Saber viver é uma arte. Pensando bem, tudo é arte, até fritar um ovo e fazer o nó da gravata. Tudo é arte. Viver, então, é a arte mai...

Danuza e a arte de saber viver

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Saber viver é uma arte. Pensando bem, tudo é arte, até fritar um ovo e fazer o nó da gravata. Tudo é arte. Viver, então, é a arte maior, porque envolve reter apenas o essencial, dispensando os acessórios, supérfluos pela própria definição. Saber viver, quem domina essa arte difícil que, como o samba, não se aprende na escola? É uma arte misteriosa, distribuída aleatoriamente pelos deuses entre os homens, independentemente de tudo: origem, cultura, riqueza, lugar de nascimento etc etc. É uma verdadeira arte democrática, sopra onde quer, como o vento e o Espírito Santo. Os franceses, mestres de quase tudo, chamam-na de “savoir-vivre”; nós, tupiniquins, a traduzimos literalmente como a arte de saber viver. E é isso mesmo.

Eu pensei que Danuza Leão era imortal. Eu costumo pensar isso a respeito de algumas pessoas. Mas quando vejo, partem, partiram, deixando-me em estado de perplexidade. O problema com Danuza é que ela não combinava nem com velhice nem com morte. Tão elegante, tão descolada, tão jovem (apesar dos anos) e tão sábia, que parecia eterna, conservada para sempre na madureza saudável, digamos, dos setenta anos, sem nada dos achaques habituais trazidos pela idade para os outros mortais.

Uma octogenária esbelta, de jeans e de tênis. É a imagem que dela guardo, que guardarei, numa de suas derradeiras entrevistas a que assisti no YouTube. Lembro-me de que admirei sua boa forma física e mental, invejável
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Danuza Leão ▪ 1960sManchete
em alguém com sua quilometragem. E que quilometragem!

Danuza foi uma linda jovem, a primeira modelo brasileira a ir desfilar no exterior, nos idos dos anos 1950, quando para a maioria das nossas moças o principal projeto de vida era simplesmente o casamento, de preferência com um bom partido ($$$) que fosse também, se possível, um galã, parecido com aqueles do cinema de então (Clark Gable, Humphrey Bogart, Tyrone Power, Cary Grant e por aí vai). Pois Danuza fugiu a esse clássico estereótipo. Casou, sim, no devido tempo e sucessivamente, com dois homens talentosíssimos, porém feios de doer: o jornalista Samuel Wainer e o cronista e compositor Antonio Maria, dois gigantes da cultura nacional do século XX. Sua derradeira união, pelo que sei, foi com o também jornalista Renato Machado, o que atesta a inteligência dela própria, já que, como sabemos, só as mulheres verdadeiramente burras desprezam o charme irresistível dos homens feios – e brilhantes.

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Com o marido, Samuel Wainer, e os filhos Samuel Jr e Pink Wainer ▪ 1956O Cruzeiro
Já madura, e após muita badalação na vida noturna carioca, onde dirigiu casas de muito sucesso, Danuza assumiu prestigiosas colunas em jornais do Rio e de São Paulo, e em 1992 impulsionou sua carreira de escritora com um verdadeiro best-seller da época: Na sala com Danuza. A este livro, outros se sucederam, sempre bem recebidos pelo público e pela crítica. Com sua autobiografia Quase tudo, ganhou o Prêmio Jabuti, grande distinção.

Como se não bastasse, foi irmã de Nara Leão, a musa da bossa nova e ícone eterno de nossa MPB. Não é pouca coisa para uma vida só, convenhamos.

Arq. Nacional
Definindo-se, ela escreveu: “Faço parte de uma tribo longe de qualquer tradição ou preconceito, de meio social indefinido, uma pessoa com ideias próprias, um certo bom senso. E que, mesmo defendendo as belas maneiras, dá mais valor à ética nas relações do que a qualquer procedimento tido como civilizado”. Eis a mulher e o seu saber viver.

Há quem pense, equivocadamente, que Danuza escreveu apenas livros de etiqueta. Longe disso. Ela foi muito além das simples regras de comportamento, a pequena ética inventada pelos aristocratas para atormentar a vida dos burgueses alpinistas. Ela foi, sim, uma divulgadora das boas maneiras, sob um viés contemporâneo e descontraído, ressalte-se, mas foi, antes e acima de tudo, uma guia civilizacional, uma sábia conselheira para a vida como um todo.

Danuza nos deixou no último dia 22 deste mês, aos 88 anos. Custei e custo a acreditar. Para mim, como disse, ela era imortal. Na verdade, pensando bem, continua sendo.

Concluo com uma de suas saborosas lições para as mulheres: “A vida da mulher se divide em três fases: a primeira, quando é uma gatinha; a terceira, quando já desistiu de encontrar o homem de sua vida, e a segunda, a melhor de todas, que vai até – bem, até quando, depende de cada uma”.

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