A Gaia Ciência ( Die fröhliche Wissenschaft , em alemão), obra publicada em 1882, apresenta um conhecimento estético presente na apreen...

Estética da Arte e Ciência

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A Gaia Ciência (Die fröhliche Wissenschaft, em alemão), obra publicada em 1882, apresenta um conhecimento estético presente na apreensão humana do mundo, que une arte e ciência de forma a integrar o teórico e a experiência ética. Foi escrita pelo filósofo, filólogo, poeta e compositor alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 — 1900). Para este gênio, a arte é uma prática inspirada de um sentido ético que impulsiona o ser humano a tornar a própria existência uma obra de arte e suportável por ser um fenômeno estético. Considerando isso, a estética da ética exige o desenvolvimento
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de novas atitudes que são experienciadas pelo ato poético.

A expressão “Gaia Ciência” é uma referência à poesia europeia ocorrida durante o século 12. Surgiu do Provençal, a língua usada pelos trovadores da literatura medieval, em que "gaya scienza" corresponde à habilidade técnica e ao espírito livre necessários para a escrita poética. Os cinco capítulos que compõem A Gaia Ciência são subdivididos em 383 aforismos, nos quais Nietzsche expõe seus conceitos referentes a temas diversos: arte, moral, história, política, conhecimento, religião, mulheres, guerras, ilusão e verdade. No livro aparecem - pela primeira vez - suas teorias sobre o “eterno retorno”, conceito criado pelos estoicos gregos e considerado por ele (Nietzsche) como a expressão em que gravita a afirmação da existência humana.

O sistema nietzschiano, na defesa dos aspectos estéticos da ciência e da ética, apresenta o conhecimento empírico, metafísico e natural, possuindo uma mesma origem, com a finalidade de auxiliar o homem na apreensão e na convivência harmoniosa consigo mesmo e com a natureza. Entretanto, a manifestação da natureza, no processo da evolução, dotou o ser humano de um mecanismo cognitivo em que os “erros úteis do passado” são perpetuados e se tornam arquivos de memória. Esse é o aspecto limitador do conhecimento humano. Nietzsche afirma que o conhecimento dessas falhas ou limites é uma boa consciência e é uma característica estrutural da ciência. Isso é o resultado de uma paixão estética presente no humano,
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Friedrich Nietzsche
que se desenvolve — nas obras de arte — em cada sensação que se experimenta.

A ciência na Gaia Ciência não tem como objetivo apenas destruir as crenças metafísicas, revelando a arte que há nelas, mas também utilizar, com boa consciência, as novas possibilidades que se abrem com esse reconhecimento. Nietzsche, no aforismo 58, afirma: “Somente enquanto criadores podemos destruir! Mas não esqueçamos que também isto: basta criar novos nomes, avaliações e probabilidades para, a longo prazo, criar novas coisas” (2001, p. 96). A prática dessa tendência e do aspecto criador do conhecimento é uma potência realizadora de novas utopias. Mas só com o auxílio da arte é que a ciência pode se tornar alegre. No aforismo 107, intitulado Nossa derradeira gratidão com a arte, ele afirma:

“Se não tivéssemos aprovado as artes e inventado essa espécie de culto ao não-verdadeiro, a percepção da inverdade e da mendacidade geral, que agora nos é dada pela ciência — da ilusão e o do erro como condições da existência cognoscente e sensível —, seria intolerável para nós. A retidão teria como consequência a náusea e o suicídio. Mas agora nossa retidão tem uma força contrária, que nos ajuda a evitar consequências tais: a arte, como boa vontade de aparência (...). Como fenômeno estético, a existência ainda nos é suportável, e por meio da arte nos são dados olhos e mãos e, sobretudo, boa consciência, para poder fazer de nós mesmos tal fenômeno.”
NIETZSCHE, 2001, p. 132-133
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Nietzsche, retratado por Edvard Munch, 1906
A arte na Gaia Ciência tem — além do aspecto estético — um aspecto prático-moral. Com a arte, a ciência se torna alegre porque vê na ilusão artística a raiz do conhecimento humano e a sua redenção. A destruição de uma realidade metafísica serve de incentivo para novas criações que tenham valor para a existência. O aspecto estético e o aspecto prático do conhecimento serão de fundamental importância para a constituição de uma nova imagem da cientificidade: a de uma ciência que reconhece o caráter criador de suas construções teóricas e não desconsidera as suas consequências práticas. A Gaia Ciência se apresenta como o cultivo de habilidades intelectuais, morais e artísticas, muitas vezes contraditórias entre si, quando isoladas. Mas, quando se juntam, o ser humano se torna livre e não mais se envergonha de si mesmo. Assim, ela produz a prática científica: a arte e a sabedoria de vida se tornam a própria estética da existência.

Concluo com o poema “Todo Risco”, do poeta, fotógrafo e jornalista baiano Damário Dacruz (1953 – 2010):

A possibilidade de arriscar é o que nos faz homens. Vôo perfeito no espaço que criamos. Ninguém decide sobre os passos que evitamos. Certeza de que não somos pássaros e que voamos. Tisteza de que não vamos por medo dos caminhos.


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