A razão pela qual um mau militar diz seguir, antes de tudo, valores como a honra, o dever, a ordem e o patriotismo, é que estes “concei...

O herói

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A razão pela qual um mau militar diz seguir, antes de tudo, valores como a honra, o dever, a ordem e o patriotismo, é que estes “conceitos” podem ser por ele mesmo definidos, distorcidos e manipulados ao seu bel prazer.

Um verbete descrito num dicionário não é um imperativo de conduta, mas a Constituição, sim. É um caso típico. Quem não se dispõe a se submeter às leis, mas deseja criar o seu próprio projeto particular de tirania, costuma agir desse modo.

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S. Pellegrini
A feitura de uma Constituição implica na convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, que é o órgão colegiado próprio para isso. É no ambiente de uma Assembleia Constituinte, estabelecida pelo povo, que a Carta Magna é redigida ou reformada. Nela é estabelecida a ordem político-institucional do Estado, a qual devem se submeter todos os cidadãos e instituições públicas. Nas democracias, a Constituição expressa a síntese dos diferentes interesses e vontades amainadas pelo debate e pelo diálogo dos representantes do povo que, ouvindo a sociedade, produzem leis que buscam atender as demandas e necessidades comuns, com o máximo de conformidade com a demanda popular.

Obedecer a Constituição, portanto, é obedecer o interesse público, expresso através do mais importante documento do país. Portanto, não existe maior traição à pátria do que trair a vontade do povo, do que descumprir a Constituição, sob a alegação de que deseja fazer valer a sua própria interpretação de “patriotismo”. O adepto do autoritarismo é arrogante, pretencioso e vaidoso; o da democracia é humilde. Ele aceita e se submete a vontade da maioria.

Essa é a cultura democrática básica que deveria estar presente em todo agente público, seja ele civil ou militar.

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“Patriotismo” ao longo da história, tem sido a desculpa mais utilizada por patifes e candidatos a tiranetes. De Benito Mussolini a Victor Orban, todos os que se aproveitaram dessa desculpa, propuseram o resgate de valores e princípios “patrióticos”, como solução contra uma suposta decadência moral causada pelo “inimigo da pátria”, que, frequentemente, apenas consiste no grupo político ou social que se pretende hostilizar ou destruir. Mas esta é somente a espoleta do ódio. Com o tempo, qualquer um que não concorde totalmente com o projeto autoritário, é considerado como inimigo e, portanto, um alvo a ser eliminado. Como elementos comuns a todos os discursos fascistas, encontramos, também, a determinação em se destruir tudo, para recomeçar “do zero”; a valorização da violência, do vandalismo e da brutalidade como ferramentas para construção do “novo”; o culto a personalidade do líder, tomado como modelo de comportamento, e slogans que estimulam a adesão a conceitos erráticos e a um projeto político indefinido e sem substância.

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O “patriotismo” e o “heroísmo” são idéias com as quais se deve lidar com muito cuidado.

Ainda que o heroísmo do personagem Enjolras, de Victor Hugo, seja em prol de um novo regime político e de uma sociedade que atendesse as necessidades de todos, o seu ímpeto que encorajava outros a morrer por tais ideais, nas mãos de alguém ambicioso e sagaz, poderia ser desviado para outros propósitos. Em política, facilmente se pode passar das boas intenções aos piores equívocos. Talvez, por isso, Leon Tolstói tenha sido um cético radical na capacidade da violência e das guerras produzirem qualquer forma de justiça ou de beleza. Procurado pelos revolucionários bolcheviques, que simpatizavam com suas ideias, recusou-se a apoiá-los, pois considerava que qualquer movimento político que lançasse mão da violência para ter sucesso, estaria fadado ,também, a sempre fazer uso dela para se manter.

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No Hípias Maior, texto no qual Platão aborda a questão do belo, Sócrates dialoga com o Sofista sobre qual seria a sua melhor definição. Após algumas tentativas, ele chega a propor que a beleza consiste nos atos heróicos daqueles que participaram de guerras em defesa de suas cidades-estados.

Sócrates, então, questiona se a beleza pode ser bela num lugar e, em outro, não.

Diante da surpresa do sofista, que não conseguiu entender aonde o filósofo pretendia chegar, Sócrates explica que, na cidade do pretenso herói, certamente ele seria celebrado e teria os seus atos de bravura tidos como virtuosos, ou seja, os seus feitos, de fato, seriam considerados belos entre seus compatriotas. Porém, na cidade que perdeu a batalha, ou que foi vítima da ação bélica do “herói”, ele seria visto como um assassino, como um invasor e como um biltre. Lá, entre aqueles que sofreram os efeitos da sua fúria, ninguém o louvaria nem consideraria belo o seu comportamento.

Embora eu até compreenda a exaltação do patriotismo e do heroísmo bem direcionados, como os do grande escritor francês Victor Hugo e do cineasta norte-americano Frank Capra, o conceito de “herói” que mais me comoveu, até hoje, foi mesmo aquele que li, um dia, num poema de Judas Isgorogota, pseudônimo do genial poeta e jornalista alagoano Agnelo Rodrigues de Melo:

“Papai, o que é um herói? Eu pergunto porque tenho grande vontade de ser herói também... Será que posso ser herói sem entrar numa guerra? Será que posso ser herói sem odiar os homens E sem matar alguém?” O homem que já sofrera as mais fundas angústias E as mais feias misérias Trabalhando a aridez de uma terra infecunda Para que não faltasse o pão no pequenino lar; O homem que as mais humildes ilusões perdera No seu cotidiano e ingrato labutar; Aquele homem, ao ouvir a pergunta do filho: “Papai, o que é um herói?” Nada soube dizer, nada pôde explicar... Tomou de uma peneira E cantando saiu, outra vez a semear!

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