A reconstituição de uma época riquíssima,
num romance ágil, denso e original.
num romance ágil, denso e original.
A ficção é a melhor forma de se assistir aos acontecimentos de uma parte do passado como se fosse ao vivo. Tornam-se incrivelmente presentes, nos grandes romances, aquela gente que resistiu à invasão napoleônica em Moscou, aqueles americanos ricos que vagaram pela Europa no entreguerras, aqueles paraibanos que viveram o Ciclo da Cana-de-Açúcar. O Silêncio do Delator, de José Nêumanne, tornou-se, na mesma linha, a maneira mais perfeita de se ver o que foram os muitos grupos de jovens brasileiros dos anos 60, apaixonados – e marcados – por Bob Dylan, Mao e Che, pelos Beatles, mais o cinema de Glauber e Godard, além do tórrido tempero da revolução sexual.
Jean-Luc Godart e Glauber Rocha portalbrasileirodecinema.com.br
— Nos idos de 67 — segundo me disse — Bráulio Tavares presidia o Cineclube de Campina Grande; eu, o Glauber Rocha. Eu programava o Cinema de Arte do Cine Capitólio; ele, a sessão Cultura do Cine Babilônia.
Cine Capitólio (Campina Grande) Bráulio Tavares
Assim, O Silêncio do Delator nos traz do passado a juventude idealista e culta que sequestrou um embaixador, protestou contra a guerra do Vietnã, padeceu a ditadura, idolatrou Woodstock; viu mil vezes A Chinesa, de Godard, e Os Retratos da Vida, de Lelouch; analisou telas de
— O livro de Nêumanne — diz Affonso Romano de Sant’Anna — realizou, de modo original, aquilo que tantos tentaram: o romance de minha geração.
De modo original? Sim, porque, entre outras coisas, O Silêncio do Delator é um enorme monólogo em que um autor incerto orquestra as vozes de todo um grupo de velhas figuras — marcantes no seu tempo — reunidas agora no funeral de uma delas, o Morto, com quem faz duo constante (numa brincadeira com o Brás Cubas, de Machado). Falam, aí, a historiadora; o publicitário rico que não conseguiu se impor como romancista; a psicanalista; o ex-guerrilheiro que fez fortuna especulando na bolsa; o militante comunista que virou ministro; o popstar que é gay; o artista plástico que ficou na miséria; etc., etc.
José Nêumanne Pinto
— Tudo o que estiver ao meu alcance será revelado neste velório — promete, objetivamente, o início de O Silêncio do Delator. Mas isso, capciosamente como no título, não é cumprido, pois, enquanto García Márquez cria nomes precisos para os habitantes de sua precisa Macondo, como José Arcádio Buendía, Amaranta, Remédios, mais Úrsula Iguarán; enquanto, no Grande Sertão: Veredas, vigoram os mineiros José Simpilício, Titão Passos, Jazevedão ou Fafafa, Nêumanne vai chamando suas personagens femininas de Helena, Penélope e Hebe, obtendo com isso uma desindividualização-generalização semelhante às das máscaras do teatro grego, colocando todo mundo — isso é ainda mais significativo — em alguma cidade do país da qual não se sabe o nome, nem a que estado ou região pertence. Acaba-se chegando, com isso, por vias indiretas, ao “poético” necessário ao gênero herdeiro da Ilíada e da Eneida.
GD'Art
Bem, falou-se e fala-se muito, merecidamente, de A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. Acho que está na hora de se fazer igual barulho em torno de todo esse Silêncio, para que se faça justiça à sua retumbante fortuna crítica, à qual venho juntar este meu tarol.
* Do livro “Sobre 50 livros (brasileiros / contemporâneos) que eu gostaria de ter assinado”. Ed. Ideia, 2012 - Disponível na Amazon























