A estas alturas, não importa o que digam em contrário, sei perfeitamente o que ficou – e o que ficará – por fazer na minha vida. Não adiant...

O que ficou (e ficará) por fazer

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A estas alturas, não importa o que digam em contrário, sei perfeitamente o que ficou – e o que ficará – por fazer na minha vida. Não adianta afirmarem os eternos otimistas que ainda há tempo, que enquanto há vida, há esperança, bla, bla, bla etc e tal. Sim, pode até haver tempo para mais alguma coisa, mas certamente não para aquelas a que me refiro acima, as que ficaram e ficarão por fazer. As que, já sei, constarão na coluna dos débitos no balancete final de minha passagem pelo mundo.

Até que a idade adulta nos abrace são tantas expectativas, tantos projetos ... Claro que muitos totalmente impossíveis, sabemos mais tarde, mas de que serviria a juventude se não pudéssemos idealizar o futuro? Pois é.
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E no entanto quanta coisa resta – e restará – irrealizada, a despeito de nossa fidelidade aos planos iniciais.

O homem põe e Deus dispõe, diz o ditado popular. E é assim mesmo. Não que nossa vida seja determinada de antemão, em todos os detalhes, pela Providência. Não. Mas é que o nosso pobre livre-arbítrio, tão caro aos existencialistas, é insuficiente para vencer ou contornar as circunstâncias que vão surgindo, como a pedra de Drummond, no meio do nosso caminho, e moldando, independentemente de nosso querer, o perfil de nossa existência. Até que chegue o ponto em que já não nos reconhecemos, tão diferentes – e distantes - ficamos daquilo que almejávamos ser.

Sei que alguns raros, raríssimos, conseguem realizar boa parte dos sonhos juvenis, o que não serve absolutamente de consolo à grande maioria malograda. Mas temos de nos conformar, cada qual, com o quinhão que nos couber. Porque a sabedoria reside exatamente em colaborar com o inevitável, aceitando, sem revolta, o que, sem remédio, remediado está.

Não falemos nem nos grandes objetivos, nas pretensões grandiosas; fiquemos com as coisas menores, os desígnios triviais, e ainda aí fará morada o inacessível, o interdito, a pedra no meio do caminho, provando que controlamos bem pouco a realidade e o nosso destino. Fosse eu filósofo, definiria o homem como um ser-para-a-frustração, um ser-para-a-incompletude, não tivessem já os pensadores, com outras palavras mais felizes, formulado essa definição verdadeira.

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Pensando agora em minha lista do que ficou – e ficará – por fazer, até que ela não seria extensa. Muita coisa sem maior importância ficaria de fora, pois de que valeria lamentar, por exemplo, não ter tido a disposição (ou a vergonha na cara) para ler os sete volumes da “recherche” de Proust? Ou não ter satisfeito certas humanas e compreensíveis veleidades, afinal desmascaradas em sua mais completa e vazia desimportância?

Custa um pouco (ou muito), mas acabamos por entender que a vida é o que é e que, ao contrário do poeta Bandeira, não adianta pensar no que poderia ter sido e que não foi. E também que não tem futuro, literalmente, ficar, no limiar do crepúsculo, fazendo lista do que ficou – e ficará – por fazer.


Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB

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