Entretanto, escrevi no meu mais recente livro “A saga do chanceler Rolin e seus descendentes”, um capítulo sobre os vinhedos da região da Borgonha, grandes rivais dos vinhos de Bordeaux. Esse livro começará a ser distribuído pela editora paulista Labrador nas principais livrarias brasileiras, a partir do fim da primeira quinzena deste mês de novembro.
A primeira evidência escrita da presença de vinhedos perto de Beaune, onde Nicolas Rolin construiu o referido hospital, apareceu no ano 312. O imperador Constantino recebeu dos habitantes de Autun, cidade onde nasceu o chanceler, uma reclamação em forma de petição, detalhando as más condições dos vinhedos da cidade e solicitando impostos mais baixos. Mais tarde, em 630, o duque da Borgonha concedeu à abadia de Bèze uma grande área de terras em Gevrey-Chambertin, que se tornaria o vinhedo Chambertin-Clos de Bèze, nome que continua até hoje. Nesse período, foram lançadas as bases para que os monges viticultores posteriormente limpassem a terra e marcassem os limites dos futuros vinhos “Grand Crus” da Côte de Beaune.
“Cru” significa literalmente “vinhedo”, de modo que “Premier Cru” é um vinhedo de destaque, algo muito especial na Borgonha, e o “Grand Cru” ainda mais importante. Já a categoria “Cru Classé” significa “vinhedo classificado”. Os vinhos da Borgonha são classificados em função das porcentagens de sua produção em cinco categorias: “Grand Cru” (0,8%); “Premier Cru” (5,2%); Denominação de Origem Controlada (DOC) comunitário (30%) e DOC regional (64%).
A composição do solo nessa região onde são produzidos os excelentes vinhos da cepa pinot noir é composta principalmente de sílica, argila, gesso e óxido de ferro. A Côte de Beaune está situada a uma altitude que varia entre 250 a 300 metros e localizada de frente para o sudeste e para o leste, respectivamente, obtendo a luz completa do sol da manhã, fator deveras importante nessa latitude.
No começo da metade do século XV, considerava-se que o vinho da região tinha qualidades nutritivas e médicas e o vinho branco era usado como antisséptico. As poucas videiras existentes nos terrenos pertencentes aos Hospices de Beaune, fundado em 1451, eram mais que suficientes para a produção de vinho que necessitavam para esses fins. Foi assim que os Hospices começaram a vender o vinho excedente, graças a permissões específicas que Nicolas Rolin adquiriu.
Em anos comuns, são comercializados atualmente nos Hospices de Beaune uma magnífica variedade de 46 tipos de vinho DOC (Denominação de Origem Controlada), 33 tintos e 13 brancos, cada um mais prestigiado que o outro, produzidos a partir das colheitas de setembro. Fazem parte desse grupo marcas famosas, como Pommard, Volnay, Corton e Clos de la Roche. Todos esses lotes são facilmente identificáveis como produções dos Hospices graças à presença em seu rótulo do nome do vinho e das armas do casal fundador, Nicolas Rolin e Guigone de Salins: três chaves e uma torre. Os climas dos vinhedos da Borgonha estão na lista do Patrimônio Mundial da Unesco desde 2015.
Atualmente, o domínio vinícola dos Hospices de Beaune soma 60 hectares, dos quais dez são dedicados às cepas chardonnay (vinho branco), e cinquenta são consagrados às cepas pinot noir, uma uva tinta originária da Borgonha que se tornou muito solicitada no mundo do vinho. Enquanto algumas uvas, como a cabernet sauvignon, são confiáveis, a pinot noir é muito variável. Quando boa, é deliciosa, embora seja frágil e muito mais leve que a cabernert sauvignon. Suas cascas são bem mais finas, de modo que ficam mais suscetíveis a podridão e a doenças, e os vinhos delas resultantes são mais claros e, com frequência, menos tânicos ou encorpados.
O valor total arrecadado pelo leilão varia de 2 milhões a quase 5 milhões de euros em anos excepcionais. Essas grandes somas não são usadas para despesas diárias nos Hospices de Beaune, mas para financiar grandes investimentos, como a compra de equipamentos médicos de última geração para o novo hospital e a modernização dos edifícios, além da conservação do museu do Hôtel-Dieu.
Quando se trata de vinhos, as regiões da Borgonha e de Bordeaux são frequentemente apresentadas como grandes rivais. Na realidade, pouco têm em comum. Os vinhedos de Bordeaux são 2,5 vezes maiores que os da Borgonha, incluindo Beaujolais. Por outro lado, a Borgonha produz quase duas vezes mais vinhos DOC do que Bordeaux (são 98 na Borgonha, Beaujolais não incluído, e 57 em Bordeaux). Na Borgonha existem 4,9 mil propriedades, 115 lojas comerciais e 19 cooperativas com adegas - 61% do vinho produzido é branco e 39% são vinhos tintos. Os “Grand Crus” representam 2% da produção de vinho com 75% pertencente à famílias de viticultores locais e 23% a comerciantes de vinhos.
Se alguém perguntar se prefiro o vinho Bordeaux ou o vinho da cepa pinot noir da Borgonha, é claro que prefiro o segundo, devido à influência e às recomendações de meu ancestral mais famoso, o chanceler Nicolas Rolin.
Sérgio Rolim Mendonça é Engenheiro Sanitarista e Ambiental