Quiseram os compositores de música que sentíssemos o mesmo que os inspirou? Seus arroubos à poesia, conflitos e indagações? Suas dúvidas e...

O gás da vida em chamas

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Quiseram os compositores de música que sentíssemos o mesmo que os inspirou? Seus arroubos à poesia, conflitos e indagações? Suas dúvidas e esperanças, amores e rancores? Só pode. Está tudo nas entrelinhas, ocultos ou revelados nas partituras, na sugestiva combinação estética dos sentimentos, no poder que brota dos íntimos e profundos recônditos da emoção.

Na linguagem que moldou o que os artistas esculpiram em pedra e outras durezas vencidas, na suave beleza da natureza sublimemente esparramada em suntuosas telas ou nas dramáticas e obscuras cenas da conturbada história da humanidade, assim como em toda a paixão, real ou imaginária, magnificamente transcrita às letras por Cervantes, Dante, Goethe, Schiller, Victor Hugo… é que vemos quantos deuses Deus nos deu!...

Está tão claro, por exemplo, o que Brahms expressa no Adagio de seu primeiro concerto para piano e orquestra... Há tanta coisa implícita naqueles diálogos entre o piano e os sopros. Ora se sobrepõe a angústia da desilusão, mas logo se dilui nas doces respostas das cordas ou do oboé solitário, em alentos de regozijada esperança.

E vem a confissão resignada do piano nos acordes solenes e soberanos, a impulsionar a fé no porvir. Sucedida pela aquiescência benevolente dos temas em “tutti”, que celebram o êxtase da compreensão maior.

Com o coração em paz, emerge a sensibilidade que nos permite escutar nitidamente o que Brahms confessa nesse Adagio. Todo o espetáculo da vida está descrito nos climas que se seguem majestosamente harmonizados no concerto. Razão e sentimento digladiam-se, mas se debulham serenos na pureza que brilha nos reconfortantes dialetos da arte sublime. É a confidência sussurrada pelo Divino que remonta ao que Jesus nos revelou: “Vós sois deuses”.

Mas não é apenas em Brahms que se enxergam crepúsculos extasiantes, nem no pensamento cabisbaixo de Rodin, nos versos infernais ou na sutileza cósmica da comédia dantesca.
Delaroche ▪ 1855 ▪ Louvre
Não é apenas na sofisticação luminosa da jovem mártir de Delaroche que estão os deuses que Deus nos deu. Há também na obra em barro de um simples artesão os mesmos clamores sagrados da Arte. Basta ter olhos que escutam e ouvidos que veem.

Já nos perguntaram se ainda havia música erudita a se inventar, como se esgotadas houvessem sido todas as possibilidades de composição? Ora, ora, muito longe disso está aquela que veio a se chamar Divina Arte. Por ser escrita em estrutura essencialmente matemática, uma ciência, como a Física, intrinsecamente associada a infinitas teorias, descobertas e experimentos, a Música abrange perspectivas que se alternam e se congraçam em combinações inexauríveis.

Embora há muito se perceba no panorama de concertos executados atualmente pelo mundo, repertórios que se sucedem com alguma similaridade. Como se a intensa busca do virtuosismo técnico e performático das grandes orquestras, maestros e jovens solistas, conquanto valiosamente enriquecida pela recriação e transcrição de obras clássicas sob inéditos enfoques interpretativos, os forçasse a manter programas com obras mais conhecidas, à guisa de parâmetros comparativos.


Mas ouvindo o que se divulga pelos sites e rádios da internet, que fez o mundo da arte ficar tão pequeno, regozijamo-nos com a quebra dos limites dos repertórios tradicionais, percebidos com bastante nitidez. Já se nota certa tendência à ruptura desses contornos rumo à inesgotável riqueza disponível na literatura artístico-musical, antiga ou por vir. Que o diga – e ele diz e mostra -, o escritor, físico e musicista Klebber Maux, que nos descortina nos textos do jornal A União e em seus programas da Rádio Tabajara um universo musical bem mais profundo do que a fundo já se ouviu.

Como é proveitoso poder especular, pesquisar e se deliciar com descobertas inimagináveis nas web-rádios pelo mundo afora e nos atuais conteúdos que a internet tem propiciado de forma inédita. Defrontar-se com a música composta por mulheres como Cécile Chaminade, Louise Farrenc, Mary Howe, Frances Marion Ralston e do acervo ainda pouco explorado de Clara Schumann é exultante.


A surpresa com as peças para piano de Bruckner, as composições de Nietzsche, Andrea Noferini, Ethel Hier, Josef Myslivecek, Henselt, Roger Quilter, Franz Schmidt, Julius Röntgen, Émile Dalcroze, e de contemporâneos como John Joubert, John Rutter e Stenhammar têm-nos impactado, a cada dia, graças ao que se desvendou por meio do ambiente digital, de maneira espantosa. Atestando e confirmando o que já se supunha: é sagradamente infinito o universo das artes, que ainda muita coisa velha e nova nos trará, enquanto a emoção, entre trancos e barrancos, fusas e colcheias, chuva e lua cheia, for o gás da vida em chamas.

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