A razão pela qual um mau militar diz seguir, antes de tudo, valores como a honra, o dever, a ordem e o patriotismo, é que estes “conceitos” podem ser por ele mesmo definidos, distorcidos e manipulados ao seu bel prazer.
Um verbete descrito num dicionário não é um imperativo de conduta, mas a Constituição, sim. É um caso típico. Quem não se dispõe a se submeter às leis, mas deseja criar o seu próprio projeto particular de tirania, costuma agir desse modo.
S. Pellegrini
Obedecer a Constituição, portanto, é obedecer o interesse público, expresso através do mais importante documento do país. Portanto, não existe maior traição à pátria do que trair a vontade do povo, do que descumprir a Constituição, sob a alegação de que deseja fazer valer a sua própria interpretação de “patriotismo”. O adepto do autoritarismo é arrogante, pretencioso e vaidoso; o da democracia é humilde. Ele aceita e se submete a vontade da maioria.
Essa é a cultura democrática básica que deveria estar presente em todo agente público, seja ele civil ou militar.
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Ainda que o heroísmo do personagem Enjolras, de Victor Hugo, seja em prol de um novo regime político e de uma sociedade que atendesse as necessidades de todos, o seu ímpeto que encorajava outros a morrer por tais ideais, nas mãos de alguém ambicioso e sagaz, poderia ser desviado para outros propósitos. Em política, facilmente se pode passar das boas intenções aos piores equívocos. Talvez, por isso, Leon Tolstói tenha sido um cético radical na capacidade da violência e das guerras produzirem qualquer forma de justiça ou de beleza. Procurado pelos revolucionários bolcheviques, que simpatizavam com suas ideias, recusou-se a apoiá-los, pois considerava que qualquer movimento político que lançasse mão da violência para ter sucesso, estaria fadado ,também, a sempre fazer uso dela para se manter.
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Sócrates, então, questiona se a beleza pode ser bela num lugar e, em outro, não.
Diante da surpresa do sofista, que não conseguiu entender aonde o filósofo pretendia chegar, Sócrates explica que, na cidade do pretenso herói, certamente ele seria celebrado e teria os seus atos de bravura tidos como virtuosos, ou seja, os seus feitos, de fato, seriam considerados belos entre seus compatriotas. Porém, na cidade que perdeu a batalha, ou que foi vítima da ação bélica do “herói”, ele seria visto como um assassino, como um invasor e como um biltre. Lá, entre aqueles que sofreram os efeitos da sua fúria, ninguém o louvaria nem consideraria belo o seu comportamento.
Embora eu até compreenda a exaltação do patriotismo e do heroísmo bem direcionados, como os do grande escritor francês Victor Hugo e do cineasta norte-americano Frank Capra, o conceito de “herói” que mais me comoveu, até hoje, foi mesmo aquele que li, um dia, num poema de Judas Isgorogota, pseudônimo do genial poeta e jornalista alagoano Agnelo Rodrigues de Melo:
“Papai, o que é um herói?
Eu pergunto porque tenho grande vontade de ser herói também...
Será que posso ser herói sem entrar numa guerra?
Será que posso ser herói sem odiar os homens
E sem matar alguém?”
O homem que já sofrera as mais fundas angústias
E as mais feias misérias
Trabalhando a aridez de uma terra infecunda
Para que não faltasse o pão no pequenino lar;
O homem que as mais humildes ilusões perdera
No seu cotidiano e ingrato labutar;
Aquele homem, ao ouvir a pergunta do filho:
“Papai, o que é um herói?”
Nada soube dizer, nada pôde explicar...
Tomou de uma peneira
E cantando saiu, outra vez a semear!