"Nos últimos anos, políticos irresponsáveis min...

Negação fatal

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"Nos últimos anos, políticos irresponsáveis minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades públicas e na mídia. Agora, esses mesmos políticos irresponsáveis podem ficar tentados a seguir o caminho do autoritarismo, argumentando que você simplesmente não pode confiar na mídia ou na ciência para fazer a coisa certa.”

A passagem acima é de Yuval Noah Harari, o festejado autor de “Sapiens – uma breve história da humanidade”. Há quem o considere um guru dos tempos atuais, mas ele se recusa a aceitar tal denominação. A tendência dos gurus é reunir pessoas que os seguem de maneira acrítica e cega; Harari, pelo contrário, quer levá-las a pensar.

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Yuval Noah Harari CityTree
Não é difícil perceber nas palavras desse professor da Universidade de Hebraica de Jerusalém algo que nos soa muito familiar. Minar a confiança na ciência tem sido um propósito de muitos que se aferram a radicalismos políticos e dogmas religiosos. A pandemia foi uma demonstração disso. Sem nenhuma base científica, passaram a contestar medidas sanitárias básicas e fazer ouvidos de mercador aos apelos dos epidemiologistas.

Como se não bastasse, propuseram medicamentos inócuos para combater o coronavírus. A doença e seus mortos deixaram de ser o foco, a razão para que houvesse empenho na procura de soluções eficazes. O que preocupava essa gente era a filiação ideológica dos que defendiam os argumentos científicos e as medidas racionais de contenção da pandemia.

E aqui me valho de outra citação, que retirei do X (ex-twitter) de Richard Dawkins e reproduzo em tradução livre.

“Por qual distorção psicológica a recusa em cumprir uma precaução elementar de saúde pública tornou-se um emblema de identidade pessoal ou política? Onde estão as raízes de uma fúria tão exagerada e descortês?”

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Richard Dawkins
Laurence Agron (E. Britannica)
Dawkins complementa as palavras de Harari com uma questão que tem nos provocado estupor. É incompreensível como, a esta altura da história da humanidade, haja quem desconfie da ciência naquilo que ela tem feito melhor – garantir e prolongar a nossa vida. Entre os recursos de que dispõe para levar isso a efeito, estão justamente as medidas sanitárias e a produção de vacinas. Quantos não já morreram por causa do cólera, do sarampo, da febre amarela – e continuariam morrendo se os laboratórios não houvessem criado os imunizantes?

Pois bem, a despeito disso tudo, ainda há os que buscam se afirmar indo de encontro ao saber científico. Respaldados não se sabe em quê, descumprem ostensivamente as regras de higiene e desprezam as campanhas de vacinação. E tudo, aparentemente, sem o mínimo remorso de deixar as pessoas vulneráveis a infecções e outros males provocados por micro-organismos. Que “distorção psicológica” justifica tal comportamento?

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IPGGutenbergUKLtd
É possível arriscar uma resposta. Apostar no pior sempre foi a estratégia dos fanáticos. Sem recursos para convencer os outros por meio da inteligência e do bom senso, eles preferem inculcar-lhes o terror. Se pudessem suprimiriam a democracia, pois ela exige troca de ideias, respeito às diferenças e compromisso com o bem-comum – práticas a que eles são radicalmente avessos.

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  1. Anônimo2/4/24 07:23

    Perfeito, Chico. Texto oportuno e verdadeiro. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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    1. Anônimo4/4/24 09:48

      Obrigado por mais essa leitura, Gil!

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  2. JOSE MARIO ESPINOLA2/4/24 23:32

    Brilhante e oportuno artigo. A sua conclusão está muito correta. Pessoas leigas podem ser as maiores vítimas desse processo de regressão da civilização que estamos assistindo de poucos anos para cá. Formam um rebanho de incautos, que perdem o senso crítico e ajudam a disseminar essas novas ideologias.
    Mas, o que dizer de pessoas dotadas de formação científicas alimentarem esse processo de ignorância? Perdem a auto-crítica. Deixam de pensar como médicos, por exemplo, e passam a comportar-se como alquimistas.
    É o que eu acho: estamos regredidndo para uma nova Idade Média, uma era na qual o modernismo isola e divide a sociedade.
    Parabens, Chico!

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    1. Anônimo4/4/24 09:52

      Perfeito José Mario! O obscurantismo, fruto muitas vezes do fanatismo político ou religioso, ameaça as conquistas da razão e pode até colocar a vida da espécie em risco. É preciso lutar contra ele. Grato pela leitura!

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  3. Anônimo3/4/24 09:46

    Muito bem argumentado.

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