Entre grafites e pixações, se dividem as paredes e os muros de Coimbra. É possível, no entanto, encontrar um nexo entre os vários grafites que selecionamos, em algumas descidas pelas ladeiras e escadarias da cidade. De olho no que encontramos escrito, tentamos construir uma narrativa, que oferecemos ao leitor.
Coimbra, Portugal ▪ ImagensMilton Marques Jr
Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi 'á jurado!
Ai Deus, e u é?
Vós me preguntades polo voss'amigo,
e eu bem vos digo que é san'e vivo:
Ai Deus, e u é?
Vós me preguntades polo voss'amado,
e eu bem vos digo que é viv'e sano:
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é san'e vivo
E seera vosc'ant'o prazo saído:
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é viv'e sano
e seerá vosc'ant'o prazo passado:
Ai Deus, e u é?
Qual a relação, perguntaria o leitor, do poema com o tema dos grafites conimbrigenses? Diante da Rua Larga, que dá acesso à vetusta Universidade de Coimbra, encontra-se uma estátua de D. Dinis,
MM Jr
Se começamos a nossa aventura grafiteira, a partir do amor, que não sabemos ao certo se é eros, filia ou ágape, há também o seu contraponto, na expressão daqueles que se aproveitam de um assunto candente, em toda a Europa, neste momento, como a imigração, para também destilar o seu ódio, acreditando que o ódio, de um lado, resolverá o ódio, do outro lado, contra os imigrantes; insistindo no erro de que todo discurso que contraria as pautas da esquerda é nazifascista, erro já disseminado pelo Brasil e pelo mundo afora, o que só reafirma a suspeita de
MM Jr
Há grafites que mostram outro tipo de indignação, como se vê na pergunta — “Que força é essa que só te manda obedecer?”. Talvez, alguém devesse dar como resposta, “A mesma que te faz um inócuo rebelde da grafitagem”. Os desiludidos com a organização social têm uma certa razão na crítica ao Estado: “Ningún Estado va a salvarte”, texto devidamente acompanhado do símbolo do Anarquismo. O interessante é que no mesmo espaço da propaganda anarquista, há aquele que se contrapõe ao amor livre, talvez o grafitado na estátua de D. Diniz, afirmando em letras vermelhas que “Poliamor não existe”.
Como pudemos ver no discurso anarquista, o grafite não se limita à língua portuguesa, abrindo espaço para outras línguas como o inglês, em grafite que apregoa o estabelecimento da verdade, com a simples e complexa retirada de nossas máscaras sociais: “No mask show your face”. A mensagem não fica sem resposta, demonstrando que é possível estabelecer-se um diálogo com quem não se conhece e em tempos diferentes: “No! I’m very shy!”. O diálogo não para por aí, integrando uma terceira pessoa, que se dirige aos dois primeiros, respectivamente: “Thank you for using your brain! — mask + smile” e “Thank you too”,
MM Jr
Aproveitando o plurilinguismo, vemos a lição daquele que vê em todos os acontecimentos, até os ruins, uma oportunidade de aprendizagem. É o que diz o grafite “Chaque catastrophe est aussi une opportunité”. Como vemos, há grafites para todos os gostos e matizes, abrigando inclusive quem acredita ser Deus mais do que um ente abstrato e distante, estando ele expresso em todos nós, nos momentos de nossa conjunta alegria: “Deus é todo mundo sorrindo ao mesmo tempo”. Na mesma frequência vibra o grafite a afirmar que “A felicidade vai brilhar no mundo”, acompanhando-se de uma imagem de um sol sorridente.
Os inconformados e rebeldes são muitos, expressando-se de várias maneiras, como aquele que não acredita na vida e recorre ao grafite para expressar o seu ceticismo, com um pouco de ironia, “Há quem diga que estou vivo”, suscitando, em outro local, uma resposta transcendental, “Validade ilimitada”. Do mesmo modo, há os que se rebelam com quem vive sempre às custas dos fartos úberes do Estado, coisa tão comum ao nosso Brasil: “Pouca treta muita teta”. A maior das rebeldias, entretanto, encontrei exposta na imponente parede do Instituto de Matemática, coberta de símbolos e de fórmulas matemáticas: “1+1=3”. Genial!
Os narradores, mercadores de sua própria arte, se juntam aos poetas e aos que expõem a sua impaciência com excelente e irônico trocadilho. Pela ordem: “Dá-me um conto e conto-te um conto”; “Y llego a tus rincones; lleno de flores/por mi esquinas/llenas de colores” e “Freuda-se!”. Como falamos em narradores, no muro lateral do Instituto de Química, vê-se um anúncio, no mínimo ambíguo, para os que estão acostumados à linearidade do discurso: “Senhor Black vende cheiro”. Com certeza, os utentes, como se diz por cá,
MM Jr
Um improvável Horácio, devidamente repaginado, na tradução mais direta, embora mais livre, não só do seu Carpe Diem, como de toda a “Ode XI”, do Livro I das Odes, aparece entre o símbolo do anarquismo, mais uma vez presente, e uma pixação quase a encobrir a frase: “Amanhã é tarde/Ontem é impossível”.
O leitor, a esta altura, deve estar se perguntando onde entra o título desta crônica. Pois bem, meu caríssimo e fidelíssimo leitor, a história em dois atos a que me refiro encontra-se ao longo da escadaria da Rua de Quebra Costas. Dedico esta curta história ao dileto amigo Damião Ramos Cavalcanti, meu confrade na Academia Paraibana de Letras, falante fluente do italiano. Sim, leitor, é uma história em italiano, com apenas duas frases:
Pano rápido.
Até a próxima, leitor, seguindo sempre com os pés no chão e os olhos a observar o mundo, diferente do grafiteiro sonhador, que apregoa uma vida acima das estrelas, acreditando que o Anarquismo, meu caro Hélder Moura, poderá lhe garantir isso: “Live above the stars”.