Muitas são as definições de pronome. E nem todas são isentas de críticas, apesar de bem-exploradas e de há muito ensinadas em gramáticas e compêndios escolares.
Na definição tradicional, o pronome, desde 1540, segundo a Grammatica da Língua Portugueza de João de Barros (ed. De Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa: Faculdade de Letras da Univ. de Lisboa, 1971, p. 85-6 e 319-20), e conforme as gramáticas latinas, é um elemento supridor ou substituto do nome.
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Há várias evidências de que essa não é uma definição adequada. Em primeiro lugar, há pronomes que não substituem nome nenhum, como os neutros do alemão, do inglês e do francês, usados como sujeitos de verbos impessoais, como na frase equivalente a “chove” nessas línguas: es regnet, it rains, il pleut. Em segundo lugar, os sinônimos e hiperônimos podem substituir nomes e não são pronomes, como na frase seguinte: “O automóvel capotou porque o motorista não controlou o veículo na curva.” A palavra veículo substitui automóvel e não é pronome. Em terceiro lugar, o nome é que originalmente substitui o pronome, e não o contrário. Se eu não sei o nome de uma pessoa, pergunto “Quem é ele?”, usando dois pronomes. O nome que passarei a saber ao ouvir a resposta a essa pergunta pode substituir aqueles dois pronomes.
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Uma segunda definição de pronome, a relacional, encontra-se em várias gramáticas desde a Philosophica de Soares Barbosa (1803, p. 99), passando pelas três gramáticas de Eduardo Carlos Pereira (a Expositiva – curso elementar, de 1907; a Expositiva – curso superior, também de 1907 e a Histórica, de 1915), além das de Mattoso Câmara, Macambira e Celso Luft, e pode resumir-se na que consta da Grammatica Secundária da Lingua Portugueza, de Said Ali (São Paulo: Melhoramentos [s.d.], p. 91) e divulgada em muitas gramáticas : “`Pronome é a palavra que denota o ente ou a ele se refere, considerando-o apenas como pessoa do discurso.” Há pronomes que não se relacionam a nenhuma pessoa do discurso, mas ao próprio
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discurso, como os relativos, os indefinidos e os interrogativos, que não atendem a essa definição relacional. Na frase “A Marinha comprou armas e munição, e pretende adquirir belonaves, tudo em defesa da Pátria”, o indefinido tudo não se refere a nenhuma pessoa do discurso, mas ao próprio discurso. Apenas os pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos se referem às pessoas do discurso.
Uma terceira definição, de cunho estruturalista, define o pronome, segundo Ana Maria Barrenechea (“El pronombre y su inclusión en un sistema de categorias semánticas”. Filologia, Buenos Aires, 8 (1-2): 241-272, 1962, p.264), como “uma classe de palavras não descritivas e de significação ocasional, orientada pela situação e pelo fio do discurso.” Entre as palavras descritivas não ocasionais, a Autora incluiu os substantivos comuns, os adjetivos, os numerais cardinais, os partitivos, os proporcionais e os advérbios conceptuais fixos. Entre os não ocasionais e não descritivos, a Autora incluiu apenas os nomes próprios. Entre os descritivos ocasionais, ela cita os numerais ordinais e palavras orientadas por circunstâncias objetivas, como diante, atrás, último, esquerdo, direito, etc. E como ocasionais não descritivos ela cita os pronomes, orientados por circunstâncias linguísticas.
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O mérito maior do conceito estruturalista foi o de ter isolado e caracterizado o pronome por oposição aos nomes em geral, mas o seu sistema de categorias semânticas não inclui o verbo e elimina a possibilidade de distinção semântica entre, por exemplo, substantivos comuns e partitivos e proporcionais, que ela colocou no mesmo escaninho de descritivos não ocasionais. Além disso, os pronomes podem ser formalmente determinados por suas possibilidades de relação sintagmática e não por sua significação ocasional ou por sua inclusão numa categoria semântica.
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Um quarto conceito, funcional, de Benveniste, entre outros, é o que distingue as funções dêitica e anafórico-catafórica (Cf. BENVENISTE, E. Problèmes de Linguistique Générale. Paris: Gallimard, 1960, vol. I p.251-7). Dêitico é o elemento cuja significação depende da situação em que ocorre o enunciado, como hoje, aqui, agora, eu, tu, isto, etc. Anáfora é o que se refere ao que vem antes (José saiu. Ele estava com pressa – Ele se refere ao que vem antes). Catáfora é o que se refere ao que vem depois (Ela chegou, a Maria – Ela se refere a Maria, que vem depois). Aqui o pronome é analisado como uma classe não unitária, constituída basicamente por dois tipos de signos: 1) os que caracterizam o discurso e se reportam à situação; 2) os que pertencem à sintaxe da língua e se reportam ao texto. No primeiro caso, que se inclui na dimensão pragmática da linguagem, temos basicamente a função dêitica. No segundo caso, que se inclui na dimensão sintática, temos a função anafórico-catafórica.
Cabe ao leitor, ao professor, ao estudioso, ao aluno escolher e aceitar qual dos quatro conceitos de pronome acima descritos é o que melhor possa ser adequado (não existe “adeque”) aos seus propósitos.... Ou acrescentar outros conceitos mais esclarecedores.