Como pode alguém em sã consciência apelidar o outono de nossas vidas de “melhor idade”? Ao que me consta, melhor idade é a da adolescência quando nossa saúde está em sua plenitude e nossos sonhos só aguardando a vez de serem realizados. Estou dizendo dos possíveis e dos que não são. Mas nessa fase da vida, tudo para nós é factível: para a rapaziada,
Gostaria muito de saber quem inventou essa história de melhor idade. Foi garimpar na imensidão de sua insensatez um eufemismo ridículo pa...
Melhor idade?
Como pode alguém em sã consciência apelidar o outono de nossas vidas de “melhor idade”? Ao que me consta, melhor idade é a da adolescência quando nossa saúde está em sua plenitude e nossos sonhos só aguardando a vez de serem realizados. Estou dizendo dos possíveis e dos que não são. Mas nessa fase da vida, tudo para nós é factível: para a rapaziada,
Quem não conhece a tal de babosa? Cientificamente chama-se Aloe vera, uma espécie de folhagem pontiaguda e altamente suculenta. Cresce se...
Meu pé de babosa
Consta-me que a babosa tem muitas aplicações junto ao público feminino: trata queda de cabelos, hidrata as madeixas de nossas beldades, elimina aquela incômoda farinha chamada caspa,
Quando aqui neste texto eu empregar a palavra “milagre”, não a entendam com alguma conotação mística ou religiosa, estou apenas fazendo al...
Eu, vegano
Vamos lá.
Pense quão difícil é você acertar a sena num concurso de nossa loteria. Marcando seis dezenas sua chance seria 1 em 50.063.860. Já se você marcar 10 dezenas suas chances pulariam para 210 nos mesmos 50 milhões e mais alguma coisa. Mas isso, vemos que toda semana acontece. Então, não podemos ver o concurso de nossa Loteria Federal como algo quase impossível de acontecer.
Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, — a inspiração, — a pátria. O porvir do teu pai. Fagunde...
Meu 9 de Setembro
Fagundes Varela
Neste ultimo fim de semana, andei retomando algumas leituras, no caso, Malba Tahan (Júlio César de Mello e Souza), um autor capaz de traze...
Parentes lá para trás
Tempos atrás escrevi nesta coluna uma manifestação de protesto em desagravo a uns vizinhos que tinham vindo morar aqui ao lado. Entre eles...
Saborosa corrupção
Quem mora por aqui já o viu. Uma figura envelhecida, alquebrada, maltrapilha, suja, caminhando a passos lentos levando invariavelmente um o...
O velho andarilho
Quem é? Aqui referem-se a ele como “o velho do saco”, numa alusão à estranha bagagem que leva à “cacunda”. Dizem até que fora um homem de posses e aqui e acolá elencam uma série de motivos que teriam levado essa criatura aos abismos da dignidade humana. Hipóteses, é claro.
Quem não carrega alguns desses pesos impensáveis às costas? Pode haver peso maior do que a perda de entes queridos? De um filho, por exemplo. Não estamos livres dessas tragédias, e como pesam.
O que não dizer daqueles amores mal sucedidos...as paixões que não se resolveram e ficaram pelas estradas da vida. Muitas vezes se perderam por uma palavra que deixou de ser dita, por um pedido de desculpas que nosso orgulho não permitiu.
Não podemos deixar de colocar nessa incômoda bagagem os sonhos que não se concretizaram. É uma estatística dolorosa contabilizar os projetos que as mais diversas circunstâncias da vida nos obrigam a ir adiando, adiando... até que essas quimeras fossem definitivamente sepultadas.
Não sabemos fazer o tempo voltar e então o que nos resta é suportar o peso dessas recordações, de alguns arrependimentos e de muitas saudades.
Assim, quando me deparei com o “velho do saco”, subindo pela Epitácio dias atrás, enxerguei aquela excêntrica figura de forma diversa das anteriores. Pude vê-lo com respeito e até com alguma ternura, quando pensei se o que levamos sobre os ombros não seria tão enfadonho e torturante quanto aquilo que ele leva sobre os dele. Talvez.
Dias atrás, ao encontrar um dileto amigo que não via há anos, tasquei a mais tradicional pergunta dessas ocasiões, o famoso “Como vai?” Re...
Último abraço
— Escapando! — disse ele.
E não é assim? Vamos escapando. Escapando de doenças, assaltantes, balas perdidas e das não perdidas, crises econômicas, paixões mal resolvidas, acidentes. Enfim, listar aqui do que andamos escapando não caberia nesta coluna.
Filhos, ora os filhos. Levei muito a sério aquela premissa do “crescei-vos e multiplicai-vos”. Sete! Pelo menos pela contabilidade oficial...
A orquídea de Ariadne
Virou Carlinhos, porque nas redondezas de seu sítio havia outros dois Carlos. Dois homenzarrões brutos e grossos como papel para embrul...
E ficou tudo por isso mesmo
Meus estimados leitores e queridas leitoras, sempre, desde que me conheço por gente, gerações mais novas têm desprezo por hábitos e ati...
Conflitos inúteis
Mais modernamente acharam um outro jeito de nos aporrinhar o juízo. É o seguinte: passou dos quarenta ou está chegando perto, parece que o cidadão perdeu o selo de garantia diante dessa geração-digital nascida sob a égide da internet. É a geraçãozinha Z, para qual o mundo se apequenou às dimensões de um computador ou de um celular. Não conseguem viver sem essas engenhocas. Fora daí, para eles o mundo perdeu seus encantos e a relação entre as pessoas agora se restringe aos teclados, é por ali que eles conversam, se relacionam, se fazem presentes.
Abraço é coisa fora de moda. Mais que isso; abraço ou quaisquer manifestações de apreço podem virar cringe!
Fiquei inicialmente meio sem saber o que era essa história de cringe. Soube através de minha filha que mora lá nas latitudes de cima a origem do termo. “Cringy”, é o vocábulo cuja origem veio lá da parte de cima do mapa. Professora numa high school, na Pensilvânia, interpelou um aluno para saber o significado.
- It is like when you see a person over forty-years-old dancing.
Traduzindo ao pé da letra, seria : “é como quando você vê uma pessoa com mais de quarenta anos dançando”. Difícil chegar ao exato significado, mas é bem próximo do nosso: “sem noção”. Também algo como “sentir vergonha alheia”, cafona.
Na verdade é um embate de uma geração chamada de “Millennials” (os nascidos entre 1980 a 1995 nos EUA e de 1980 em diante aqui) contra uma outra geração mais novinha, a que veio depois desta, a chamada de “geração Z”. Esta última já nasceu conectada na internet.
A derradeira geração desanca xingação na anterior por esta, a Millennials, ter hábitos e atitudes que envergonham quem é da geração Z. Essas atitudes é o que chamam de cringe. Vamos tentar relacionar alguma delas para entendermos o vazio que se instalou na cabecinha dessa gente.
Dizer que é mãe ou pai do seu pet é muito cringe. Ir a Disney também é. Tomar café da manhã, usar facebook, ser fã de Harry Potter, assistir a série Friends são outras atitudes muito cringes.
Agora entendo porque nas aulas virtuais, nesses tempos de pandemia, alguns dos meus alunos nem sob tortura abrem as câmeras, Sabem por quê? Porque é cringe assitir aula online com a câmera do notebook aberta. Pode uma coisa dessa?
Outras atitudes consideradas cringes:
Imaginem se daqui a alguns anos se essa geração Z viesse a comandar o planeta. O que seria de nós? Ou dos que ficarem. Ainda bem que muita gente nessa faixa etária não se identifica com essas idiotices. Ainda bem.
Minha geração também achava brega coisas da geração anterior: chamar uma mocinha de broto, dizer “é uma brasa, mora!”, usar lenço, chamar carro de carango, usar calça jeans apertada, gostar de assistir o programa Jovem Guarda, tomar banho em Praia Grande no litoral paulista e outras coisas do mesmo tipo. Tinha mais: comprar camiseta com as inscrições “estive em tal lugar e me lembrei de você”, colocar na varanda uma placa dizendo “seja bem vindo, mas limpe os pés”; pingüim de louça em cima da geladeira e por aí vai.
Acho normal que esses conflitos existam, mas o difícil é entender de como algumas pessoas levam isso tão a sério, como uma espécie de filosofia de vida. A internet se apresentou como uma poderosa ferramenta a serviço da informação, mas se tornou também chão fértil para semear uma variedade insondável de idiotices, como esta que estamos relatando.
Talvez, algum dia essa geração Z, que sofre de bibliofobia; isto é, sente febre, tem urticária, sudorese quando chega perto de um livro, descubra que não há nada mais cringe do que achar alguém cringe.
Será que eles entenderiam isso?
Lá na parte de baixo do nosso mapa, o inverno é bem diferente do daqui de cima. É seco, umidade do ar muito baixa e as temperaturas fazem ...
O tricô de Dona Nalva
Lá é tempo de seca, raramente chove. Em alguns pontos é fumaça empestando o ar nas cidades e no campo. Elas vêm das queimadas nos pastos e em capões arbustivos que não resistiram à falta d'água. Os reservatórios mínguam a espera das chuvas da primavera. Fora essas contrariedades, quando as fumaças dão uma trégua, as manhãs são azuis, a neblina teima um pouco em não subir como quisesse agasalhar nossas preguiças,
No sol dessas manhãs é que minha mãe gostava de ir para o quintal. Deixava à disposição duas cadeiras. Uma era para ela tomar acento, na outra, os novelos coloridos de lã e as agulhas. Passava horas ali, até que suas panelas reclamassem a presença daquela artesã junto ao fogão e à pia de louças. À tardinha retornava às agulhas e aos novelos.
Guardo com muita ternura a lembrança de Dona Nalva tricotando. Ela sabia muito dessa arte, era ligeira no manuseio daquelas duas pequenas lanças. Muitas vezes a vi comentando consigo mesma: vou usar “ponto arroz” nesse cachecol, nessas luvas “ponto barra”. E por aí ia, cada peça um ponto diferente. Nem me recordo quantos mais.
Para nós eram tempos difíceis, dinheiro curto que mal dava para o essencial. Algumas vezes eram insuficientes para as necessidades mais básicas, mas não tão parcos que não pudéssemos nos agasalhar nos frios que iam do fim de maio ao começo de setembro, porque então podíamos contar com as agulhas e os novelos de Dona Nalva.
Era bonito vê-la tricotando. Aqueles fios de lã iam escorregando dos novelos para submeterem-se à parceria de dedos e agulhas que em rápidas manobras iam transformando aqueles cordões em meias, blusas, cachecóis, luvas, gorros, pulôveres. Podiam ser peças monocromáticas como as luvas ou com mais de uma cor, dependendo da inspiração de Dona Nalva e dos novelos disponíveis.
— Vem aqui para eu ver como é que está ficando.
Com a peça ainda presa às agulhas, estendia a confecção sobre o “freguês” para ver se as medidas estavam corretas. Sentia orgulho em fazer isso. Essas experimentações podiam vir acompanhadas de um abraço, um beijo, um afago, nunca com indiferença. Dona Nalva sabia também aquecer nossos corações.
Tempos difíceis, aqueles. Veio a “revolução” de 64. Meu pai feito preso político em um navio ancorado na costa santista, o Raul Soares. Nem naqueles meses, Dona Nalva abandonou suas agulhas. Teve que “trabalhar fora”; então, só trocou o quintal nas manhãs de sol por algum canto da casa naquelas noites frias de temperaturas e de esperanças. Mas soube nos manter aquecidos.
Foi um tempo de resistência. Mas Dona Nalva cansou e numa dessas manhãs azuis de inverno, ela decidiu que viver não era tão importante assim.
Essas foram as reminiscências que me ocorreram nesses dias em que um friozinho de pouca monta andou rondando meus travesseiros. Fui eu quem acabou tricotando. Tricotando palavras e saudades.
Sonhe como se fosse viver para sempre, viva como se fosse morrer amanhã. James Dean James Byron Dean, ator norte americano, morto p...
Ainda quero ver a Acrópole
James Dean
Agora eu era herói. E o meu cavalo só falava inglês. Chico Buarque / Sivuca Tinha eu, então, a idade dos curumins. Meu pai tentava ...
Hopalong Cassidy esteve em Campos do Jordão
E o meu cavalo só falava inglês.
Chico Buarque / Sivuca
Minhas tardes eram assim: meu pai quase sempre ralhando comigo e Nicanor rindo de meu embaraço. Éramos os três a dar conta das encomendas, que em alguns meses rareavam, noutros vinham com abundância; e então, trazíamos o velho rádio de galena para que pudéssemos adentrar à noite no trabalho, sem que perdêssemos as novelas da Rádio Nacional. Nessas noites, acompanhava-nos minha mãe. Não foram poucas vezes que a voz melodiosa de Olga Nobre levou-a as lágrimas. Ela e o sentimental Nicanor.
As manhãs entregava-as sem muito entusiasmo ao Grupo Escolar. Pelejava com a tabuada e a caligrafia. Ao meu pai a preocupação era com os progressos que eu pudesse obter nas letras e no ofício. Assim, com igual rigor cobrava-me bom desempenho nesses dois afazeres. A paga pelo esforço nessas obrigações era a bagatela semanal de vinte cruzeiros, pecúnia que eu consumia nas matinês dominicais do Cine Glória ao lado de Nestorzinho, Angelino e Cecéu.
Éramos parceiros de escola e de sonhos.
Sábados não havia sem que corrêssemos à estação, esperando pela gôndola que chegava de Pindamonhangaba, pontual e rumorosa. Cecéu, o mais ansioso, mergulhava sempre seus olhos no horizonte e nos movimentos do velho Anacleto que consultava o velho patacão, a controlar o tempo e suas obrigações com a Estrada de Ferro. — Quatro e quinze! – anunciava. Depois olhava-nos com ternura, revelando cumplicidade com nossas expectativas – quatro e meia ela chega.
Chegava sempre e sempre no horário. Angelino roia as unhas.
Quem será que ela vai trazer hoje?
— Chegou o Tom Mix!
Era assim que chegavam todas as semanas aqueles forasteiros galantes e intrometidos: em grossos rolos de celulose.
Sempre fomos, os quatro, pontuais naquele rito semanal de oferecer hospitalidade calorosa àquele paladinos, de entregar-lhes nossos corações e tantos
Não há ninguém de duvidar de nossa intimidade com seus feitos, sua biografias e principalmente com suas habilidades.
— Briga é com o John Wayne – desafiava Cecéu.
— É que ele nunca experimentou um murro do Buck Jones – reclamava Nestorzinho.
Eu não admitia cotação inferior ao meu paladino.
— Pode juntar os dois que não dão conta do Gary Cooper.
Tínhamos, todavia, concordância do que ia além das truculentas fronteiras da força muscular e adentrasse no mágico território da perícia. Concordávamos que pontaria era mesmo com Randolf Scott, que no laço e montaria Bob Steele era insuperável e que Allan “Rock” Lane era um porqueira, Roy Rogers era um pancudo e só prestava mesmo era para cantar. Assim inveredávamos pelos intrigantes labirintos dos defeitos e das vicissitudes. Muitos outros passaram pelo crivo impiedoso dos nossos julgamentos: Tom Tyler, Joel McCrea, Ray Carrigan, Ken Maynard, Tim McCoy, Hoot Gibson e outros tantos que fossem recolhidos naquele fim de mundo pelas mãos diligentes do velho Anacleto.
Assumíamos a fleuma e postura de nossos preferidos. Eu gostava mesmo é de ser o Gary Cooper, Nestorzinho se achava o Buck Jones, Cecéu era o John Wayne e Angelino o Tom Mix. Éramos todos mocinhos. Os bandidos sanguinários e os índios perversos viviam apenas em nossas alucinantes imaginações, ou se travestiam de qualquer intruso que se intrometesse em nossas contendas. Aos nossos garanhões, fogosos como os da tela, conservávamos a fidelidade de seus senhores. Só eu mesmo, assim com Gary Cooper, não adotava uma única montaria. O cavalo de Cecéu era o Duke, de Nestorzinho o Silver e de Angelino o Old Blue.
Na portaria, sempre Simão Cireneu. Eclético. Era ele também quem pintava os letreiros coloridos e reproduzia magistralmente as cenas mais emocionantes da película. Eram figuras perfeitas em letras góticas que anunciavam o espetáculo da tarde: “Os falsários do Oeste”. À nossa chegada, sempre além do título e da gravura, desfilava sua arte de relatar contendas com as quais iríamos nos deliciar nos instantes seguintes.
— Vão ver só a surra que Bob Steele aplicou no George Chesebro. Não deu nem pro começo — e gesticulava como fosse ele o autor do nocaute.
Mas um dia, fez-me a vida perceber que além daquele quintal, havia bem mais do que os beijos de Jean Arthur e Jennifer Holt, do que as provocações de Jack Palance, do que o tiro certeiro do meu Colt e de nossas intrépidas cavalgadas atrás de apaches e chayenes.
Eram fartas as encomendas. Meu pai, Nicanor e eu nos entregávamos com afinco ao corte da casimira e do linho inglês. A premência dos prazos fez-me arriscar meu primeiro molde de colete e muito elogios ganhei pela exatidão do meu traçado.
— O menino tem mão. Tem mão!
Minha mãe traria o jantar e nem as novelas tiraram nosso ímpeto. Era Dr. Adhemar que estava para chegar com Dona Leonor para inaugurar mais um sanatório. Nosso estabelecimento nunca atendera gente tão importante. Até Doutor Silveira nos encomendara seu terno, e nossa modesta “Alfaiataria e Camisaria Paris” começava a ganhar fama na cidade. Meu pai, satisfeito com o andamento dos negócios, aventava a possibilidade de livrar-se da hipoteca de nossa casa, andassem as coisas como iam.
Chamado à responsabilidade não compareci à estação naquele sábado. Mas Angelino me viera até ao trabalho trazer-me a novidade.
— Chegou o Hopalong Cassidy!
Eu já ouvira falar dele. Simão Cireneu me contara. Roupa preta, cavalo branco. Bom de briga, bom de tiro. Revólver com coronha de marfim e ainda por cima não era de namorico. Era a primeira vez que Willian Bloyde ganhava nossas montanhas ostentando sua mais famosa personagem: Hopalong Cassidy. Chegava com atraso de mais de uma década, porque o Cine Glória não guardava critérios cronológicos. Aceitava de bom grado nossos heróis quando estes já tivessem entretido platéias de maior renome. Sabíamos esperar.
As horas impiedosas voavam, e a cada quarto passado, eu consultava Nicanor, como a lembrar meu pai pelo adiantado delas, dos meus proventos, que ele ainda não se lembrara de “acertar minhas contas” como fazia todos os domingos. Ele, indiferente às minha ansiedades, acionava os pedais. À hora dos aprontamentos, como minhas insinuações se tivessem mostrado vãs, recorri à lágrimas, num último recurso de lembrar meu algoz, que naquela tarde era Hopalong Cassidy instalando seu nome na galeria de nossos astros prediletos. Mas meu pai não entendia de cowboys como eu não entendia de hipotecas. Mas como as armas daquele forasteiro não tinham calibre para resgatar promissórias,
Não fui me encontrar com Angelino, Nestorzinho e Cecéu. Era a primeira vez que meu coração experimentava a dolorosa sensação da impotência. O mundo era definitivamente maior do que meus sonhos. A hipoteca da minha casa não deixava lugar para aquelas fantasias que somente nós, eu Angelino, Nestorzinho e Cecéu podíamos compreender suas mágicas dimensões. De súbito meu pai começou a ralhar comigo, que eu não tinha responsabilidade com a vida, que se ele não contasse com o próprio filho, com quem iria contar? Disse ainda, que eu estava ficando meio aluado com aquela história de cinema, que ele estava velho e doente e que de uma hora para outra, oh!... E quem iria tomar conta dos negócios? E completou:
— Você? Com garrucha de mentira na cinta?
Terça-feira teríamos que entregar o que faltasse de encomendas. O homem ia chegar na quarta e ai se não estivesse tudo pronto! Mas eu não queria saber do Adhemar de Barros, do Jânio Quadros, do Marechal Lott, de ninguém, queria mesmo era ver o Hopalong Cassidy, e para mostrar a força de minha preferência atirei-me novamente às lágrimas e aos soluços.
Passados hoje tantos anos, não posso crer que meu pai fosse cruel àquele ponto de atirar-me ao rosto o ferro de passar. Foi coisa do momento, do medo de perder nossa casa. Deixou-me com essa cicatriz. Ele mesmo nunca se perdoou por isso. Morreu dois anos depois quando os pulmões fraquejaram de vez. Creio que o amo. Sempre o amei. Não o amasse, não estaria aqui, na “Alfaiataria e Camisaria Paris” como sempre ele desejou. Nunca e por motivo algum abro a alfaiataria aos domingos. Algumas vezes confesso que choro, por meu pai, por essa cicatriz... Mas principalmente, por lembrar que o Cine Glória não existe mais.
O causo me chegou pelo meu compadre, Paulo César, padrinho de meu rebento Cauê. Este meu amigo, foi professor de Cálculo no curso de engen...
O atrito
Aconteceu comigo na década de 80. Lá se vão mais de 30 anos, quase 40. Comecemos perguntando ao amigo leitor e à querida leitora se sabem ...
A baratinha
Tenho por hábito fazer alguns exercícios de memória. Costumo buscar nos escondidos do tempo, passagens de minha primeira infância lá nos e...
Eu, entre o mar e a serra
Levei muito a sério aquela máxima escrita em alguma página do Livro Sagrado: “Crescei-vos e multiplicai-vos”. Não sei se cresci tanto as...
A raspa do meu tacho
Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar. Carlos Drummond de Andrade Es...
Tempos melancólicos
Carlos Drummond de Andrade
Tomé era um homem preguiçoso. Ninguém sabe o porquê, mas já faz uns anos que bateu uma imensa preguiça nesse cidadão. Preguiça daquelas, b...