Gilberto Freyre é realmente um assunto inesgotável, volto a dizer. Ele sempre está nos surpreendendo com novas facetas, novos ângulos, pelos quais estamos continuamente a colocar mais uma pedrinha no imenso painel de sua múltipla figura, sempre incompleto, do jeito que ele queria que fossem os seus livros, as suas teses, a sua “persona”, enfim.
Incompletude. Esta palavra diz muito sobre o gênio de Apipucos e sua obra. Pois ele nunca pretendeu concluir definitivamente nada em sua rica vida intelectual. Sempre deixou, ao final de seus livros e de suas palestras, algo pairando no ar, uma sutil ou explícita sugestão de que o tema era para ser retomado, por ele ou por outrem, já que fecundo, sempre fértil para outras abordagens, outros olhares.
Reginaldo Valadares
Essa incompletude de Gilberto Freyre tem a ver, naturalmente, com a sua multiplicidade. Ele não era apenas um, mas muitos, incontáveis Gilbertos, na riqueza de seu talento, de suas abordagens, de seus “insights”. Sendo tantos, incluindo seus aspectos ainda não devidamente identificados ou explorados, não poderia nunca ser completo, no sentido de estar, de uma vez por todas, concluído.
FGF
Como se sabe, Freyre, ainda muito jovem, foi estudar nos EUA e na Europa. Quando retornou ao então provinciano Recife, era um desajustado, no sentido de que estava muito à frente de seu meio de origem. E a província, sabemos,
FGF
Mas Gilberto nunca foi o comunista dos usineiros pernambucanos nem o reacionário dos paulistas da USP. Até porque, de tão grande, não cabia – nunca coube – em partidos, ideologias e em definições.
Ainda é Edson Nery da Fonseca, com a credibilidade que lhe é própria, quem esclarece essa questão no seu livro Gilberto Freyre de A a Z, Zé Mário Editor, 2002: “ ... apoiou pela imprensa a Revolução de 1964, da qual logo se decepcionou. Tanto que recusou o convite do presidente Castello Branco para ser ministro da Educação. Gilberto Freyre se considerava, em política, um “revolucionário-conservador”.
Em 1950, Alceu Amoroso Lima fez uma viagem à Europa e esteve na França, onde conversou com diversos teólogos e religiosos importantes. Na época, Alceu já tinha se tornado o principal líder católico brasileiro e seu guru, pode-se dizer, era o filósofo francês Jacques Maritain, considerado então no Brasil um símbolo de avanço, um homem de pensamento arejado, preocupado em conciliar liberdade e justiça. Alceu pensava que Maritain era visto da mesma forma na França. Mas não. Grande foi sua surpresa ao constatar que para os franceses Maritain era respeitado, sim, mas já considerado um “ultrapassado”, até mesmo visto por alguns como situado “à direita”.
Os grandes homens e as grandes mulheres às vezes são assim: paradoxais, contraditórios, pelos menos aos olhos dos simples mortais. Na verdade, porque imensos, são múltiplos – e inexauríveis.