Poesia exige um leitor especial. Não é qualquer um que é habilitado (pelos deuses?) a adentrar sua linguagem, seus segredos e sua beleza. Não importa que o leitor seja afeito aos romances, aos contos, às crônicas e aos ensaios; se ele não possuir a chave dessa porta estranha chamada poesia, ele jamais penetrará nessa casa de tantas moradas; permanecerá sempre do lado de fora desse refúgio de eleitos, dessa confraria de escolhidos. Por isso, são poucos os leitores desse gênero literário, são escassas as vendas dos livros de poemas, apesar de serem muitos os que se aventuram a escrever e publicar nessa seara aparentemente fácil, mas tão arredia, como bem sabem os verdadeiros bardos, os que adotaram, por vocação, essa difícil forma de expressão pela palavra.
Vejo em todo poeta antes de tudo um resistente, pois perseverar num gênero que, normalmente, dá pouco retorno, em termos de público e de reconhecimento,
@spartacusbrasil
Os poemas são romances, contos, ensaios ou memórias resumidos. São súmulas em que se diz muito com palavras poucas, pacientemente escolhidas, ao modo pessoal do poeta, unindo forma e conteúdo para belamente comunicar ideias e emoções, sem clichês nem pieguismo. Daí requererem um leitor especial, apto, em termos de cultura e de sensibilidade, para decifrá-los e frui-los. Não que sua linguagem seja propositalmente hermética, para iniciados, mas há que se revestir o leitor de certos pressupostos, a fim de poder frequentá-los. Definitivamente, estão mais para biscoito fino que para feijoada, os poemas, pérolas que não se atiram a qualquer um.
No prefácio, Hildeberto Barbosa Filho, poeta e crítico, faz uma oportuna e correta advertência: “Aqui, não procure o leitor, malabarismos experimentais, ousadias linguísticas, sondagens espaço-visuais, sintaxe tipográfica, neologismos e desconstrução lexical que tanto atraem epígonos e diluidores das ilusões vanguardistas. Herdeiro, diria, do segundo modernismo, ou seja, dos modernistas modernos,
@hildebertobarbosafilho
Sobre o título Chão Lavrado, impõem-se algumas considerações rápidas deste simples leitor. Primeiro a singela beleza, que repete a dos títulos anteriores. Duas palavras comuns, chão e lavrado, e que, no entanto, são tão ricas de significados, principalmente se tomadas levando-se em conta não só o livro em si, mas também a própria trajetória do poeta. Depois, chão lavrado, sabemos, é a terra que foi trabalhada pelo agricultor; e representa, num certo sentido, o trabalho concluído pelo camponês, à espera agora da semeadura e da colheita. Pergunto então: esse chão de Jales seria preparação ou conclusão? Seu chão poético não terá sido, além de lavrado, também semeado, sendo
Hildeberto acertou também ao observar a expressiva presença simbólica do mar no Chão Lavrado. Paradoxo? De jeito nenhum. São os mistérios da poesia, simplesmente. Aqueles mesmos que poderiam fazer o sertão virar mar e o mar virar sertão, para usar a bela expressão atribuída a Antônio Conselheiro.. Se o poeta assim deseja, tudo é chão e tudo é mar, porque, como a todo artista, ao poeta tudo se permite.
Esclarece Jales, em suas “Palavras ao leitor”, que a poesia é muito mais uma forma de perguntar que de responder. De fato. Ao poeta – e aos artistas em geral –, não cabe oferecer respostas a ninguém. Se ele consegue oferecer ao leitor indagações que este próprio formularia, já está de bom tamanho. O poeta não é um ideólogo nem um doutrinador. É um eterno aprendiz da vida. E se é verdadeiramente bom, assim permanecerá, nunca sonhará em ser professor de ninguém.
Poderia destacar vários poemas que foram do meu especial agrado, porque tocaram, em alguma medida, uma certa corda de minha lírica pessoal. Transcreverei a seguir, para concluir, O poema eterniza o instante. Que ele sirva como aperitivo para o leitor sedento de muito mais.
“O poema eterniza o instante
O poema eterniza
o instante:
luzes na madrugada,
canto órfico dos pássaros,
vozes dispersas que não se encontram.
O poema eterniza
o instante:
e se recolhe a velhos mosteiros
à espera de rituais de silêncio.”
E o poema eternizou também o instante em que foi escrito. Bravo!