As reflexões sobre o amor do filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844–1900) podem ser agrupadas em três eixos: a crítica ao amor romântico-religioso; o amor como manifestação da vontade de potência; e a proposta de um amor afirmativo, trágico e autêntico. O pensador germânico propõe uma forma de amar livre de ilusões e submissões. Para Nietzsche, o amor deve brotar da afirmação da vida — mesmo quando esta se manifesta em suas expressões mais sofridas.
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Amar é também um exercício de liberdade e uma arte de viver com autenticidade, promovendo um processo contínuo de autossuperação. Nesse sentido, o amor se torna uma força capaz de transformar o embrutecimento humano, conduzindo o indivíduo ao autocuidado e a uma vida mais intensa em todas as suas dimensões — inclusive na imperfeição. O amor, portanto, pode ser trágico, mas é justamente nessa tragédia que se revela a beleza do próprio "sim à vida".
Nas obras A Gaia Ciência (1882), Assim Falou Zaratustra (1883) e Além do Bem e do Mal (1886), Nietzsche analisa o amor no contexto cristão e romântico, os quais ele interpreta como expressões disfarçadas de fraqueza, ressentimento ou mesmo desejo de dominação. Dessa forma, ele inverte os valores tradicionais que concebem o amor como algo fora da natureza humana, elevado e moralmente superior, buscando revelar as pulsões mais inacessíveis aos sentimentos e razão, muitas vezes, inconscientes que o movem.
Dentro dessa crítica, o pensador também rejeita a ideia, frequentemente presente na tradição religiosa, de que no ‘amor verdadeiro’ é a alma que envolve o corpo. Para Nietzsche, essa afirmação não deve ser compreendida como uma idealização espiritual do amor; pelo contrário, ela denuncia que até mesmo o amor considerado mais ‘puro’ está impregnado de vontade — seja de posse ou de transcendência da própria limitação individual. A fusão dos amantes, nesse sentido, não é um gesto de liberdade
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nem um ato altruísta, mas a expressão de um desejo de expansão da própria existência, marcado pela arrogância, pela ânsia de domínio e pela tentativa de submeter o outro a si próprio.
O amor, na filosofia de Friedrich Nietzsche, vai além de um simples sentimento ou emoção. É uma atitude de aceitação total da vida, incluindo seus aspectos alegres e tristes, que é expresso pelo conceito de “Amor Fati”. Ele também o identifica como uma forma de instinto vital, reconhecendo a força do amor sexual — o Eros — como uma energia da natureza, mas também aponta seus perigos e suas carências. Em diversos momentos, sugere que o erótico pode ser enganoso, levando os indivíduos a perderem o senso de dignidade e a se submeterem a relações de dependência e servidão.
Isso é compreendido como uma ilusão — uma projeção de desejos e ideais que não têm correspondência com a sinceridade ou a autenticidade da pessoa. A qual está relacionada à moral da compaixão ou na negação de si mesmo é, para Nietzsche, um amor decadente. Em seu livro Humano, Demasiado Humano (1888), ele critica o amor egoísta. Por exemplo, de forma disfarçada, ama-se não o outro por si mesmo, mas o prazer que ele proporciona a si, ou seja, a autoimagem que se projeta nele. Isso não é necessariamente condenável, mas precisa ser reconhecido com honestidade.
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O amor nietzschiano é um estado de liberdade mútua, ou seja, uma relação em que cada parceiro permanece fiel à própria autoestima, sem se perder no outro. Esse amor autêntico não teme a distância, o conflito ou a tensão entre os amantes; ao contrário, reconhece a alteridade do outro sem tentar anulá-la. É nessa tensão que reside sua beleza vital para a reinvenção de si, que requer coragem — para enfrentar o outro em sua alteridade — e exige um “sim” à força que anima ambos. Amar, portanto, é dizer “sim à vida” e ao outro, com todas as suas contradições — mesmo que esse “sim” envolva lágrimas, riscos e reviravoltas existenciais.