Há anos observamos, na relva aqui do lado, um casal de corujas da espécie que chamam de “buraqueiras”. Entra estação, sai estação e el...

O piar do imaginário

Há anos observamos, na relva aqui do lado, um casal de corujas da espécie que chamam de “buraqueiras”. Entra estação, sai estação e elas permanecem. Só variam de buraco. Vez por outra, após se alternarem em curtos períodos de ausência, decerto chocando os ovos que protegem com permanente vigilância, eis que surge um filhote. Raramente, como já ocorreu, surgem dois. E como é prazeroso vê-los juntos, ao sol das manhãs, penteando-se com as brisas do mar, vizinho próximo que escolheram para sua morada. Uma união afetiva e familiar admirável.

Inst. Últimos Refúgios
Pouco mais, voltam a ficar a sós novamente. Os filhotes ganham o mundo ao sentir que a liberdade já lhes convida com segurança. Assim se reproduzem, sempre cultivando paz e amor.

O que mais impressiona é o senso de astúcia e a altiva observação. Infalíveis sentinelas, não relaxam um segundo a vigilância do habitat. Em postura impecável, olhar fulminante, se arvoram ao menor sinal que exponha em perigo seu tesouro bem guardado no buraco onde dormem. Será que dormem?…

Certa noite de São João, que de bombas se arruinou com a fumaça das fogueiras, assustadas se ausentaram. Dias se passaram da noite em que fugiram, deixando só saudades. Felizmente, após algum tempo de sentida ausência e dúvidas mil, ressurgiram na alegria de uma surpresa trazida nos braços de ditosa manhã.

Mas o que tem a ver coruja com poesia, como alude o título do início? Ora, pergunte a Sérgio de Castro Pinto, aquele poeta que orgulha a Paraíba. Quer aprender o que é poesia? Leia Sérgio. Quer saber o que tem de poesia na coruja? Sérgio sabe. Sabe e prova:

A coruja
são todo ouvidos os teus olhos de vigília. olhos acesos, luzeiros de sabedoria olhos atentos à geografia do dentro, és uma concha. um encorujado caramujo. monja em voto de silêncio.

Que profundo e filosófico delinear! Só o âmago sutil e enigmático da linguagem sergiana descreveria com tamanha e completa perfeição o perfil autêntico destas nossas adoráveis vizinhas.

“São todo ouvidos?” Sim, e como são! Ao mais tênue sibilar ou vaporoso movimento, a escuta, que tem garra de olhar, consegue captar. Como disse o poeta, a própria simbiose de olho e ouvido vara noite e madrugada. Vigília absoluta. Olhos tão acesos quanto mais negro o escuro é.

Alan Wilson
“Luzeiros?” Ó! Quem já fitou, ainda que retratado, o olhar de uma coruja? Um farol iluminado de argúcia e perspicácia que penetra até a alma?...

De sabedoria, há muito a filosofia já a batizou com justiça e reverência. Tal qual o pensador, alerta ao menor cochicho, conhece o que se oculta do que está ao seu redor, em qualquer escuridão. E dizer que está atenta à geografia interior, ah Sérgio, atento és tu! Tanto quanto ela mira no tesouro do seu ninho, no miolo de sua concha.

Sim, como concha se parece. Na forma, na guarda e design, na curva que agasalha, no amor que acasala.

“Encorujado caramujo”, sim! Em cor, textura e estética. Dureza côncava que protege, e leveza que voeja. Quando volta põe-se a postos, sentinela de mosteiro. Circunspecta elegância, reverente ao sacrifício do silêncio em devoção. É uma monja!

Só um poeta como tu, amigo Sérgio, é capaz de um caramujo vislumbrar numa coruja.

Ah, zoológico criativo… É o piar do imaginário!

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  1. José Mário Espínola24/7/22 00:37

    Lindo texto, tão belo quanto a poesia do Sérgio Castro Pinto, valorizando-a e valorizando-se dela. Revelando do autor uma capacidade de observação da natureza digna da acuidade de uma coruja.
    É muito bonito observar essas corujinhas pelas nossas praias, porém cada vez mais raras.
    Parabens, Germano Romero!

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  2. Sensibilidades reunidas em poesia e prosa.

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  3. Muitíssimo obrigado aos estimados e especiais leitores José Mário Espínola e Arael! Um prazer ser lido por vocês. Abraços

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  4. Ângela Bezerra de Castro25/7/22 15:51

    Estou mais apaixonada por suas adoráveis vizinhas.

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