever por um governador que ninguém se lembra das obras”.
A Biblioteca Pública da capital do Estado recebeu, também, a atenção do Presidente Castro Pinto, que para ele era um “simulacro de repartição publica, triste exemplo de decadência [...] Encontrei-a nas mais desoladas condições”. A Biblioteca Pública foi reformulada e, nas palavras do Presidente do Estado, “Fez-se seleccionar os livros que ainda podiam ser utilizados, organizou-se a relação dos restantes, e adquiriram-se novos”.
Andavam a educação e a cultura do Estado nessa grande revolução quando, no início de 1915, realizaram-se as eleições federais, para senador e deputados. Não houve entendimento na agremiação governista para a formação de uma chapa única e os dois grupos que disputavam o controle partidário foram para a disputa, cada um com os seus candidatos. Castro Pinto manteve-se isento no processo eleitoral.
Jornal "A Noite", 21.03.1915 ▪ Entrevista com Rodrigo (sic) de Carvalho, secretário de Castro Pinto ▪ Bib. Nacional
A isenção de Castro Pinto nas eleições desagradou os perdedores e os vencedores do pleito. Uns, alegando a falta de apoio que não tiveram e, os outros, porque reivindicavam a derrubada de pessoas ligadas aos derrotados de cargos na administração pública. Para o escritor Octacílio de Queiroz, “em meio à semi-barbárie da política paraibana, de desvairadas ambições pessoais, de clãs e corrilhos daquela época, e, ainda de hoje, da influência majestática e agressiva de Epitácio Pessoa e do conservadorismo valfredista, não havia lugar para o neutro”.
Após as eleições, a situação de Castro Pinto tornou-se insuportável. Segundo o historiador Horácio de Almeida, “as críticas descambavam para o pior dos achincalhes. Sua situação era difícil, vigiado de um lado e alvo do outro por uma campanha de injúria e ridículo, como nunca houve igual na imprensa da Paraíba, contra um chefe de Estado”. Castro Pinto, amargurado, renunciou ao governo, abandonou a política e nunca mais colocou os pés na Paraíba.
Jornal "A Noite", 05.08.1915 ▪ Chegada de Castro Pinto ao Rio de Janeiro ▪ Bib. Nacional
No último dia 17 de novembro, no encerramento da disciplina “Imprensa, História e Educação” do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, por sugestão da aluna Ana Almeida, sob a condução da professora Fabiana Sena e com a participação do professor Charliton Machado, o livro “O Tribuno – Castro Pinto e sua Época”, publicado no primeiro semestre deste ano, foi o tema da aula final do curso. Estive, na ocasião, juntamente com o poeta e ensaísta Sergio de Castro Pinto, debatendo com os professores e alunos as inovadoras e pioneiras medidas adotadas pelo Presidente Castro Pinto, há mais de um século, para a melhoria da educação na Paraíba.
Depois de mais de cem anos, o Professor Castro Pinto retornou à sala de aula.
▪ Texto extraído do livro “O Tribuno – Castro Pinto e sua época”, de Flávio Ramalho de Brito, editado pela Ideia, com prefácios de Gonzaga Rodrigues e Sérgio de Castro Pinto e apresentação de Ângelo Emílio Pessoa.