Sandrinha acorda muito cedo, ergue os braços ao céu e sai pela areia da praia do Cabo Branco louvando o sol nascente. Sua cama é um dos...

Sandrinha ao sol

personagens urbanos cotidiano litoral
Sandrinha acorda muito cedo, ergue os braços ao céu e sai pela areia da praia do Cabo Branco louvando o sol nascente. Sua cama é um dos banquinhos de cimento da calçadinha e sua morada é um oleado que cobre seus teréns (e são muitos). Em seguida, recolhe seu “imóvel” e carrega tudo para sua segunda casa, defronte ao bar do Cuscuz, onde ocupa a sombra de três frondosas árvores à beira-mar. Nunca vi Sandrinha perturbar ninguém; nada pede e, no seu mundo particular, deve ser muito feliz, porque jamais reclama. Só quer que a deixem na paz da praia.

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Celyn Kang
Já Ari era José quando dirigia para um certo empresário local. Decidiu empreender e estacionou uma velha caminhonete à beira-mar do Cabo Branco, vendendo cocos. Deu certo e começou a expansão do negócio, autonomeando-se “Ari, o rei do coco”. A primeira filial foi estacionada em frente à antiga casa de Paulo Miranda, tendo expandido a ocupação do espaço público do estacionamento para uma enorme área de praia, que cuidou de privatizar na marra.

A segunda filial ele estacionou já no contorno da avenida Cabo Branco, em frente ao último hotel da orla. “Vendeu” a matriz a um parente, que só se deu conta de ter comprado um espaço público (pelo menos é assim que são tratadas as vagas de estacionamento) quando foi posto para fora pelos diligentes fiscais da Prefeitura, que posteriormente recolheram os estoques e materiais das duas filiais de Ari. O empreendedor viu-se à beira-mar sem ter como fazer seu sustento e decidiu mudar de ramo; do dia para a noite apareceu nas areias do Cabo Branco trajando um paletó, com uma Bíblia na mão, pregando o que ele entendia ser a palavra de Deus. A coisa complicou quando ele arranjou umas seringas e tentou fazer uma campanha de vacinação. Desapareceu Ari.

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Celyn Kang
O mesmo deu-se com Seu Carlos Alberto. Era a alegria da calçadinha. Já me referi a ele em outros escritos. Quando o perturbavam, vinha até mim para que tomasse as providências. Eu tinha muito prazer em organizar seus aniversários, sempre levando um bolo, salgadinhos e refrigerantes. Mesmo sendo tudo gratuito, ele me insultava quando, no meio dos guaranás, aparecia uma garrafa de Coca-Cola. A memória de minha mãe sofria, viu? Mas era uma graça. Nunca mais foi avistado.

Que saudade de tanta gente feliz que vivia além das peias do “normal”. Tenho receio de que algum serviço público vá tirar Sandrinha do seu particularíssimo modo de vida.

Por favor, deixem Sandrinha ao sol, morando na sua felicidade.

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