A CASA QUE ME RECEBEU DE PÉ Olhá-la sobre os ombros da primeira mulher Depois do gosto do leite, o pão, o ovo frit...

Alguma coisa chamada cor

literatura capixaba poesia jorge elais neto

 
 
 
A CASA QUE ME RECEBEU DE PÉ
Olhá-la sobre os ombros da primeira mulher Depois do gosto do leite, o pão, o ovo frito na manteiga - a saciedade Cantos escuros, lascas de madeiras e a correria das formigas nos tacos brilhantes E o erguer-se, esse simulacro de liberdade das patas A primeira janela, o canto das Nereidas, e o enigma da luz (Ficou, de fora, a promessa do azul) Casa # Cão de guarda de minha infância com sua porta dizendo : pare, ainda não é tempo de enfrentar a vida.
A MULHER QUE ME APRESENTOU A VIDA
Não sei se o veneno tinha cheiro de um sonho e a composição da cura passava por despertar um corpo, uma consciência (o mutilado se satisfaz com uma miragem da perfeição) Mas não me vesti com seu desejo, não me coube as cores de seu futuro, vesti-me de mim, esse ser salobro que se interroga a capacidade de amar Tardei no eterno da dúvida Não sei quantas vezes tive que matá-la para perceber meu despreparo com as sílabas de seu nome E nesse pó lançado no espelho congelado do infinito ar, destino, fardo e glória, haverá um ponto onde caberá a sua morte pretérita O que tarda (eu) respira as imagens e elas são flores e o poema deixados em suas mãos cruzadas, para acompanhá-la no luto eterno.
BERÇO DOS OSSOS
O desafio da carne, esse farrapo rubro sobre cada espantalho, é sustentar o peso de fazer-se sombra. (A exceção é um jardim pintado de branco, onde as folhas cumprem o seu papel Aqui começa o fim de tudo. de camuflagem para os ossos.) Cobra-se pelo calor, pelo fervor do grito, por devolver a cor do espanto aos olhos dos vivos. E a oferenda posta em cada boca, a lembrança do branco, o pão da memória, o delírio de estar entre iguais, um postar-se humilde no cabedal da soberba. E o carrilhão do tempo, o continuo tributo, o toque entre os ombros sem rosto, as sirenes no silêncio proibido, imagens invadindo tudo, corrompendo o absurdo, e a impossibilidade de deixar-se fora da febre compartilhada dos justos. (Há uma vulgaridade nas sementes; somente em seu desencontro recordamos o comum de brotar na solidão.)
ALGUMA COISA CHAMADA COR
Quem cismou de pintar de rosa as nuvens no pôr de sol do outono? E ver o azul se disfarçando em cinzas na crepuscular despedida do que já foi manhã. (Por isso a embriaguez silenciosa da menina de seis olhares.) Mas no breu recortado da despedida, soavam os sinos, e no trono dos pesadelos, passaram a ressonar os anjos. (Cada noite guarda verdades esquecidas.) E os despojos, quietos, aguardavam o suspiro úmido do orvalho no gargalo do impiedoso Sol.
O SONO DOS INVISÍVEIS
Se meu reflexo sob o manto sujo chegar aos olhos de um passante atento e nele inspirar um pesar confuso por saber-me mais que um simples momento em que desviar os olhos seria o justo com possível esgar, sem nenhum remorso, valerá a foto, o poema, o custo de despertar do sono o cultor do ócio da indiferença, e remover o lustre, as lantejoulas, selfies e os andrajos, devolvendo a crueza do presente momento, dessa solidão, do mote da falta de pão, de amor e de amparo, pois amar é mais que a mundanidade.

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