Asfalto novo, ainda cheirando a piche e óleo cru. Eu ali no meio, boquiaberto, pensando como fora parar naquela avenida ainda não ina...

Avenida Sem Nome

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Asfalto novo, ainda cheirando a piche e óleo cru. Eu ali no meio, boquiaberto, pensando como fora parar naquela avenida ainda não inaugurada. Sem indicação dos sinais que deveria seguir. O que seria sentido obrigatório ou contramão? Quando o sinal ficaria vermelho? Como os pedestres poderiam atravessar a pista? Ainda com toda aquela confusão, havia um fluxo intenso que me deixava atônito. Via pessoas indo e vindo, completamente desorientadas. Muitas acenavam com um sorriso sem graça, fingindo saber para onde iam, mas estavam perdidas. Outras, por educação, pediam licença e perguntavam onde poderiam parar, temendo ser atropeladas.
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Eu olhava aquilo tudo, nauseado com o cheiro de hulha e alcatrão. Estava desnorteado diante daquele tráfego caótico e repentino de minha avenida.

Projetada no epicentro viário do estado, prometia solucionar parte dos problemas de trajeto. Era preciso construí-la para ligar pontes e ruas, e eu havia planejado uma infraestrutura completa. Semáforos, sinalização, faixas de pedestres, "guard-rails", radares de velocidade — todo o aparato necessário para garantir um tráfego seguro para motoristas, pedestres e transeuntes. Mas, de repente, percebi que não tinha qualquer informação das regras do trânsito. E eu estava ali, justamente ali, para decidir o que deveria ser decretado.

Olhei ao meu redor e observei um pequeno marco zero. Encostei-me num balaústre do revertério, um tanto estonteado. Tentei respirar um pouco de ar puro, mas o cheiro de óleo cru entorpecia a mente e me tirava os sentidos. Aos poucos, aquela sensação de tontura transformou-se em enjoo e vomitei. Meu corpo parecia produzir um amargor estranho que nunca houvera sentido antes, e pensei que iria desfalecer ali mesmo. Resolvi me afastar um pouco daquele lugar, talvez o mais sufocante com o forte cheiro de petróleo.

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Após caminhar alguns metros, senti-me aliviado. Lancei meu olhar mais uma vez e pude ver, no horizonte, uma longa via escura, plenamente pavimentada, com pessoas em passo apressado, vindo de todas as direções e ruas. Todas indiferentes ao meu estado debilitado.

Naquela altura, pus-me a observar o nome das ruas que cruzavam minha avenida: Rua da Saudade. Travessa da Desilusão. Alameda da Tristeza. Por uma delas, vinha um grande ônibus
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que passaria bem no centro de meu caminho.

Visualizei seu itinerário:

Partida: Algum Lugar Destino: Incerto Via: Avenida Sem Nome

Fiquei pensando sobre como aquele veículo tivera permissão para trafegar em minha via. Não havia cedido qualquer autorização ou licitado concessão de uso dos meus caminhos, mesmo assim aquele veículo imenso se apropriou do meu espaço. Receoso das consequências, pensava que seria o responsável em caso de acidentes. Havendo infrações e multas, a quem eu poderia recorrer? E se houvesse um óbito?

Divagando sobre o rumo de minha direção, ouvi um alarido ensurdecedor. Aquele ônibus era um expresso de luxo. Vi pessoas em suas janelas agitando bandeirolas e atirando lantejoulas em minha rua. Alguns cantavam uma canção de incentivo para que eu os acompanhasse numa longa jornada. Vozes me convidavam a abandonar aquela estrada. Argumentavam que nem pronta ela ainda estava, pediam-me para desistir de tudo e partir com eles numa grande aventura.

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Pensei. Repensei. Ponderei... Temeroso, preferi ficar para inaugurar tudo aquilo em que havia investido e que já me custara o preço da teimosia. Ignorando aqueles viajantes, o expresso da vida partiu. Ainda percorreu um grande trecho em minha pista sem qualquer permissão. Afastava-se numa despedida de que aquela seria a última vez que nos veríamos.

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Com o tempo, sinalizei todos os trechos de minhas veredas. Instalei semáforos, placas de advertência nas curvas mais sinuosas e sinais de alerta nas encruzilhadas.

Estabeleci áreas de estacionamento proibido. Demarquei faixas de pedestres e garanti condições mínimas de acessibilidade. Licitei algumas construções, mas ainda não sabia qual nome dar ao meu caminho.

Cataloguei alguns nomes, mas houve os contrários e outros que se achavam merecedores da homenagem. Decidi partir, pois mesmo depois de tanto zelo e cuidado, com o passar do tempo, presenciei multas, atropelamentos e mortes.

Agora enveredo por estradas não menos perigosas e que, muitas vezes, sequer minhas são. Sinto falta daquele expresso que me deixou para trás naquela extensa e sufocante avenida, a qual, até os dias de hoje, continua sem nome.

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