Quando cursava a graduação em filosofia, ainda bem jovem, eu tinha um colega que era, digamos, um tanto quanto fora dos padrões socialmente aceitos. Ele estava sempre com uma camisa social aberta até o umbigo e conduzia consigo uma pequena mala de viagem carregada. Além do visual exótico, o seu comportamento tampouco concorria para que fosse considerado como alguém ponderado e equilibrado. Apesar disso, era um aluno que fazia intervenções pertinentes.
Ao final de uma aula sobre Descartes, ele, depois de refletir um pouco acerca do conteúdo exposto, dirigiu-se ao professor e à turma com uma reflexão muito interessante...
— Se a Res Cogitans não é da mesma natureza da Res Extensa, que é material, então por que a sua existência também cessaria com o fim da Res Extensa?
Para a ciência dominante, o pensamento é uma secreção cerebral. Mesmo acadêmicos que são religiosos praticantes e espiritualistas, acatam este padrão em suas profissões e investigações científicas por receio de serem marginalizados em seu meio. Carregam em si uma contradição entre fé e razão e preferem se conformar com o seu suposto caráter inconciliável a desafiar o modelo vigente.
Mais recentemente, entretanto, uma parte da comunidade científica vem se revelando pouco disposta a se calar diante do paradigma que estabelece esta cisão. Há significativos esforços e iniciativas neste sentido, capitaneadas por instituições e pesquisadores respeitados, como é o caso da Fundação John Templeton, sediada nos Estados Unidos, que concedeu o seu principal prêmio ao físico brasileiro Marcelo Gleiser, por seus esforços em aproximar espiritualidade e ciência e por sua relevante contribuição para afirmar a dimensão espiritual da vida.
Marcelo Gleiser, também atua na promoção da ciência, tendo publicado vários trabalhos neste sentido. Diferentemente do seu colega norte-americano Carl Sagan, morto em 1996, que também era físico e astrofísico, Gleiser acrescentou ao seu esforço uma dimensão espiritualista, pois não enxerga nenhuma incompatibilidade entre a ciência e a vida espiritual. Na atualidade, ele é um importante contraponto, no mundo da divulgação científica, ao etólogo, evolucionista radical e escritor inglês Richard Dawkins, conhecido mundialmente como um dos maiores promotores do ateísmo.
Para utilizar um termo muito usual nos dias atuais, os “negacionistas” da dimensão espiritual contam a seu favor com o depoimento de personalidades icônicas como Stephen Hawking que, embora não deva ser considerado como um ativista anti-espititualista, apresentava-se publicamente como “ateu”. O próprio Hawking, porém, era bastante tolerante e amistoso no contato com representantes religiosos e até chegou a compor a Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano. Em 1981 o Papa João Paulo II, num gesto que pode ser interpretado como um simbólico pedido de desculpas pelo modo como a Igreja Católica tratou a ciência e os cientistas no passado, chegou a se ajoelhar diante dele, durante um encontro reservado na residência papal logo após o astrofísico participar de um congresso sobre cosmologia. Hawking até chegava a usar a palavra “Deus” em seus escritos, muito embora, segundo ele, apenas em sentido “metafórico e relativo”.
A ciência oficial não adota as palavras “alma” ou “espírito” em seu vocabulário. Prefere usar o termo “mente” para designar a atividade da consciência humana. É interessante compreender o itinerário intelectual por trás disso.
Em seu “Ensaio Acerca do Entendimento Humano”, publicado em 1690, o filósofo inglês John Locke afirmou que todo conhecimento provém apenas da experiência. Mais tarde Kant acrescentaria, em sua “Crítica da Razão Pura” que algumas estruturas mentais são inatas, pois, se assim não fosse, nenhum conhecimento chegaria a ser processado.
É inevitável concluir que, como resultado de tal concepção, a ação humana é o produto da atividade aleatória de mecanismos neuronais que condicionam as suas decisões e estabelecem a sua atuação a partir de um determinismo puramente biológico, que condena a consciência à absoluta tirania da matéria, sem nenhum espaço para o livre arbítrio, uma vez que toda e qualquer liberdade seria uma simples ilusão. Todo comportamento do ser humano seria apenas o resultado daquilo que a natureza lhe impõe através das suas interações químicas intracerebrais. Sem nenhuma possibilidade de consciência fora do corpo é decretada, então, a “morte” do espírito, finalmente exorcizado da “mansão da ciência” por competentes “caça-fantasmas”. Toda esta teorização também é apoiada por um método científico que lhe é compatível e coerente, o que, naturalmente é muito conveniente.
Tudo parece perfeito, desde que o componente subjetivo seja solenemente ignorado ou peremptoriamente negado. A questão, no entanto, é que ele não pode ser mais ser excluído tão facilmente quando é demonstrado mesmo dentro dos estreitos limites estabelecidos pelos critérios de investigação do padrão científico dominante.
O psicólogo e epistemólogo francês Victor Egger cunhou o termo Experiências de Quase Morte em 1896, para usá-lo em sua obra "Le moi des mourants". Em 1975, o médico norte-americano Raymond Moody Jr., resgatou-o para descrever as vivências coligidas em seu livro “Vida Depois da Vida: A Investigação do Fenómeno de Sobrevivência à Morte Corporal”, a partir do relato de 150 pessoas que sofreram morte clínica. Seguindo a trilha de Raymond Moody Jr,
A Navalha de Ockham, um princípio metodológico universalmente aceito em toda boa ciência, determina que, uma vez esgotadas todas as explicações plausíveis, verossímeis, admissíveis, críveis, prováveis, aprazíveis, o que restar, por mais absurdo e estranho que seja, só pode ser a verdade. A honestidade e a inteligência o obrigam. Como explicar que diversos pacientes infantis, em parada cardiorrespiratória e “inconscientes”, muitos dos quais intubados e sob anestesia geral, tenham visto e descrito desenhos, ocultos aos olhos de todos e que só podiam ser observados do alto?
Em “A Estrutura das Revoluções Científicas” o físico austríaco Thomas Kuhn expõe como a transição de um paradigma para outro costuma ser lenta e conflituosa. Conforme estabelecido pela Primeira Lei de Newton,
“Aprendi o que me mandaram aprender, disse o que me mandaram dizer, comprometi-me ao que me ordenaram, e fizeram-me padre.”
A mudança de um modelo científico para outro é marcada por uma série de atitudes disruptivas por parte de um grupo inicialmente minoritário de investigadores, o que exige coragem e abnegação. As fogueiras evoluíram para o ostracismo e o descrédito, mas continuam assustando. Bruce Greyson, M.D., professor de psiquiatria da Universidade da Virgínia e maior pesquisador mundial na área de EQM, descreveu da seguinte forma esta tensão no âmbito da neurociência:
"(...) esse conflito entre um modelo materialista da identidade mente-cérebro e a ocorrência das experiências de quase morte sob condições de anestesia geral ou parada cardíaca é profundo e inevitável."
Segundo a ciência oficial não pode haver nenhum nível de consciência ou de atividade mental enquanto o cérebro não está em operação, só que é exatamente esta a situação daqueles que relatam sensações e visões durante episódios de inatividade cerebral, seja por causa de parada cardiorrespiratória, seja por acidente com danos neurológicos. A evidência de que a consciência funciona independentemente do cérebro coloca em xeque todo um paradigma científico. Para tanto, é necessária apenas a comprovação de um único caso, sendo que há inúmeras. No entanto, apesar disso, os “dinossauros” não se dobram, pois, como diria H. G. Wells, eles estão extintos, mas ainda não sabem disso.