A Mirabeau Dias, que não só detém a informação, transforma-a em conhecimento e tem os documentos que a comprovam. No artigo “On...

Desvendando o número 17

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A Mirabeau Dias, que não só detém a informação, transforma-a em conhecimento e tem os documentos que a comprovam.

No artigo “Onde está o número 17?”, publicado há dois anos, no Ambiente de Leitura Carlos Romero, aventamos a possibilidade de o poeta Augusto dos Anjos ter morado em uma das casas após o prédio do antigo Colégio Pio XII. Foi um erro ocasionado por má compreensão nossa do que está contido na sua carta à mãe, datada de 16 de julho de 1908, comunicando-lhe o novo endereço, para onde ele, o irmão Aprígio e o tio Alfredo, irmão de sua mãe, mudaram-se, de modo repentino,
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sob o risco de a casa em que residiam – o poeta não diz onde, mas acreditamos ser na Rua Direita, atual Duque de Caxias –, desabar sobre eles (Ademar Vidal, O outro eu de Augusto dos Anjos, p. 166-7):

“Comunico-lhe que, anteontem, nos mudamos para uma casa do Tambiá. Semelhante mudança foi feita às pressas, na celeridade característica dos intimidados perante qualquer ameaça periculosa. É que vieram nos avisar que a casa onde estávamos não tinha a menor segurança e, em breve, cairia desapiedadamente sobre as nossas carcaças.

Então, foi que a verdade se nos apresentou, debuxada em todas as suas linhas horrorosas. Incontinenti, eu, Aprígio e Alfredo saímos, no intuito de revolver toda esta cidade, no encalço de algum lar que nos abrigasse. Após decepções feias, encontramos esta casa aqui no Tambiá nº 17.”

Mudamos a nossa concepção depois que tivemos acesso a duas plantas da cidade da Parahyba, atual João Pessoa, uma de 1889, outra de 1913, existentes no livro Sete plantas da capital paraibana, 1858-1940, de Alberto Sousa e Wylnna Vidal (João Pessoa, Ideia, 2010), gentilmente cedidas por Mirabeau Dias. Além disso, um soneto jocoso de Aprígio dos Anjos, irmão do poeta Augusto dos Anjos, nos ajudou a trazer luzes para clarear a questão e estabelecer um novo nexo que permitisse a identificação do local onde se situava a casa no Tambiá, número 17.

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Ilustrações do livro Sete plantas da capital paraibana, de Alberto Sousa e Wylnna Vidal (Ideia Editora, 2010), gentilmente cedidas por Mirabeau Dias.
O soneto jocoso de Aprígio dos Anjos, assinado com o pseudônimo de Zé do Pátio, publicado no Nonevar, na seção “Perfis Chaleiras” (Humberto Nóbrega, Augusto dos Anjos e sua época, UFPB, 1962, p. 48), em 04 de agosto de 1908 (Augusto dos Anjos, Obra completa, edição com texto fixado por Alexei Bueno, Aguilar, 1994, p. 810), deixa claro que Augusto dos Anjos “é um rapaz que há pouco habita/Na rua Mãe dos Homens, dezessete”. A distância entre a data da carta à mãe, dia 16 de julho, e a da publicação do soneto, 04 de agosto de 1908, por ocasião da Festa das Neves, é de 19 dias, mostrando a proximidade entre os fatos. Publicamos, abaixo, o soneto, para uma melhor apreciação do assunto:

Este último perfil, que não se mete Em brincadeira que à moral irrita É um rapaz que há pouco tempo habita Na rua Mãe dos Homens, dezessete. Além dos seis irmãos, por sua dita Tem mais um, que sou eu, formando sete; Augusto não carrega canivete, Nem as moças namora pela fita... É bacharel, pondo a modéstia à parte As suas poesias têm muita arte; Usou ultimamente óculos pretos... E para terminar esta estopada, Não me deixa dormir de madrugada Resmungando tristíssimos sonetos.

Vamos tentar sintetizar as informações contidas nas duas plantas. A planta de 1889 nos mostra que a Igreja da Mãe dos Homens (hoje, Paróquia Santuário Nossa Senhora Mãe dos Homens) se situava no prédio que abriga, atualmente,
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Plantas da capital paraibana (Alberto Sousa / Wylnna Vidal, Ideia Editora, 2010)
a Escola Estadual Presidente Epitácio Pessoa (H – os números e letras aqui apresentados, entre parênteses, dizem respeito à localização nas referidas plantas), tendo passado, na planta de 1913, para a esquina das atuais ruas Deputado Odon Bezerra e Desembargador Souto Maior (P). Na planta de 1913, o espaço em frente à igreja, não denominado na planta de 1889, tomou o nome de Praça da Mãe dos Homens (21). Hoje, a praça se chama Coronel Antônio da Silva Pessoa. A Rua do Tambiá (95) era um trecho, no mapa de 1889, após a já referida praça. Na planta de 1913, o trecho toma o nome de Rua 7 de Setembro (97), fazendo parte, atualmente, da Rua Deputado Odon Bezerra. O que se denominava Rua do Tambiá (83), na planta de 1913, chama-se atualmente Rua Professor Batista Leite, antiga Rua da Bica (53), na planta de 1889.

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Mapa (parcial) do bairro Tambiá na cidade da Parahyba (atual João Pessoa). No destaque: a Praça Mãe dos Homens (atual Coronel Antônio da Silva Pessoa). ▪ GMaps
Para entendermos melhor, digamos que essa parte da cidade mencionada acima foi inteiramente dominada pelo nome da Igreja da Mãe dos Homens, espraiando-se entre um trecho da atual Rua Monsenhor Walfredo Leal e da Praça Antônio Pessoa. A atual Monsenhor Walfredo Leal se estende do final da Praça da Independência até a Escola Estadual Presidente Epitácio Pessoa, atravessando a Eurípedes Tavares/Tabajaras e a Desembargador Botto de Menezes. O trecho do início da atual Walfredo Leal até a Botto de Menezes era o início da Estrada de Tambaú (denominado nas duas plantas, mas sem numeração), um possível embrião da Epitácio Pessoa. A Desembargador Botto de Menezes chamava-se Estrada de Mandacaru, na planta de 1889. Ali era o início da Rua Mãe dos Homens (62), que se estendia até a igreja do mesmo nome (H), hoje,
Street view: Praça Mãe dos Homens (atual Coronel Antônio da Silva Pessoa). ▪ GMaps
a Escola Estadual Epitácio Pessoa, fundada em 1918 com o nome de Grupo Escolar Epitácio Pessoa, conforme se encontra na sua fachada. A atual Rua Olavo Bilac, que, em mão dupla, parte da Bica e dá acesso à Bica, passando entre a Praça Coronel Antônio Pessoa e o Escola Estadual Epitácio Pessoa, chamava-se, na planta de 1889, Beco da Mãe dos Homens (3), tendo seu nome mudado, na planta de 1913, para Travessa da Mãe dos Homens (118).

Na planta de 1913, parte da Rua da Mãe dos Homens já se chamava Monsenhor Walfredo (95), iniciando-se logo após o Novo Hospital da Santa Casa (d, hoje Hospital Santa Isabel), em construção, até o início da Rua do Mandacaru (75), uma divisão da Estrada de Mandacaru. A Rua da Mãe dos Homens ficou circunscrita do início da Rua do Mandacaru (75) à igreja da Mãe dos Homens, em frente à Praça da Mãe dos Homens.

A que conclusão podemos chegar? Augusto dos Anjos foi morar, em julho de 1908, em uma casa no Tambiá, número 17. É o que atesta a carta à sua mãe. Veja-se que o poeta, na já citada carta (p. 167), não fala da Rua do Tambiá, mas em “uma casa do Tambiá”, “aqui no Tambiá” e em “o Tambiá”, o que tende a ser uma referência mais ao bairro do que à rua:

“Sei que Vm.cê não simpatiza muito com o Tambiá, motivo pelo qual, se eu encontrar alguma outra casa nas Trincheiras, ou Rua Direita, em condições idênticas às desta em que ora estamos, mudar-me-ei, se tal se conformar com a sua vontade.”
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Conforme afirmamos antes, a região, seja no mapa de 1889, seja no de 1913, gira em torno do nome “Mãe dos Homens” – igreja, rua, praça, beco, travessa... –, com a Rua do Tambiá constituindo, apenas por um momento, uma parte da rua que levava o nome da igreja, hoje, situada na Rua Monsenhor Walfredo Leal, ao lado da Escola Estadual Epitácio Pessoa. A nosso ver, com as referências novas ofertadas pelos dois mapas, o poeta Augusto dos Anjos, juntamente com o irmão Aprígio e o tio Alfredo, morou na parte interna da atual Praça Antônio Pessoa, o trecho que se situa entre as atuais Olavo Bilac, antes Beco e Travessa da Mãe dos Homens, e a Padre Rolim, antes Rua Major Moreira (99, planta de 1889; 94, planta de 1913).

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Parte interna da praça Mãe dos Homens (atual Coronel Antônio da Silva Pessoa): trecho entre as ruas Major Moreira (atual Padre Rolim) e o Beco Mãe dos Homens (atual Olavo Bilac). ▪ GMaps
A separação entre as duas ruas, a da Mãe dos Homens e a do Tambiá, é feita pela localização Praça da Mãe dos Homens (21, planta de 1913), a atual Praça Coronel Antônio da Silva Pessoa, o que talvez tenha ajudado na confusão entre os nomes dados por Augusto, na carta à mãe, e por seu irmão, no soneto satírico.

Entre 1889 e 1913, a Rua do Tambiá mudou o nome para Rua 7 de Setembro. Como ela se situava em um local em que predominava a Igreja da Mãe dos Homens, deve ter havido uma contaminação entre os dois nomes, que levou Augusto a se referir apenas ao Tambiá como bairro, enquanto seu irmão teria dado, no soneto, o nome correto do endereço. Na hipótese de ter havido mudança do nome da Rua do Tambiá, antes de 1808, para Rua 7 de Setembro, é possível que o nome tenha ficado na memória das pessoas. Em todo caso, Rua do Tambiá ou Rua da Mãe dos Homens, o endereço do número 17 não extrapolará o limite da atual Igreja da Mãe dos Homens e do entorno da Praça Coronel Antônio da Silva Pessoa.

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  1. Anônimo9/8/25 06:49

    Trabalho de arqueólogo, Milton. Mirabeau sempre ajudando com as suas raridades. Parabéns a ambos. Francisco Gil Messias.

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