De fato. São Paulo fica muito longe, nem tanto pelas léguas de terras ou pelas milhas de voo como pelo que pesa na cabeça dos paulistas...

Ficou mais longe

nostalgia sao paulo velhice
De fato. São Paulo fica muito longe, nem tanto pelas léguas de terras ou pelas milhas de voo como pelo que pesa na cabeça dos paulistas ou dos que a eles se acostam para a vida inteira. É o que sempre pensei.

Meia dúzia de vezes que andei por lá - uma delas para entrar na fila sem fim (e como fazia frio!) do hospital público das Clínicas; algumas para consulta médica particular, e as restantes em missões profissionais – de nenhuma delas cheguei aqui com vontade de voltar.

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São Paulo (SP) @prefeitura.sp.gov.br
Das muitas vezes que desci no Recife e terminei de carro experimentando a felicidade de reembolsar-me à Rua da Palmeira, só eu sei o prazer existencial desse momento.

Sim, porque a Rua da Palmeira continua em seu casario, haja vista o postal de casa de Arnaldo Tavares ilustrando a rua de entrada de todas as cidades natais do mundo. São Paulo não tem igual, nem o Rio. De nenhuma dessas fantásticas cidades a gente sabe a rua do começo. Sabe onde ficam o monumento aos Bandeirantes, o Pão de Açúcar logo de cara, o Louvre; mas a rua da Palmeira, a abençoada rua de chegada, do abraço, do reencontro com a terra e principalmente conosco, nunca se sabe, fora daqui, onde fica.

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Monumento aos Bandeirantes (SP)
Prefeitura de São Paulo
Mas as cidades, pesadas ou monumentais que sejam, não são tão irremovíveis quanto nos parecem. Nem tão duras, impenetráveis, que um telefonema, uma soltura antiga de linha de coruja não possa fazê-las pousarem em nosso coração.

Vejam só o que aconteceu há alguns anos. Reparem em como São Paulo ficou mais perto, como se passou num instante para o meu lado doméstico.

Quem é? – perguntei com raiva, supondo fossem aquelas vozes gravadas que começam inquirindo-nos o CPF. Ia desligar o telefone quando, por sorte, ouvi a voz que já havia me chamado de outros tempos. Voz recôndita, é isto, e que aos poucos foi se chegando, aclarando. “É Ubirajara, Luiz, Ubirajara do Censo de 1950, Bira.”

Ele é o último partícipe vivo dos nossos 7 anos de idade. Fora levado ao sítio de tia Tonina pela mão de Zala, sua mãe, irmã de criação de minha mãe, quando nos acamaradamos.

“Tás onde, Bira?!”/ “Estou onde quase sempre estive, em São Paulo, aqui em São Bernardo”.

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GD'Art
Mora por lá desde que nos apartamos. Deve ter ingressado no comércio como “paraíba” e saindo como paulista, membro da Associação Comercial. Nos vimos aqui faz alguns anos, ele de férias na colônia do Sesc. Bem de vida e de riso.

Depois perdemos o contato, ele de tanto telefonar e eu de não ouvir, quase surdo.

Deram-me um aparelho novo e um dispositivo no celular que aumenta duas ou mais vezes o volume do som, da fala, mas não distingue as sílabas. Numa frase de dez ou mais palavras não chego a distinguir as sílabas e perco a paciência e o tempo de esperar alguma coisa do celular.

— O problema não é do aparelho, seu Gonzaga, é de sua completa inabilidade para essas coisas — terminou dizendo a moça da loja, já na intimidade com os humores da minha deficiência auditiva e da minha idade avançada.

Chego em casa e a servidora que nos ajuda além da cozinha ficou sem jeito no seu esforço silábico para me dizer: “Seu Luiz, um homem de São Paulo telefonou (e ela gaguejando) e perguntou se o senhor, desculpe, se o senhor ainda está vivo.”

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