Os europeus que vieram nas primeiras embarcações que chegaram ao Brasil, nas primeiras décadas do século 16, se deparavam com a opulênc...

Um dos símbolos do Brasil veio do exterior

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Os europeus que vieram nas primeiras embarcações que chegaram ao Brasil, nas primeiras décadas do século 16, se deparavam com a opulência da vegetação do litoral. “Ao longo do mar eram tudo barreiras vermelhas: a terra he toda chãa, chea d'arvoredo”, anotou, em 1531, no seu Diário de Navegação Pero Lopes de Souza, que viria a ser o primeiro “dono” de trinta léguas de terras, recebidas em doação do rei português D. João III, que iam da ilha de Itamaracá à Baía da Traição, o que incluía a área do atual Estado da Paraíba.

No exuberante arvoredo da costa, encontravam-se árvores de grande porte como o ipê e o pau-brasil, que logo passou a ser derrubado de forma voraz pelo seu alto valor comercial na utilização como corante na fabricação de tecidos.
A região da Paraíba talvez tenha sido uma das que mais sofreu com as retiradas do pau-brasil, a se considerar a afirmação feita por um padre jesuíta em escrito do final daquele século de que “o pau desta capitania é o mais e o melhor que se sabe”. Outra árvore abundante no litoral do Nordeste do Brasil era o cajueiro. No relato de Frei Vicente do Salvador, o primeiro historiador brasileiro:

“Os cajueiros dão a fruta chamada cajus, que são como verdiais, mas de mais sumo, os quais se colhem no mês de dezembro em muita quantidade, e os estimam tanto (os indígenas) que aquele mês não querem outro mantimento, bebida ou regalo, porque eles lhes servem de fruta, o sumo de vinho, e de pão lhes servem umas castanhas que vêm pegadas a esta fruta.”

Com o início das navegações marítimas de grande curso, empreendidas por portugueses e espanhóis a partir de meados do século 15, os continentes foram conectados, promovendo a circulação de pessoas, culturas e técnicas de povos que, até então, não se conheciam. Mudas de plantas nativas dos lugares passaram, também, a ser levadas de um lugar para outro. E, foi assim que os portugueses trouxeram as canas da ilha da Madeira para o Nordeste do Brasil, onde, na segunda década do século 17 já eram moídas nos engenhos de açúcar da região.
Outra planta, trazida de Cabo Verde pelos portugueses, foi o coqueiro. Originários da Índia, os coqueiros chegaram aqui, provavelmente na segunda metade do século 16. Um dos primeiros registros da presença dos coqueiros em terras brasileiras foi feito pelo português Gabriel Soares de Sousa no seu Tratado Descriptivo do Brasil em 1587: “Foram os primeiros cocos á Bahia de Cabo Verde, d'onde se encheu a terra”.

Os coqueiros se adaptaram de forma excepcional aos terrenos da costa brasileira. Segundo Gabriel Soares de Sousa, “As palmeiras que dão os cocos, se dão na Bahia melhor que na India, porque, mettido um coco debaixo da terra, a palmeira que d'elle nasce dá coco em cinco e seis annos, e na India não dão estas palmas fruto em vinte annos”. Assim, o coqueiro, pouco a pouco, mudaria, radicalmente, a paisagem do nosso litoral, assumindo predominância com relação ao cajueiro nativo. Para Evaldo Cabral de Mello:

“o coqueiro inicialmente só existia nas hortas e quintais, donde viria a se disseminar pela franja costeira, habitat natural do cajueiro, tão ligado à alimentação e à cultura indígena.
Devido à pobreza de documentação, mal se vislumbra a verdadeira mutação de paisagem que foi a marginalização de um pelo outro, a qual reduziu o cajueiro à figura de parente pobre, expulso da linha de frente pelos cenográficos coqueirais, que se tornaram o biombo que oferecia ao viajante a primeira visão da terra que os primitivos navegantes como Pero Lopes de Souza, haviam enxergado apenas uma terra monotonamente baixa, bem arborizada de bosques de cajueiros e de manguezais [...] ao longo do nosso litoral, a substituição maciça do cajueiro pelo coqueiro, uma verdadeira revolução ecológica, foi fenômeno de longo prazo, que terá durado todo o século 17”.

No Brasil, de início, as populações nativas utilizaram os frutos dos coqueiros de forma bastante restrita, se limitando a comer a carne e a beber a água dos cocos, como observou Frei Vicente do Salvador: “Cultivam-se palmares de cocos grandes e colhem-se muitos, principalmente à vista do mar, mas só os comem e lhes bebem a água que têm dentro, sem os mais proveitos que tiram na Índia”. Câmara Cascudo na sua História da Alimentação no Brasil acrescentou que “o coqueiro da Índia não revelou o leite aos indígenas [...] nem mesmo lhes ocorreu, a tapioca de coco, incomparável”.

Para Evaldo Cabral de Mello, “no litoral da Índia, o coqueiro era a base imemorial de um complexo econômico e ecológico, sendo utilizado como material de construção civil e até naval [...] Da casca a população fazia cuias de beber, na alimentação consumiam-se-lhe a água
e o miolo e fabricava-se o azeite para os alimentos e para a iluminação. Dele também se tiravam aguardente, vinagre e açúcar [...] Quase todos esses usos, que não provocam surpresa no brasileiro atual, pareciam insólitos às primeiras gerações de colonos, que só muito tempo decorrido da aclimatação do coqueiro passaram a contemplá-lo com olhar utilitário”.

Vale aqui ressaltar que houve um efetivo interesse dos portugueses no plantio de coqueiros no Brasil. Em 1603, o português Pero Coelho de Sousa, cunhado de Frutuoso Barbosa, antigo Governador da Paraíba, partiu por terra da Paraíba em uma jornada para a serra da Ibiapaba, no Ceará. Na narrativa de Frei Vicente do Salvador “depois de alguns dias de descanso [...] tornaram a marchar até um oiteiro a que depois chamaram dos Cocos, porque uns sete ou oito que plantaram à tornada os viram nascidos com muito viço”. Essa determinação dos portugueses no plantio dos coqueiros pode ser comprovada pelo Regimento que o Governador-Geral do Brasil Diogo Botelho recebeu, em 1609, do rei de Portugal. O Regimento estabelecia as providências que o Governador-Geral deveria tomar no Brasil e já no seu item segundo determinava “plantar por toda a costa” os coqueiros.

Com o passar do tempo, os coqueiros passaram a ter nas terras brasileiras utilizações mais abrangentes do que aquelas iniciais, limitadas ao consumo da carne e a bebida da água. Embora não tivesse a importância econômica do açúcar, do algodão ou mesmo do couro, as receitas decorrentes dos coqueiros passaram a fazer parte das Leis Orçamentárias das Províncias. No caso da Paraíba, na Lei nº 13, de 22 de dezembro de 1853, o “dizimo dos coucos” era um dos itens da receita provincial. Naquela mesma época, a Presidência da Província indenizava um determinado cidadão “da quantia de 8$ reis por cada coqueiro do sitio de sua propriedade, que tem que ser derribado com o concerto da estrada que segue do sobradinho ao varadouro”.

A arrecadação do “dizimo dos coucos” na Capital da Paraíba e em outras cidades, como Mamanguape, era feita por meio de edital da Câmara Municipal na forma de “arrematação por tempo de um anno,
á quem mais der [...] o imposto de 40 rs. por cada pé de coqueiro fructifero”. Em 1861, conforme relatório do administrador do Consulado Provincial, “folhas de coqueiro” faziam parte dos “generos exportados” pela Província da Paraíba, suplantando a exportação de aguardente e ficando abaixo apenas dos seguintes itens: açúcar, algodão, pau-brasil, couros, toros de mangue e paus de lenha.

O imposto sobre os coqueiros permaneceu sendo cobrado na Capital da Paraíba nos primeiros anos do século passado. Aviso publicado, em 19 de fevereiro de 1909, no jornal O Norte tratava da regularização de débitos do imposto dos coqueiros: “Está marcado o praso de 30 dias, a contar de 12 do corrente, para os devedores do imposto de coqueiros, relativo ao anno passado, irem liquidar os seus debitos na S. Casa de Misericordia”. O imposto sobre os coqueiros, depois, caiu em desuso.

Os coqueiros se integraram de tal forma ao ambiente brasileiro que seria inimaginável pensar as nossas praias sem a sua presença. Na nossa culinária, os derivados do coco são indispensáveis, de que são exemplos o leite de coco, os saborosos doces (dentre eles os famosos “quebra-queixo” e “baba de moça”), as cocadas e a “tapioca de coco, incomparável”, como disse o Mestre Câmara Cascudo. Para o historiador baiano Pedro Calmon, “as árvores afinal são como as criaturas, que na segunda geração já se integraram no solo adotivo” e, foi, desta forma, que os coqueiros se transformaram em um dos símbolos mais característicos do Brasil.

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