Atualmente, Henrique VIII é mais conhecido por ter tido seis mulheres. Para sua geração, ele foi principalmente memorável, nas palavras d...

Henrique VIII e suas seis mulheres

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Atualmente, Henrique VIII é mais conhecido por ter tido seis mulheres. Para sua geração, ele foi principalmente memorável, nas palavras do cronista Edward Hill, como a “flor indiscutível e herdeiro” das “duas famílias nobres e ilustres de Lancaster e York”, que estiveram “por muito tempo em dissensão contínua pelos coroados deste nobre reino”. Essas duas razões aparentemente distintas para lembrar Henrique, estão na verdade intimamente ligadas, pois uma das forças que impeliram o rei em suas crises matrimoniais anteriores foi a urgência com que ele sentia a necessidade, em prol da paz e segurança de seu reino, ter um filho para ser seu herdeiro indubitável.

Porém, Henrique VIII, foi quase um feminicida em série, usou a decapitação e gambiarras jurídicas como forma de divórcio, casando-se seis vezes. Sua primeira mulher, Catarina (Catherine) de Aragão, filha mais moça dos reis da Espanha Ferdinando e Isabella, não deu a Henrique o tão aguardado herdeiro homem. Foi levada a um julgamento fajuto no qual o rei acusou-a, entre outras coisas, de adultério, incesto e magia negra. Acabou decepada em 1536. Catarina de Aragão nasceu em 1485, casou-se em 1509 e divorciou-se em 1533.

Como a Igreja Católica não reconhecia esse casamento e não anulava a união do rei com Catarina, Henrique VIII tomou uma medida que mudaria a vida religiosa inglesa para sempre: rompeu com o Vaticano e criou sua própria igreja em 1534, a Igreja Anglicana. Esse fato gerou um banho de sangue: 72 mil revoltosos papistas — inconformados com a separação — foram mortos no reinado de Henrique VIII, incluindo milhares de monges e grandes intelectuais da época, como o filósofo sir Thomas More (o santo autor da Utopia, que não previu seu final distópico), ex-chanceler da Coroa e Thomas Cromwell, primeiro ministro, que trabalhou como secretário-chefe do rei desde 1533, além de vigário-geral desde 1535 até sua queda e execução em 1540. Cromwell orientou muitos estatutos reformatórios no parlamento e supervisionou a dissolução dos mosteiros. Também ajudou Thomas Cranmer a obter autorização real para a tradução da Bíblia para o inglês.

Muito pouco se conhece sobre a juventude de Ana Bolena (Anne Boleyn), sua segunda mulher. Era filha de um mercador que ascendeu a escala social casando com uma Howard de família nobre, nascida provavelmente em 1502, casada entre 1532 e 1533. Em 1532, um diarista veneziano que a viu em Calais descreveu-a como sendo “não uma das mulheres mais bonitas do mundo; ela tem estatura mediana, pele morena, pescoço longo, rosto largo, seios não muito levantados ... olhos negros e lindos”.
Ainda criança foi enviada para se educar na França. Na corte francesa sob a influência da rainha, aprendeu ensinamentos apropriados a uma senhora de alta linhagem de sua geração. Henrique VIII não era acostumado a ter suas ordens negadas, mesmo assim Anne o fez esperar por cerca de seis anos, até estar segura de ser reconhecida como sua mulher e rainha. Logo após sua chegada da França, provavelmente em meados de setembro de 1532 em comum acordo com Henrique, após a convicção que Catarina e ele nunca haviam sido legalmente marido e mulher, finalmente contraíram matrimônio

Houve um grande mistério ao redor dessas particulares núpcias. O certo é que foi noticiado no começo de 1533 que a futura rainha estava grávida e o casamento teria que ser realizado o quanto antes para que o primeiro filho do rei não nascesse bastardo. Em maio desse mesmo ano Thomas Cranmer declarou nulo o primeiro casamento do rei, tornando válido o segundo. No dia 1º de junho, Ana Bolena, agora reconhecida por todos como a esposa do rei, foi solenemente coroada como rainha. Tinha finalmente alcançado o pináculo de sua carreira. Seria apenas necessário esperar o nascimento de seu bebê o qual era ansiosamente esperado ser um menino. Então o triunfo de Ana seria completo. Para sua infelicidade, no dia 7 de setembro deu à luz a uma menina. Foi sua grande falha. É muito difícil compreender a rejeição total do rei, da mulher que havia amado tão apaixonadamente. Para se ver livre dela tanto poderia anular o casamento como executá-la. Henrique adotou as duas possibilidades. Seu irmão e quatro outros cortesãos foram acusados de ter intimidade com a rainha. Somente um confessou devido à tortura, porém esta evidência foi suficiente para condenar os acusados. Ana foi encarcerada em 19 de maio de 1536, além de seus supostos amantes. Dois dias antes de sua morte, seu casamento foi anulado. Henrique VIII ficou solteiro uma vez mais e o corpo de Ana Bolena decapitado foi enterrado sem nenhuma cerimônia oficial na Torre de Londres. Dez dias depois, o rei já estava casado novamente.

Jane Seymour, sua terceira mulher, nasceu provavelmente em 1509, casou-se em 1536 e morreu em 1537. O pai de Jane era Sir John Seymour de Wolf Hall em Wiltshire, um cavaleiro de linhagem antiga, mas não muito notável, que serviu com distinção na campanha de Tournai de 1513. Logo após seu casamento apareceram rumores de sua gravidez, confirmados no início de 1537. Seu filho Eduardo nasceu supostamente por meio de uma cesariana no dia 12 de outubro, o que muito a enfraqueceu sucumbindo a uma infecção e falecendo à meia-noite de 24 de outubro desse mesmo ano. Jane teve muita sorte, pois deu a Henrique o filho que desejava ardentemente. Seu corpo foi embalsamado e enterrado no túmulo que Henrique VIII havia preparado para ele em Windsor. Foi a única das seis mulheres a dividir seu túmulo.

Ana (Anne) de Cleves, casou com Henrique VIII, mais de dois anos após a morte de Jane Seymour. Nasceu em 1515, casou em 1540, divorciou-se no mesmo ano e morreu em 1557. Depois que a Inglaterra rompeu com o Vaticano, o país tornou-se perigosamente isolado da Europa. Os principados combinados de Cleves, Julich, Mark e Berg, situados ao lado do baixo Reno, formavam juntos um dos estados emergentes da Alemanha com tanto potencial aparente quanto a vizinha Holanda. Uma aliança com Cleves salvaria a Inglaterra do isolamento total, e o duque tinha duas irmãs solteiras. Mais uma vez, a habilidade de Holbein foi empregada para apontar Ana e sua irmã Amelia como candidatas, e mais uma vez o interesse do rei foi despertado. Ana de Cleves foi por isso, selecionada por Thomas Cromwell para ser sua quarta mulher por razões diplomáticas. Não durou muito o casamento com Ana de Cleves, pois a França e Inglaterra voltaram a estreitar relações diplomáticas. E Henrique já estava de olho em Catarina (Catherine) Howard. Ana de Cleves foi muito obediente e condescendente aceitando o título de “Irmã do Rei”, recebendo em troca casas e terrenos por compensação. Aposentou-se da cena política e viveu confortavelmente na obscuridade sobrevivendo a seu “irmão” real por mais de uma década.

Catarina (Catherine) Howard era prima em primeiro grau de Ana Bolena, e foi a quinta mulher de Henrique VIII. Era filha do lorde Edmund Howard, o irrequieto irmão mais moço do duque de Norfolk, falecido em 1539. Nasceu em 1521 e casou-se em 28 de julho de 1540, apenas 16 dias após a anulação do casamento do rei com Ana de Cleves. Catarina tinha apenas 19 anos quando atraiu a atenção de Henrique VIII. Os inimigos da corte aproveitaram insatisfação do rei com Ana de Cleves indicada por Thomas Cromwell, interferindo para a execução desse chanceler por ordem do rei. Na maior parte do primeiro ano de casamento tudo correu com sucesso, embora o rei tivesse mudado de conselheiros. Entretanto, o rei já estava com 50 anos de idade. A expectativa de vida de sua geração era muito menor do que a de hoje. Ele já se referia si próprio como um homem velho. Já havia perdido seu charme de juventude e bastante vigor. E ainda mancava de uma perna em consequência de sua enorme corpulência e uma úlcera em uma delas. Porém, a felicidade durou pouco. Em abril ou maio de 1541 começaram a circular rumores na corte da traição de Catarina com jovens galantes, além do secretário privado da rainha, durante as ausências do rei. Em princípio o rei não acreditou. Catarina finalmente foi julgada, condenada e decapitada na Torre de Londres em 13 de fevereiro de 1542. Os envolvidos no “affair”, também.

Finalmente, Catarina (Catherine) Parr, a última aventura amorosa de Henrique VIII. Nasceu em 1512 e casou-se em 1543. Desta vez o rei contraiu matrimônio com uma mulher duas vezes viúva e com 31 anos de idade. Pouco se conhece sobre ela durante sua juventude e mocidade. Era filha de Sir Thomas Parr de Kendal. Também possuía um sentimento de sensibilidade e simpatia que era excepcional em uma corte onde a tensão entre os grupos religiosos rivais entre os ambiciosos homens mais jovens e os homens mais velhos estabelecidos, estava se tornando cada vez mais aguda e as partes disputavam uma posição em torno do visivelmente envelhecido rei. É claro por suas ações posteriores que as simpatias pessoais de Catarina estavam com a facção protestante, mas ela era muito circunspecta para revelar isso abertamente enquanto o rei ainda estava vivo. Quando se casou com Catarina, ela se tornou tanto uma enfermeira para ele, quanto uma esposa. Sabia bem como agradá-lo, como desviar sua ira cada vez mais arbitrária, como aliviar sua dor e acalmar seu espírito. A vida com esse homem-montanha irascível em seus anos de declínio não deve ter sido fácil. Mesmo assim, Catarina conseguiu trazer para o círculo íntimo da família real um grau de harmonia e afeição mútua que quase nunca havia conhecido antes. Em 30 de agosto de 1548 deu à luz a Thomas Seymour. Não sobreviveu por muito tempo ao parto. O mesmo fato que aconteceu com sua cunhada Jane Seymour. Morreu em 7 de setembro de 1548 e foi enterrada na mansão Seymor de Sudeley.

O romance “Wolf Hall - A trilogia de Thomas Cromwell”, escrito por Hilary Mantel (a primeira mulher a ganhar duas vezes o Booker Prize, um dos prêmios mais prestigiosos do mundo), foi recentemente lançado o volume 1 em português, publicado pela Editora Todavia. Segundo o jornal “The Guardian”, é considerado o melhor romance inglês do século XX. O tema principal é a figura de Cromwell durante o período tumultuado do tirano Henrique VIII, descendente da família Tudor

Segundo o crítico literário Paulo Nogueira, em um artigo publicado no Estadão (18/10), Wolf Hall consegue ser ao mesmo tempo informativo (sobre eventos, costumes e o respectivo Zeitgeist – espírito da época) e formativo. É impossível ler as passagens de interrogatório e tortura – experimentando uma perturbadora simpatia pela glacial realpolitik do afável Thomas Cromwell – e ao mesmo tempo considerar a ficção histórica irrelevante nos dias de hoje.

No volume 1 dessa trilogia está apresentada uma lenda sobre a família Tudor, da qual Henrique VIII fazia parte. Muito interessante, por apresentar tão claramente as escusas pelas quais o rei déspota era tão violento e sanguinário.

Era uma vez, em tempos imemoriais, um rei da Grécia que tinha trinta e três filhas. Cada uma das filhas se revoltou e assassinou o próprio marido. Perplexo por ter dado vida a rebeldes dessa natureza, mas sem querer matar seu próprio sangue e carne, o principesco pai exilou as filhas e lançou-as à deriva num navio sem leme.

O navio tinha provisões para seis meses. Ao fim desse período, os ventos e as marés já haviam empurrado as irmãs até os limites do mundo conhecido. Elas aportaram numa ilha encoberta por bruma. Como o lugar não tinha nome, a mais velha das assassinas batizou a ilha: Albina.

Quando chegaram à praia, as irmãs estavam famintas e ávidas por carne masculina. Mas não havia homens à vista. A ilha era habitada apenas por demônios.

As trinta e três princesas se acasalaram com os demônios e deram à luz uma raça de gigantes que, por sua vez, se acasalaram com suas mães e produziram outros de sua espécie. Esses gigantes se espalharam por todo o território da Bretanha. Não havia padres, nem igrejas ou leis. Também não havia qualquer forma de contagem do tempo.

Depois de oito séculos de domínio, eles foram derrubados pelo troiano Bruto. Bisneto de Eneias, Bruto nasceu na Itália; sua mãe morreu durante o parto. E, quanto a seu pai, ele o matou por acidente com uma flechada. Bruto abandonou seu local de nascença e se tornou líder de um grupo de homens que haviam sido escravos em Troia. Juntos, embarcaram numa viagem para o norte, e os caprichos dos ventos e das marés os levaram à costa de Albina, assim como as irmãs foram levadas outrora. Quando aportaram, os homens foram forçados a batalhar contra os gigantes liderados por Gogmagog. Os gigantes foram derrotados e seu líder foi atirado ao mar.

Não importa qual prisma observemos: tudo sempre começa em massacre. O troiano Bruto e seus descendentes governaram até a chegada dos romanos. Antes de ser nomeada a Lud’s Town, Londres se chamava Nova Troia. E nós éramos troianos.

Alguns dizem que os Tudor transcendem, de alguma forma, dessa história, tão sangrenta e demoníaca: que descendem de Bruto pela linhagem de Constantino, filho de santa Helena, que era bretã. Artur alto rei da Bretanha, era neto de Constantino. Ele se casou com três mulheres, todas chamadas Guinevere, e seu túmulo fica em Glastonbury; mas, entendam, ele não está realmente morto, apenas espera pela hora de seu regresso.

Seu abençoado descendente, príncipe Artur da Inglaterra, nasceu no ano de 1486, filho mais velho de Henrique, o primeiro rei Tudor. Esse Artur se casou com Catarina, princesa de Aragão, morreu aos quinze anos e foi enterrado na catedral de Worcester. Se estivesse vivo hoje, seria rei da Inglaterra. Seu irmão mais novo Henrique VIII, provavelmente seria arcebispo da Cantuária, e não uma mulher de quem o cardeal jamais ouviu nada de bom: uma mulher a quem duques virão desapropriá-lo; e cuja história ele precisará compreender, antes de ser arrebatado pela ruína.


Em 2015, Henrique VIII foi considerado o pior monarca da História inglesa pela Associação dos Escritores Históricos do Reino Unido. Entrou para os anais como um tirano que dividiu religiosamente o país levando a confrontos e mortes por séculos, baseado em uma razão fútil: sua escandalosa vida de alcova. 

A fama de boa vida não incomodava a corte — afinal, o herdeiro do trono inglês era seu irmão, o bem-comportado Artur. Só que Artur morreria cedo e Henrique VIII, seria o coroado aos 18 anos, em 1509, após seu pai falecer.

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  1. Que canalha! Que crápula assassino, o HenriqueVIII! Tais monstros pervertidos têm vida longa de suas maldades graças à subserviêencia em torno deles.
    E as perseguições aos seus auxiliares imediatos, originadas por ciúme ou inveja, estão bem em volga, nos tempos de hoje.
    Bom texto, Sergio. Revoltante porém bem escrito

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  2. Resgate da história de um Rei canalha, crápula, tirano,e déspota. Chega a ser revoltante,todavia muito parecido com certos personagens de nosso mundo político atual.Excelente matéria esclarecedora. Parabéns, Sérgio!

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  3. Relato histórico com o rigor de sempre. Henrique VIII realmente entrou para a história por esse lado nada edificante.

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    1. Obrigado, Flavio. Você continua impecável com suas crônicas históricas.

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  4. Bravo👏👏👏Sérgio Rolim Mendonça!!Brilhante texto histórico...Cruel e promíscuo.. mas , infelizmente foi o verdadeiro desenrolar dos acontecimentos daquela epoca!!!
    Paulo Roberto Rocha

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    1. Amigo Rocha, um comentário vindo de você, vale por dois.

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  5. Excelente aula de História. Fatos que desconhecia até agora

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