Quando me aposentei, em julho do ano passado, depois de 45 anos como professor sempre presente na sala de aula, recebi do governo federal, através de seu aplicativo, um e-mail de duas linhas. Na primeira linha, agradecia os meus préstimos como funcionário público; na segunda, advertia-me para a possibilidade de ter os meus vencimentos bloqueados, se, a cada ano, no mês do meu aniversário, eu não fizesse a famigerada “prova de vida”. Do meu Departamento, na Universidade, onde fui professor por 37 anos, uma palavra sequer foi pronunciada.
Nas últimas semanas o mundo tem tido notícia de um produto revolucionário da Inteligência Artificial – o ChatGPT. Ele seria capaz de elaborar cálculos matemáticos ultracomplexos e produzir textos dos mais variados tipos. Por essas características, entre muitas outras, vem empolgando cientistas, artistas e intelectuais. Ao mesmo tempo lança uma sombra de medo nos que temem a concorrência com a IA e traz à baila o velho temor de o homem ser superado por ela.
Quanto podemos nos dedicar com sabedoria e perspicácia em nome de nossos entes queridos, e dos que lutam pelo mesmo ideal social que trabalhamos de sol a sol?
Pensando sobre isso, quando perdemos alguém que amamos se vai muito do que fomos, aquilo tudo vivido em conjunto e outro tanto que ainda aquecia nosso viver, e por fim, metade de nós fica a se mirar em um espelho com olhar envelhecido.
Lembro-me de Chico Belmiro, frequentador de uma roda de amadurecidos, para não falar em velhos, sob as frondes convidativas das folhas da Praça Venâncio Neiva a esparramarem tranquilas sombras e frescas brisas vesperais. Reuniam-se pelos puxares dos entardeceres medianos, enquanto se anunciava a chegada da noite com os primeiros frequentadores do Pavilhão do Chá, tomando assento e pedindo a primeira cerveja geladinha.
O leitor lembra da imponente águia no topo da cúpula do antigo prédio do jornal A União, na Praça João Pessoa? Os mais jovens provavelmente nada sabem a respeito. Mas eu e meus contemporâneos nos lembramos. Era bela e imensa, provavelmente de bronze, de asas abertas, reinando, de sua altura, sobre toda aquela área, na esquina da praça com a rua Duque de Caxias, harmonicamente dialogando com os demais prédios históricos do entorno. Era para ser eterna, como se eternizam, no mundo civilizado, monumentos semelhantes. O prédio do jornal também era para se eternizar, junto com o Palácio da Redenção, o Palácio da Justiça e a antiga Faculdade de Direito, todos compondo, ao redor
Cúpula da fachada de A União ALPB
da praça, um conjunto arquitetônico único em nossa urbe de mais de quatro séculos. Era – mas não foram. Assim como também não foi a belíssima igreja que existia colada ao Palácio da Redenção, derrubada, sem maior razão, no final dos anos 1920, deixando no lugar apenas um vazio denunciador do desapreço dos governantes pelo patrimônio cultural.
Olho atentamente para a borboleta verde-limão que pousa sobre um narciso e penso em nós dois. É começo de primavera e a brisa carrega partículas de gelo das montanhas que me cercam. Microscópicos flocos de neve devem pesar sobre as asas das borboletas, digo enquanto tomo a decisão de me afastar de ti. Hoje eu me concedo um tempo sozinha. Porque preciso; porque às vezes a proximidade sufoca e a presença alheia – mesmo a de um amado –
Da praça em alvoroço
os olhos
postos da janela
jogavam a paisagem
nas idéias
a praça
grávida de povo
discursava pela vida
os verbos do novo
o homem
montado no discurso
guardava nos olhos
o jeito do futuro.
Em 1968, a lista castrense de punidos da UFPB deu-me a conhecer de nome o jovem professor José Jackson Carneiro de Carvalho, da Faculdade de Filosofia e Letras. Quatro anos antes, o capitão com quem a ditadura substituiu o civilista Mário Moacyr Porto já havia me penalizado atando-me a um clipe e devolvendo-me ao quadro de redatores do Estado.
Servaes Carpentier tinha 31 anos, em 1630, quando chegou ao Recife nas primeiras levas de neerlandeses e pessoas de outras nacionalidades que foram recrutadas pela Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie) - WIC, uma empresa comercial que fora constituída por acionistas para, dentre outros objetivos, empreender, em regime de monopólio concedido pelas Províncias Unidas dos Países Baixos, a conquista e a exploração de terras no Nordeste brasileiro.
Bendito o tempo que conduz nossa vida, que acrescenta experiência, que nos dá sapiência, que nos oferece a oportunidade de construirmos nossa identidade, que nos proporciona astúcia para compor uma biografia.
O envelhecimento vem me ensinando a viver plenamente, e a abraçar a vida com sentimentos de amor-próprio. Vejo com clareza meu sentir e o quanto sou corajosa em redesenhar o roteiro da vida. Concluo que a felicidade está em mim. Reconheço minhas imperfeições, meus medos, minha vulnerabilidade, mas sou a dona do meu espaço amoroso e nada abalará essa enorme certeza do quanto minha vida é rara e preciosa. Tento conservar meu próprio tom nesse enredo musicado que vai fortalecendo minha natureza e crescendo como crescem todos os seres vivos.
O milagre da poesia viva
O CD girando sou eu
Vivo o milagre da vida
Como se fosse música
Livre dos julgamentos severos
À espera de um dia de mar
Um beijo de criança
Um olhar
Leve ave
Que passeia os olhos
Pela janela da sala
A planta cresce
Os olhos não percebem
mas ela cresce …
As unhas
Os cabelos
Crescem
O cenário é a senhoria de Tanis, na Normandia, na Mancha, noroeste da França. O ano é 1793. A França se encontra sob o regime político da Convenção Nacional (1792-1795), braço da Revolução Francesa que, se por um lado consolida a revolução, por outro lado instaura um regime de terror, com medidas extremas, próximo a uma ditadura. O mês é junho. Já haviam se passado quatro meses, desde que Luís XVI fora guilhotinado, mas a guerra entre realistas e republicanos está longe de acabar.
A poesia não é fácil de se fazer, nem de se entender, perdoem o óbvio. Principalmente ao se valer de metáforas, de traços emocionais singulares do autor, sentimentos vivenciados no passado, no instante presente ou no que há por vir.
Quando meus pais perderam tudo, não tinham evidentemente condições de contratar um advogado para defender a família nas centenas de causas judiciais que pipocaram por todos os lados. Então, fui estudar Direito e, desde o primeiro dia de aula, já estava atazanando o juízo de amigos advogados para me ajudarem a peticionar.
Meus maravilhosos professores da UFPB muito me ajudaram e fui empurrando com a barriga o quanto pude a avalanche de broncas que só aumentava. Mas isso é história para outros escritos. O que importa hoje é relatar como sobrevivi sem nenhuma fonte de renda
Que bela, valiosa e oportuna iniciativa esta que junta representações dos Ministérios Públicos Comum, Federal e de Contas, do Tribunal de Justiça, da Procuradoria Geral da República, da Advocacia Geral da União e das Polícias Federal e Militar na proteção dos bens naturais, culturais, históricos e artísticos da Paraíba.
Os pombos fazem um banquete na calçada da praça, vasculham qualquer coisa que os alimente, ciscam toda a área. Eles ocupam também a fiação, empoleirados e, a cada dia, retornam com novos pássaros. Os homens vasculham restos que os alimentem. Buscam a sobrevivência em latas de lixo, portas de lojas, embaixo de marquises. Ilícitas presenças no horizonte barradas por muitos concretos, a mais dura, a realidade, que de tão forte e violenta causa o grito silencioso do olhar do menino pobre de posses, rico de ausências, onde a fome é presença.