Sem encontrar palavras para expressar minha saudade e meu agradecimento ao conterrâneo, amigo e mestre Nathanael Alves, nos quarenta anos de sua morte, recorro ao poeta Luiz Augusto Crispim, igualmente revelador da alma humana, cujas crônicas de profundo lirismo abordam temas do cotidiano e nos enche de prazer a sua leitura. Nathanael Alves nasceu no povoado de Arara, então município de Serraria. Conterrâneo que se fez merecedor de nossa admiração, porque carregava a paciência franciscana e a compaixão de padre Ibiapina pelo sofrimento alheio.
No livro Os Pecados da Tarde, de 1984, Crispim fez constar um poema dedicado ao amigo, colega da redação do jornal O Norte, falecido três anos antes e que agora, movido pela emoção que retirou de mim qualquer possibilidade de escrever sobre Nathan, transcrevo como um legado de homenagem a ambos:
Memorial a Nathan
Não há bala, míssil ou petardo
que consiga abater os pássaros.
Besteira dormir na mira.
Não me refiro ao muito famoso
doce pássaro da juventude.
Este é capaz de sobreviver
às balas, aos misseis, aos petardos
somente para morrer a todo mortal,
no regato da amargura.
Falo do triste pássaro que era Nathan.
Feito pássaro ou como sábio,
de bala não havia de morrer.
Doenças vivas, dessas meramente mortais,
tampouco o afetavam.
Só uma coisa podia levar Nathan:
a sua própria sabedoria.
Disso morreu, sem padecer.
Escreveu tudo o que queria,
Deixou frases paradas no ar,
feito o seu próprio grito.
E, de sábio, mudou-se.
Para sempre.
Os sábios deixam legados assim,
engastados em palavras preciosas
e juízos do mais profundo valor.
Mas, como tinha o poder de eternizar
também as palavras,
por sua própria palavra eternizou-se,
como se fora a coisa mais natural
passar-se para os sítios eternos,
pura e serenamente, feito pássaro
que escapa à bala
e vai se aninhar para além dos azuis,
que é o verdadeiro lugar dos sábios.
Luiz Augusto Crispim, Tambaú, 1983