Sandrinha acorda muito cedo, ergue os braços ao céu e sai pela areia da praia do Cabo Branco louvando o sol nascente. Sua cama é um dos banquinhos de cimento da calçadinha e sua morada é um oleado que cobre seus teréns (e são muitos). Em seguida, recolhe seu “imóvel” e carrega tudo para sua segunda casa, defronte ao bar do Cuscuz, onde ocupa a sombra de três frondosas árvores à beira-mar. Nunca vi Sandrinha perturbar ninguém; nada pede e, no seu mundo particular, deve ser muito feliz, porque jamais reclama. Só quer que a deixem na paz da praia.
Celyn Kang
A segunda filial ele estacionou já no contorno da avenida Cabo Branco, em frente ao último hotel da orla. “Vendeu” a matriz a um parente, que só se deu conta de ter comprado um espaço público (pelo menos é assim que são tratadas as vagas de estacionamento) quando foi posto para fora pelos diligentes fiscais da Prefeitura, que posteriormente recolheram os estoques e materiais das duas filiais de Ari. O empreendedor viu-se à beira-mar sem ter como fazer seu sustento e decidiu mudar de ramo; do dia para a noite apareceu nas areias do Cabo Branco trajando um paletó, com uma Bíblia na mão, pregando o que ele entendia ser a palavra de Deus. A coisa complicou quando ele arranjou umas seringas e tentou fazer uma campanha de vacinação. Desapareceu Ari.
Celyn Kang
Que saudade de tanta gente feliz que vivia além das peias do “normal”. Tenho receio de que algum serviço público vá tirar Sandrinha do seu particularíssimo modo de vida.
Por favor, deixem Sandrinha ao sol, morando na sua felicidade.