Quando os alunos do Curso de Letras me pedem sugestões de leitura, sobretudo de livros de poesia, recomendo os dos poetas líricos...

A força da poesia lírica

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Quando os alunos do Curso de Letras me pedem sugestões de leitura, sobretudo de livros de poesia, recomendo os dos poetas líricos, pois estes, de alguma forma, possuem muitos pontos de contato com os adolescentes. Não no sentido em que Massaud Moisés contrapõe a poesia épica à poesia lírica, concebendo esta última como um gênero menor, espécie de adolescência por que passam alguns poetas, para, só então, numa etapa posterior, atingirem a maioridade do gênero épico.

E por que recomendo os bons poetas líricos? Porque, por mais que alguns se considerem “menores” – como fingidamente o fez o enormíssimo Manuel Bandeira -, comungam com as aspirações, dúvidas e ensimesmamentos dos mais jovens, incitando-os, quase sempre, ao alumbramento e à descoberta de admiráveis mundos novos.

Em contrapartida, há quem sugira aos alunos a leitura de poetas “experimentais”, daqueles que, divorciados da grandeza do cotidiano, celebram e estreitam uma aliança cada vez mais indissolúvel e monótona com a linguagem. E os alunos – alguns deles, quem sabe, vocacionados à poesia –, justo quando os seus sentimentos reivindicam, em estado de ebulição, contornos mais definidos, vêem-se, de uma hora para a outra, num beco sem saída. Ou seja, diante de uma linguagem em crise, “experimental”, paralisante, que apenas tartamudeia ou emite grunhidos incompatíveis com o desejo de quem quer dar nome às coisas e se iniciar como aprendiz do mundo.

É claro que o bom poeta não só esquadrinha a vida como a enfrenta de peito aberto. Isso, porém, sem arredar o pé da linguagem. Que o digam, entre outros, Manuel Bandeira, Quintana e o quase sempre esquecido Mauro Mota. Ou, bem mais recentemente, Ruy Espinheira Filho, cujo tom elegíaco, pungente, evoca o autor de “Os Epitáfios”, sobretudo quando consegue extrair o quê de eterno pulsa no brevíssimo frêmito de vida do homem sobre a terra.

Embora longo, vale a pena transcrever o belíssimo poema de abertura – “Epígrafe” – do livro “A Cidade e os sonhos”, de Ruy Espinheira Filho. E se o transcrevo é para demonstrar que, no autor baiano, o poema de extração metalingüística possui outra função, além daquela de apenas expressar a sua profissão de fé na arte poética: serve, também, como ponto de apoio ou de equilíbrio para o poeta minorar o fardo da existência. Quer dizer: mesmo num poema metalingüístico, no geral utilizado pelos poetas para expressar, tão somente, a performance, o virtuosismo com a linguagem, Ruy Espinheira Filho encontra pretexto para celebrar, da melhor maneira possível, o congraçamento da arte com a vida:


Epígrafe
“Sonha que escreve; escreve que sonha; quando sonha, escreve; quando escreve, sonha; tudo é o mesmo sonho; fala em sonho:escreve. Escreve em papel; escreve no chão do quintal, nos pássaros: escreve nuvens; escreve na água, nos risos,nas mágoas; escreve na lua, no sol,no horizonte, nas pedras, nos ramos; escreve nos muros; na falta de rumos; escreve no escuro, no claro; desperto ou dormindo, escreve; e escreve no vento. Tudo escreve, escreve; tudo e sobre tudo escreve, escreve; e depois ainda escreve mais; escreve (e até escreve que escreve) para que a vida seja um pouco menos obscura e breve”.


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  1. Parabéns Sergio de Castro Pinto!! Simples e belo texto ...acessível a todos nós.!!
    Paulo Roberto Rocha

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