Abro a janela e por ela o horizonte me invade os pulmões. Sinto-o na pele, na íris, na brisa, com perfume de alva. No fim do que é visto, ...

As curvas da manhã

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Abro a janela e por ela o horizonte me invade os pulmões. Sinto-o na pele, na íris, na brisa, com perfume de alva. No fim do que é visto, a linha separa com gume afiado, preciso e certeiro, o céu do que é mar. Fitando seu traço oposto e difuso percebo os meandros que no firmamento tudo contornam. Aí se reforça o afã sinuoso, sempre presente na obra divina, em que a bola se ostenta voluta, do firmamento à trama do Cosmo.

Realmente o cilindro aqui se consagra como forma dileta, e assim preferida do fenômeno que tece todo o Universo. Até a espiral inerente aos volteios do vento e da água realça no arco
a marca preposta do Grande Arquiteto.

Na Terra, a mesma predileção. Redemoinhos, furacões, folhas que rodopiam ao vento, água que gira nos lagos e rios, tudo se guia na inspiração sinuosa do Criador. Das galáxias às moléculas, dos planetas às sementes, células e átomos, a mesma espiral.

E da geometria imaginária, olhando sobre o mar, curvo-me às pretéritas memórias de então. Quantos bilhões de anos estão no instante remoto que me arrebata! Quantas eras de tempo sagaz, glacial, cambriano e fenomenal!

Aqui me encontro tão pequenino, de frente ao mar. Ainda calculo que além do oceano, embaixo e em cima, existem outros mares que se projetam ao visto e não visto. E na relva da praia, onde as ondas se abraçam, as curvas prosseguem traçando o bordado, idem curvado.

Surgem então as tartarugas. Graciosas emergem com sede de luz e nas vagas cintilam ao frescor da manhã. Decerto no fundo da água que habitam ainda madruga o silêncio em penumbra. E os cascos reluzem, se alternam, se enrufam e se perdem ao longe no que é vastidão.

Que tamanho esplendor através da janela me traz a alvorada e com ela a esperança! Outrossim a lembrança dos bilhões de anos-luz que esculpiram o proscênio aqui manifesto.

E ao ver no remoto onde o mar toca o céu um navio trafegar, vem à mente outro mundo, confuso e congesto que na urbe agoniza.

Na angústia em que o tempo forjou o tormento das grandes cidades, há vida distante, um tanto distinta da curva que enxergo em toda manhã por esta janela...

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  1. Não há dúvidas quanto aos momentos mágicos que sempre vivemos, como o amanhecer e o entardecer.
    São os momentos solenes de nossa vida, que nos conduzem à eternidade.

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  2. Mercedes (Pepita) Pessoa Cavalcanti30/1/22 15:29

    Belo, suas crônicas têm um ritmo poético, um viés de musicalidade e de ternura - que nos instilam a paz. Este texto parece fundir-se aos de Carlos Romero, que mantém sempre um olhar espiritualizado a mergulhar nas paisagens marítimas, desfiando aconchegantes cromatismos.

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