Na Casa da Arte Popular brota um lugar para cultivar as flores de Goretti Zenaide
Amanhece o dia ensaiando e regendo a majestosa sinfonia do verde, enquanto o orvalho aflora no azul do horizonte, a desenhar os magníficos fios do tempo com a claridade que move os ventos da aurora. O sublime canto dos pássaros refloresce a bela paisagem de uma das cidades mais verdes do planeta.
A mesma cidade, que um dia seria referida pelo célebre escritor José Américo de Almeida como mais vegetal do que urbana, também, contaria com o olhar do nosso cronista maior Gonzaga Rodrigues: “O verde é a surpresa de quem chega, venha pelas rotas de hoje ou tenha vindo nos galeões portugueses do século XVI, em demanda da madeira de tinta mais famosa do mundo”.
Bem ali, em frente à praça, se faz avistar nobre endereço que oferece lugar à Casa do Artista Popular. O imóvel pertenceu à família Almeida e nos anos 90 acolheu o Centro de Artes Visuais, mantido pela artista Marlene Almeida. O prédio é vizinho a outro destinatário não menos importante, que já fora morada do presidente João Pessoa e, agora, daqui há mais um tempo, passa a oferecer abrigo ao Museu da Cidade.
Entre as principais representações, em exposição constante nos ambientes e cômodos da casa, iremos vislumbrar a luminosidade dos santeiros de Lagoa Seca, os contornos das panelas de barro de Serra Branca, os moldes inusitados da cerâmica utilitária de João Pessoa, as estampas do batik de Catolé do Rocha, as varandas das redes em tecelagem de Boqueirão e São Bento.
Ao mandar restaurar e restituir todo o vigor desse significativo acúmulo de simplicidade e beleza, o governador João Azevedo, com seu olhar plural, permanentemente, voltado à nossa formidável identidade cultural, mais uma vez, presta grandiosa reverência àqueles que trazem como ofício cotidiano o sincero e esplêndido exercício da arte.
Fez expressar manifesto desejo da atual primeira-dama e presidente de honra do Programa do Artesanato Paraibano, Ana Maria Lins, em preservar o desenho original da casa e valorizar o trabalho dos nossos fulgurados artesãos. Para tanto, haveria de buscar os olhares de cumplicidade da gestora do PAP, Marielza Rodriguez, e a especialíssima curadoria de Janete Lins Rodriguez, diretora do museu da Fundação Casa de José Américo.
Sem falar na dimensão e no valor desse acervo para os caminhos, até aqui, sublinhados por nossa cultura, as cores das casinhas no quintal voltam a oferecer abrigo à loja de artesanato, à sala de exposições, à biblioteca e a um cantinho para os amigos do museu, conforme projeto antes imaginado pela arquiteta pernambucana Janete Costa. Resultado do trabalho incansável e impecável, a quatro mãos, idealizado e colocado em prática por Marielza e Janete Rodriguez.
Evandro Pereira
No lugar, podem ser encontrados artigos como cachaça, rapadura, licor, tempero, cocada, doce, bolo, biscoito e castanha, além do próprio café servido na hora, é claro, e de outros produtos da gastronomia paraibana. Lá, também, terá espaço para encontros e conversações, saraus literários, performances, mostras e lançamentos de livros.
Mereceu atenção de Goretti a produção de inúmeros capítulos que acompanhariam a evolução do programa, desde a inauguração da Casa Museu, em 2005, até a 25ª edição do Salão do Artesanato Paraibano, em 2017, com seu cultuado e cultivado exercício cotidiano de comunicação social, trabalho esse interrompido por um devastador câncer que a vitimaria em julho do mesmo ano.
A estrela na qual se viu transformar, para o afago do nosso olhar de carinho e lembrança, passa agora a brilhar em todos os cantos e recantos da casa que ela ajudou a erguer e depois veria nascer. Cada movimento ou escolha espelha com ternura sua infinita dedicação a tudo que fazia ou alcançava, a esboçar nossa melhor memória afetiva. Porque sublime sempre haverá de ser sua voz a nos dizer que tudo vale a pena, se tudo for feito com cuidado, amor e respeito.