O envelope marrom estava sobre a mesa, à luz suave do entardecer. Dentro dele, o aviso de demissão que ela já esperava há semanas. A empresa enxugava-se, diziam. E ela era uma das gotas sobrando.
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Foi numa tarde chuvosa, enquanto reorganizava a estante pela terceira vez, que ela encontrou o caderno. Capa azul-gastada, páginas amarelecidas. Lá estavam seus planos de juventude: viajar pelo interior, aprender francês, escrever um livro de contos. Tudo soterrado sob uma década de entregas atrasadas e metas trimestrais.
O coração deu um salto, não de nostalgia, mas de susto. Como deixara a vida encolher tanto? Como permitira que uma única identidade profissional ocupasse todo o espaço de quem ela era?
A coragem, descobriu, não morava nos grandes gestos. Não estava no discurso empolado diante do espelho, nem na lista dramática de resoluções. Ela habitava nos atos simples: acordar e fazer caminhada mesmo sem vontade; responder à tia preocupada que "sim,
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A verdadeira bravura estava em não se agarrar ao capítulo que terminou, por mais confortável que fosse a nostalgia. Entender que um fim não é um fracasso, mas um ponto final necessário para que novas frases possam ser escritas.
Hoje, seis meses depois, ela serve café na mesma varanda. À sua frente, a página em branco do laptop não a assusta mais. As palavras vêm devagar, tímidas ainda. Ela não é uma escritora consagrada, é apenas uma mulher que redescobriu o sabor do tempo. O francês ainda trava na língua, as viagens são apenas para cidades vizinhas, mas a vida voltou a ter cheiro de terra molhada depois da chuva.
O envelope marrom acabou na reciclagem, mas o caderno azul permanece sobre a mesa, aberto numa página nova. Nele, ela escreveu outras manhãs, outros sonhos ajustados à mulher que se tornou. A coragem percebeu a importância da quieta decisão de virar a página, quando a história termina.
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A vida não é um livro estático numa estante. Ela insiste em ser escrita, e há um impulso, talvez o mais nobre em nós, que nos empurra para frente. Então respire fundo, deslize os dedos pela borda do papel, e vire. Nele você pode escrever novas histórias, cometer novos erros, cantar novas canções, amar de formas que ainda não conhece. Por fim, descobrir que virar a página é apenas um ato de fé no próprio futuro, um voto de confiança na própria capacidade de recomeçar. Aceitar que a história pode ser escrita mais bela do que foi.





















