No último dia 3 de outubro, o governador João Azevedo e o secretário de Cultura do Estado Pedro Santos inauguraram o Museu de História da Paraíba. Movido pela curiosidade, fui ver a transformação em museu do velho Palácio da Redenção. Dentre os vários ambientes da antiga sede do governo estadual me detive observando a reação das pessoas com relação à exposição digital “Criatividade e Pensamento” que homenageia diversas personagens paraibanas.
A mostra contempla personalidades do Estado que se destacaram em várias atividades: na poesia, no teatro, na música, no cinema, na televisão, nas artes plásticas, na literatura, na imprensa, no pensamento, na educação, na ciência, na política, na defesa dos direitos sociais dos trabalhadores e nas lutas que consolidaram a nação brasileira.
A escolha dos nomes incluídos na exposição digital procurou diversificar as suas áreas de atuação e distribuí-los pelas diversas regiões do Estado. Alguns deles são bastante conhecidos, como José Lins do Rego, Ariano Suassuna, Assis Chateaubriand, Augusto dos Anjos, Pedro Américo, Epitácio Pessoa, Celso Furtado, Jackson do Pandeiro, Vidal de Negreiros, José Américo de Almeida, dentre outros. Mas, com relação a muitos dos personagens expostos, os comentários que ouvi refletiam um total desconhecimento sobre eles:
⏤ “Eu nunca tinha ouvido falar nesse paraibano.”
⏤ “Não sabia que ele era da Paraíba.”
⏤ “Inácio da Catingueira??"
⏤ “Pensei que Dom Vital fosse de Pernambuco.”
⏤ “Conheço as ruas, mas nada sei sobre eles.”
⏤ “Eu não sabia que a música Primavera de Tim Maia era de um campinense.”
⏤ “Fez muitas novelas na Globo, não sabia que era de Pocinhos.”
⏤ “Esse Antônio Guedes Barbosa foi mesmo um dos principais pianistas do mundo?”
Diogo Velho, Maciel Pinheiro, Cardoso Vieira, Aristides Lobo, José Peregrino são conhecidos nomes de ruas e logradouros, mas pouco se sabe sobre eles. O agitador político e revolucionário Antônio Borges da Fonseca, um dos principais nomes da imprensa brasileira na primeira metade do século 19, é praticamente desconhecido pelos seus conterrâneos. A educadora Olivina Olívia Carneiro da Cunha é apenas um nome de uma escola. O pianista Antônio Guedes Barbosa é desconhecido até por paraibanos bem informados na área cultural. E o que dizer de Ratinho (que fez famosa dupla com Jararaca), compositor e instrumentista cultuado por nomes como Altamiro Carrilho e Paulo Moura e autor de Saxofone por que choras?, um clássico do choro? E Santa Rosa, Zé Marcolino, Pereira da Silva, Cassiano, Zé do Norte e tantos outros?
Olivina Olívia
Antônio Guedes Barbosa
Cassiano
A exposição digital instalada no Museu de História da Paraíba utiliza na apresentação dos nomes da mostra depoimentos de personalidades abalizadas nas suas respectivas áreas de atuação, como os que são em seguida apresentados:
Crônica de Carlos Drummond de Andrade sobre Leandro Gomes de Barros (nascido em Pombal) publicada, em 09.09.1976, no Jornal do Brasil:
“Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo o resultado a má informação porque o título, a ser concedido, só podia caber a Leandro Gomes de Barros,
Leandro Gomes de Barros ▪ Pombal, 1865 – Recife, 1918
nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição [...] Barros tem 237 obras catalogadas [...] Calcula-se, porém em mais de mil o número de suas produções [...] espalhava seus versos em folhetos de cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pé no chão [...] Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro”
O escritor Machado de Assis sobre Dom Vital (nascido em Pedras de Fogo), em crônica publicada, em 24 de janeiro de 1897, em A Semana:
“Nenhum lutador mais impetuoso, mais tenaz e mais capaz que D. Vital, bispo de Olinda, e a impressão que este me deixou foi extraordinária [...] Vi-o uma só vez, à porta do Tribunal [...] A figura do frade, com aquela barba cerrada e negra, os olhos vastos e plácidos, cara cheia, moça e bela [...] com um grande ar de desdém e superioridade, alguma coisa que o faria contar como nada tudo o que se ia passar perante os homens”
Dom Vital (Antônio Gonçalves de Oliveira Junior) ▪ Pedras de Fogo, 1844 – Paris, 1878
Luís da Câmara Cascudo no seu livro Vaqueiros e Cantadores (Editora do Globo, Porto Alegre, 1939) sobre Inácio da Catingueira (nascido em Catingueira):
“Inácio da Catingueira, negro escravo do fazendeiro Manuel Luís. Cantador lendário e citado orgulhosamente por todos os improvisadores do sertão. Seus dotes de espírito, a rapidez fulminante das respostas, a graça dos remoques,
GD'Art
a fertilidade dos recursos poéticos, a espantosa resistência vocal, ficaram celebradas perpetuamente. Sendo negro e analfabeto, não trepidou enfrentar os maiores cantadores de seu tempo, debatendo-se heroicamente e vencendo quase todos. Foi o único homem que conseguiu derrotar Romano da Mãe d’Água, depois de cantarem juntos oito dias em Patos, luta que é a página mais falada nos anais da cantoria sertaneja [...] Os versos de Inácio da Catingueira são curiosos, entre outros aspectos, como material de crítica social ao estado do Negro no alto sertão do século XIX. Sua pele era o maior argumento de ataque e de defesa. Todos os adversários, fatalmente, aludiam a escuridão do cantador e nem por isso levaram a melhor parte nos desafios”
José Américo de Almeida sobre José Limeira (nascido em Teixeira) no prefácio do livro Zé Limeira, poeta do absurdo, do jornalista campinense Orlando Tejo:
“A figura humana encarnava um misto de excentricidade e simpatia. Alto, forte, sorridente, impressionava pelo físico e maneiras destabocadas. Andarilho de sete fôlegos, trazia o matulão a tiracolo e não largava a bengala de aroeira, feita um bordão.
GD'Art
Meio carnavalesco, usava roupa de mescla com um lenço encarnado no pescoço. Seus dedos eram grossos de anéis. Cantando com uma bonita voz, erguia, desdenhoso, o rosto guarnecido de grandes óculos escuros [...] Baralhava ele as noções de tempo e de espaço [...] Abusava da distorção histórica. Não havia glória profana ou santidade que escapasse de suas caricaturas”.
“Napoleão era um / Bom capitão de navio: / Sofria de tosse braba, / No tempo que era sadio. / Foi poeta e demagogo, / Numa coivara de fogo / Morreu tremendo de frio”
“Quando Jesus veio ao mundo / Foi só pra fazê justiça / Com treze ano de idade / Discutiu com a doutoriça, / Com trinta ano depois / Sentô praça na puliça”
José Lins do Rego em crônica sobre Carlos Dias Fernandes (nascido em Mamanguape) publicada, em 13 de dezembro de 1942, em O Jornal do Rio de Janeiro:
“Morreu quase que esquecido, sem grandes necrológios, com enterro de pouca gente, um homem que teve uma vida de mocidade tumultuosa, agitada de aventuras, cheia de lances perigosos. Lembro-me dele como de um espanto de minha adolescência. Vejo-o de cabeleira negra,
Carlos Dias Fernandes (Carlos Augusto Furtado de Mendonça Dias Fernandes) ▪ Mamanguape, 1874 – Rio de Janeiro, 1942
de olhos vivos, de cabeça maravilhosa e toda a sugestão da glória me aparecia pela frente. A pequena cidade da Paraíba, o burgo colonial de 1914, temia o homem que chegara de longe, com todas as famas de poeta perigoso. Falava-se dele como de um demônio em carne em osso. E lá ia Carlos Dias Fernandes, de chapéu na mão, subindo a rua Direita, fazendo medo às famílias que viam nele o pecado, o terror, o homem que era uma legenda de insubmissão, de coragem, de heresia”
Paulinho da Viola sobre Canhoto da Paraíba (nascido em Princesa):
“A primeira coisa surpreendente é a formação dele, a origem, o conhecimento dele, a música dele já demonstra um conhecimento mais amplo na composição. Afora o músico excepcional que foi obrigado a desenvolver uma técnica em função de ser um canhoto e tocar em um violão que um destro toca, mas a coisa mais impressionante no Canhoto é a qualidade das composições [...] uma quantidade muito grande em termos de composição, o que não é muito comum em músicos de violão [...] e músicas que você vai ouvir, todas são boas [...]"
Canhoto da Paraíba (Francisco Soares de Araújo) ▪ Princesa, 1926 – Paulista/PE, 2008 ▪ em dueto com Paulinho da Viola.
No dia seguinte ao do falecimento de Paulo Pontes (nascido em Campina Grande), antes do início de todos os espetáculos teatrais encenados no Rio de Janeiro, foi lido um texto que demonstra a sua importância para o
Paulo Pontes (Vicente de Paula Holanda Pontes) ▪ Campina Grande, 1940 - Rio de Janeiro, 1976
teatro brasileiro, (“A homenagem em cena aberta”, Jornal do Brasil, 29.12.1976):
“Nós somos artistas de teatro, e ao longo do tempo temos nos acostumado a representar diante de quaisquer condições. Mas hoje é um dia particularmente triste para nós e para todo o teatro brasileiro; porque é o dia que marca o sepultamento de um dos mais expressivos nomes de nossa arte. Paulo Pontes - que os senhores certamente conhecerão como um dos autores de Gota d’agua – era, além de um dramaturgo talentoso, uma das pessoas que melhor pensaram o fenômeno cultural brasileiro. Sua influência se espalhou por todos nós, já que exercia uma liderança natural, graças à sua poderosa inteligência e rara lucidez”.
O jornalista Hélio Fernandes escrevendo sobre Assis Chateaubriand (nascido em Umbuzeiro), em artigo publicado, em 07.04.1968, no jornal Tribuna da Imprensa:
“discutido, contraditório, odiado, adorado, empreendedor, fascinante, dínamo e líder de uma época tumultuada e desordenada da nossa História e do próprio mundo [...] foi o grande jornalista e o grande empresário dos tempos modernos no Brasil. Como jornalista ninguém se igualou a ele. Como empresário foi o maior de todos, longe.”
Assis Chateabriand (Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello) ▪ Umbuzeiro, 1892 – São Paulo, 1968
Carlos Drummond de Andrade em texto sobre José Lins do Rego publicado, em 15.09.1957, no Correio da Manhã:
“Era um romancista fabuloso, no sentido de que o humilde material nordestino de que ele se servia ganhava contornos de fábula, uma fábula apaixonante [...] Os romances mais autênticos de José Lins,
Fogo Morto, de José Lins do Rego Cavalcanti (Pilar, 1901 – Rio de Janeiro, 1957), com capa ilustrada pelo paraibano Tomás Santa Rosa Junior.
os de sua infância dramatizada, dos quais ‘Fogo Morto’ é como um epílogo magistral, continuam doendo depois de lidos, porque a narrativa foi além da simples diversão aparente [...] Seu caso pessoal se insere numa paisagem, numa cultura, numa fase econômica e política, que passam a viver em representação dramática a nossos olhos, despercebidos até então do caráter trágico do panorama, ou ainda não habituados a encontrar toda essa tragicidade em termos de ficção”
Comentário do produtor musical Arnaldo DeSouteiro sobre Sivuca (nascido em Itabaiana), publicado na Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, em 17.12.2006:
“Sivuca era um caso raro de verdadeira e completa genialidade. Algo evidente na multiplicidade de instrumentos que dominava com maestria: sanfona, violão, piano e todos os tipos de teclado. Além de ser um compositor e arranjador de primeiríssima linha [...] Era um improvisador nato e, em termos de acordeon, ao criar o efeito vocal em uníssono com a sanfona, estabeleceu uma nova linguagem para o instrumento. Inimitável e inconfundível”.
Sivuca (Severino Dias de Oliveira) (Itabaiana, 1930 – João Pessoa, 2006), em apresentação na Suécia, 1969.
Em manuscrito datado de 1759, o frade D. Domingos do Loreto Couto escreveu sobre Marcos Barbosa (nascido em Mamanguape), que é
___
considerado o primeiro inventor da Paraíba:
“Marcos Barbosa natural e morador da freguesia de Mamanguape na província da Parahyba [...] É ornado de agudo engenho, e incrível indústria, nascendo, e vivendo em hum lugar, onde não há escolas, e que se ensinem as sciencias [...] Com especialissima perspicacia achou a arte de voar, o que fez muitas vezes, com admiração dos circunstantes [...] armando-se em qualidade de pássaro, subio a hú monte de onde lançando-se aos ares, os cortou veloz, mas não sabendo, ou não podendo suspender o voo, passou para a parte do mar, que lhe ficava vizinho, e fez verdadero o que de Ícaro fabulizão os poetas”. (Desagravos do Brazil e Glórias de Pernambuco, Biblioteca Nacional, 1904)
Mello Leitão (Cândido Firmino de Mello Leitão Junior) ▪ (Campina Grande, 1886 – Rio de Janeiro, 1948
Um livro publicado pela Fundação Oswaldo Cruz ressalta a importância do cientista campinense Mello Leitão:
"Como cientista prolífico e influente, Mello Leitão transmitiu, para várias gerações de cientistas brasileiros, seu saber sobre a natureza e a sua preocupação com a preservação dela, décadas antes de a questão ambiental emergir de forma mais intensa na sociedade contemporânea”. (“Cândido de Mello Leitão: as ciências biológicas e a valorização da natureza e da diversidade da vida”, Instituto Manguinhos, Rio de Janeiro, 2007)
Joaquim Nabuco sobre Maciel Pinheiro em artigo publicado, em 06.12.1887, no jornal O Paiz do Rio de Janeiro:
“em toda a imprensa brasileira não há um homem igual. Há outros que escrevem com mais imaginação e, portanto, com mais brilho [...] Não há nenhum, porém, cuja pena corte, como uma espada afiada, como a dele [...] Em Maciel Pinheiro o jornalista é o homem”
Maciel Pinheiro (Luiz Ferreira Maciel Pinheiro) ▪ (Paraíba, 1839 – Recife, 1889) ▪ Desenho feito pelo poeta Castro Alves em 1863.
A visita ao Museu de História da Paraíba, instalado no antigo convento construído pelos jesuítas que, a partir de 1773, passou a ser a sede do governo da Capitania, depois da Província e, por fim, do Estado da Paraíba é uma oportunidade para se conhecer um pouco da nossa história, até porque a maioria dos paraibanos só conhece o Palácio da Redenção por fora.
O escritor Ariano Suassuna contava um episódio que refletia a dificuldade que havia de acesso ao Palácio do Governo. Ariano havia nascido no Palácio quando o seu pai era presidente do Estado e o local era, na época, também a residência do governador. Certo dia, Ariano Suassuna estava de passagem pela capital da Paraíba e quis rever o lugar onde nascera, mas foi impedido de entrar no Palácio porque estava de alpercatas, sem paletó e gravata. Na ocasião, o escritor comentou: “Você veja como são as coisas: eu já andei aí dentro nu e ninguém reclamava”.
Quarto de Ariano Suassuna, no Museu da História da Paraíba.
O Museu de História da Paraíba proporciona ao visitante percorrer ambientes históricos do Palácio da Redenção, que foi inteiramente restaurado de forma primorosa. Além das exposições que estão instaladas no local, também se poderá apreciar obras de Anita Malfatti, Pedro Américo, Ismael Nery, Di Cavalcanti, Santa Rosa e Portinari, pertencentes ao acervo do Museu de Arte Assis Chateaubriand – MAAC de Campina Grande, que estarão expostas, temporariamente, no novo espaço cultural paraibano, através de um convênio firmado entre a Secretaria de Cultura do Estado e a Fundação de Apoio ao Ensino à Pesquisa e à Extensão - Furne.