O pêndulo do pensamento ocidental oscila entre realidade e sonho, entre o mundo real e o substrato imaginário, entre o palpável e o intangível.
Há quem diga que a filosofia começou com o pensador, político, geômetra e astrônomo Tales, de Mileto, cidade situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor (atual Turquia). Foi uma época em que se iniciou a busca pela “substância primordial” (“arché”, em grego), que seria a matéria-prima de que são feitas todas as coisas.
Tales de Mileto
Penso, entretanto, que o avanço das ideias surge de polêmicas e do intenso debate entre pessoas que não pensam exatamente da mesma forma. Há pessoas que afirmam com veemência que Platão e seu discípulo Aristóteles são os pensadores que de fato inauguraram as pendengas filosóficas na história da humanidade. Com efeito, todavia, o que, para mim, marca o início da filosofia como questionamento e oposição de argumentos é o embate entre Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia, ocorrido alguns anos antes do clássico Platão x Aristóteles.
Tendo recebido a alcunha de “Obscuro”, Heráclito era um homem um tanto deprimido. Ao final de sua vida, tornou-se um misantropo. Dos seus escritos, restaram cerca de cem fragmentos. Sua teoria de que tudo é composto por fogo nada mais é que a expressão de sua crença de que tudo está em fluxo, ou seja, nada é imutável. “Tudo flui”. “O ser não é mais do que o vir-a-ser”. “O caminho acima e o caminho abaixo são um só e o mesmo.” “Não tocamos duas vezes o mesmo ser”, pois “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio” (as águas seguintes não seriam as mesmas águas em que nossos pés emergiram segundos antes). Muitas dessas frases já foram por nós ouvidas como fórmulas
Heráclito
Para ele, não havia nenhuma constância no Universo. A vida seria uma sequência interminável de nascimento e morte, criação e destruição. Macacos me mordam! Zeus do céu! Heráclito é atual até hoje! Seu pensamento baseado em um movimento perpetuo do mundo, sua concepção de uma realidade dinâmica, de eterna mudança, de um constante vir-a-ser, todo esse arcabouço filosófico construído em um “devir” é a base do pensamento de muitos filósofos ao longo da história: Aristóteles, Montaigne, Voltaire, Hegel, Marx, Nietzsche, Sartre – muita gente boa partiu de Heráclito ou continuou reverberando o sentido inicial de seu pensamento! Não é à toa que é considerado o primeiro grande representante do pensamento dialético.
O não menos grandioso Parmênides era o anti-Heráclito! É sabido que ele escreveu em resposta direta ao filósofo de Éfeso, afirmando que nada pode surgir do nada, ou seja, “o ente é”. Platão simplesmente o chamava de “Grande Parmênides”. Para o sábio de Eleia, o mundo sensível era feito de aparências e ilusões, cabendo à filosofia sistematizar o caos, introduzir uma ordem nele. É considerado o primeiro filósofo a formular os princípios lógicos de identidade e de não-contradição, desenvolvidos depois por Aristóteles.
Parmênides
Voltando ao filósofo pré-socrático, por todos esses traços profundamente estáticos de seu pensamento, Parmênides tem sido considerado o “pai do idealismo”.
Zenão de Eleia
Empédocles de Agrigento e Demócrito de Abdera tentaram conciliar as filosofias de Heráclito e Parmênides. O que se observa, na verdade, é que, ao longo dos séculos, a evolução do pensamento filosófico e reflexivo ocidental parte, no mais das vezes, de constantes tensões e distensões entre sua vertente mais naturalista ou realista e seu viés idealista, entre o sistema aristotélico e o ideário platônico.
Nesse diapasão, Heráclito e Parmênides são gigantes e atingem nossos corações e mentes como marca de gado. São o ponto de partida, desde sempre, de uma boa briga ideológica no mundo ocidental, incluindo-se, neste campo, levando-se em consideração até mesmo os nossos dias, a eterna peleja entre conservadorismo e liberalismo, direita e esquerda, radicais e mais amenos, terreno pantanoso onde vários conceitos se misturam e diversos subgrupos ideológicos surgem, almejando cada um, com carradas de pretensão, ser o dono da verdade “mais absoluta” do universo.