A vida é uma obra poética sobre o desfiar do tempo e a tessitura de um sonho. (Lilian Menenguci, A pequena máquina de escrever) Con...

Jorge Miranda: o construtor de sonhos

pintura escola artes jorge miranda
A vida é uma obra poética sobre o desfiar do tempo e a tessitura de um sonho.
(Lilian Menenguci, A pequena máquina de escrever)

Conheci o professor Jorge Miranda quando estudava no Colégio das Damas, em Campina Grande. Era professor de Desenho e mantinha uma Escola de Artes particular que funcionava no antigo prédio da Escola Técnica, no início da Avenida Getúlio Vargas. Como gostava de desenhar, o professor me convidou para ser sua aluna na Escola de Artes, e por lá permaneci cerca de quatro ou cinco anos (anos 1960/1970).

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GD'Art
Tinha uma sala reservada na Escola Técnica para as atividades de Desenho Artístico e Pintura; era nesse local que o professor ministrava suas aulas. O método consistia em passar para o papel Canson modelos de natureza-morta apresentados em gesso. Havia também perfis de filósofos gregos. Tudo deveria ser medido milimetricamente com uma régua especial e reproduzido no papel. Usava-se lápis para desenho e esfuminho. Acho que adquiri miopia de tanto medir e reproduzir os modelos em gesso. Durante muitos anos, conservei esses desenhos em uma pasta grande, apropriada para guardar esse material. As inúmeras mudanças de cidades me deixaram órfã dessa lembrança juvenil.

A duração do curso de Desenho era de dois anos. Para ingressar no curso de pintura a óleo, era necessário fazer prova com modelo vivo. O professor denominava essa etapa de “prova de fogo”. Passei na “prova de fogo”, assim como os demais colegas, e por mais dois anos me dediquei à pintura a óleo.

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Chico Pereira
Faziam parte da minha turma as irmãs Benita e Gitana Figueiredo, Salete Diniz, Celene Sitônio, Luiz Hélio Barreto e outros de que não me recordo o nome. Alguns passavam um curto período e desistiam; os colegas citados permaneceram por mais tempo. O professor Chico Pereira foi aluno do professor Miranda. Lembro-me de Chico aparecendo nas aulas para conversar com o professor; tenho a impressão de que, nessa época, já tinha certa independência artística — não foi meu colega de curso.

A aluna Benita Figueiredo morava em uma granja no bairro de Bodocongó, onde hoje se situa a Universidade Federal de Campina Grande. Após o término do curso de Desenho, o professor convidou os alunos para pintarem ao ar livre, e o local escolhido foi a granja do Sr. Belinho Figueiredo, pai das irmãs Benita e Gitana. Para lá partimos, conduzindo cavaletes, telas, tintas e pincéis. A princípio, ele pediu que cada aluno reproduzisse a mesma paisagem, pois queria sentir o olhar diversificado de cada um. Esse foi o primeiro exercício ao ar livre; no segundo, deveríamos escolher um local específico da granja. Sempre gostei muito de pintar água, e minha escolha recaiu no açude, com a vegetação de arbustos, coqueiros, algumas pedras e o espelho-d’água refletindo as nuvens do céu.

Neide Medeiros Santos
Voltamos depois a pintar no ateliê. O professor utilizou outra técnica: apresentava fotos de pinturas em preto e branco dos artistas pernambucanos Mário Nunes e Rubens Sacramento, pintores de sua preferência, e pedia que reproduzíssemos as paisagens colocando cores. Já revelei minha paixão pela água: escolhi uma marina de Rubens Sacramento, uma praia de Olinda, e depois fiz uma reprodução de uma cena campesina de Mário Nunes. A primeira tela foi dada de presente a um irmão; ainda hoje está na sala de visitas da minha cunhada, no Recife. A segunda ficou com minha mãe; quando ela partiu, a tela voltou para minha companhia e hoje ornamenta a parede do meu quarto.

Muitos anos depois, morando no Recife, fui à casa do Dr. Mussa Hazin, pai de uma colega do curso de mestrado em Letras, Elizabeth Hazin, e tive uma grande surpresa quando vi, na sala de visitas, uma tela de Mário Nunes muito semelhante à que pintei.

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Mário Nunes
O pintor Jorge Miranda era admirador do estilo impressionista e transmitiu esse gosto a seus alunos. Quase todos pintavam à moda de Monet, com exceção de Celene Sitônio, que já tinha um estilo próprio, bem carregado nas cores fortes. Os pintores pernambucanos Rubens Sacramento e Mário Nunes eram seus preferidos.

Quem era o professor Jorge Miranda? O escritor e artista plástico Chico Pereira me deu algumas informações: era pernambucano e veio morar em Campina Grande já adulto. Foi professor de Desenho em vários colégios particulares da cidade e depois criou a Escola de Artes com o apoio de Dr. Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, do engenheiro Austro de França Costa, do pintor Pedro Correia e de Nourival Gonzaga. Chico Pereira foi seu aluno no curso de pintura, e o ex-prefeito de João Pessoa, Luciano Agra, também frequentou a Escola de Artes.

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GD'Art
No ensaio que escreveu sobre a história da cidade de Campina Grande, o crítico literário Virginius da Gama e Melo faz referências à Escola de Artes do professor Jorge Miranda e diz que suas primas Benita e Gitana Figueiredo foram alunas deste professor.

Fui algumas vezes à casa do professor Miranda, uma casa simples na antiga Rua das Boninas, pertinho do Colégio das Damas. Na sala de visitas, havia um quadro com a pintura de um cajueiro, uma tela belíssima; ele gostava de dizer que já estava reservado para o Dr. Noaldo Dantas, naquela época um jovem advogado e jornalista de Campina Grande.

Este texto é uma homenagem que presto ao meu antigo professor de Desenho e de Pintura. Guardo boas recordações do amável mestre, uma pessoa de muita sensibilidade artística e dono de um coração maior que o mundo. Entusiasmava-se com o bom desempenho de seus alunos, incentivava-os a prosseguir no caminho das artes. Era um construtor de sonhos.

Obras de autoria da professora Neide Medeiros Santos Acervo próprio

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  1. Bonita e justa homenagem a quem semeou a arte e a beleza. Parabéns, professora Neide. Francisco Gil Messias.

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