Não é fácil tirar os olhos de Manaus. Já ficou muito mais distante, quando Chico Avelino, meu avô, saiu de burra do Riachão entre Areia e ...

Por mais que a vida continue

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Não é fácil tirar os olhos de Manaus. Já ficou muito mais distante, quando Chico Avelino, meu avô, saiu de burra do Riachão entre Areia e Alagoa Nova até alcançar a Serra do Cuité, e de lá juntar-se aos cearenses da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do próprio Ceará para se afundarem ou se afogarem nas águas e seringais ilusórios do Amazonas.

Nesse tempo, o que fosse do Norte era cearense. “Baiano” e “paraíba” vieram bem depois. O Ceará, da primeira academia de letras, de onde saiu o primeiro romance da seca, emplacava toda a região que, nas primeiras décadas do século XX, passou a se chamar Nordeste. Depois de 1922, já sob a onda da revolução modernista, ainda eram do Norte os que ousaram se estabelecer por conta própria, como José Américo. “São os do Norte que vêm!” - gritaram do Rio e de São Paulo.

Ficava distante, sim. Mesmo para os que pudessem tomar o vapor aqui no cais do Varadouro e tentar o Norte, como Celso Mariz, Carlos Dias Fernandes e o grande poeta negro, o bigodudo Eliseu Elias César, escritor, jornalista, professor de Direito. Hoje fica dentro de nossa sala, longe ao extremo para chegar o oxigênio na cabeceira do moribundo e tão perto para nos juntar aos leitos gerais de morte.

Não é fácil tirar os olhos da televisão, procurar outro assunto, por mais que a vida continue.

Recebi, num pacote volumoso, um dos grandes tentos editoriais de A União, um conjunto de 5 livros dedicados ao centenário de Celso Furtado. De quebra, no pacote, uma série de palestras e aulas, conferências e ensaios de Celso Amorim, um dos grandes da diplomacia contemporânea, referência das nossas relações exteriores. Com uma vantagem: é professor, escreve para entendidos e não entendidos. Sequer iniciados, como é meu caso. E me dispus a começar por ele, a entrar num mundo que só chega ao jornal e ao rádio quando o fogo já vai alto.

Mal chego ao 2º capítulo, interfere a televisão. É difícil não olhar para um corredor de hospital tendo o chão e, quando muito, as cadeiras, como leito de UTI. As pessoas em agonia ou já sem agonia nenhuma, as enfermeiras de mão na cabeça, os médicos sem saber a qual leito assistir.
Numa das cenas, o desespero não é do filho a ajudar o pai morrer, o braço amparando, no chão, aqueles últimos estertores. O desespero é do médico a se ver inútil.

E passo a avaliar o tento da editora A União ao inscrever, entre seus títulos, autores ou nomes que a concorrência nacional nunca deixou sobrar para as nossas impressoras. Não posso deixar de recordar o esforço que fizemos, quando editores da Acauã, para imprimir um livro de trânsito além-província. Era a meta de Carlos Roberto de Oliveira editar ou reeditar Celso. Celso já andava entre nós, muito ligado a Octacílio e a Ronald Queiroz, por onde eu via um caminho, se não para um inédito, ao menos a reedição de “Operação Nordeste” ou “De Nápoles a Paris”, sua experiência de contista. Seria uma abertura de mercado para a nossa pequena editora. Fracassamos. A mesma coisa com Ariano. Vem A UNIÃO, agora, e levanta o troféu, de uma vez só publicando livros para o Brasil. Esse feito se restringia a 1928, com a brochura feia de José Américo, açambarcada, até hoje, pela José Olympio. “Rende alguma coisa, ministro?” – perguntei, um dia. “Se fosse viver disso eu estaria na rua da Baixa, em Areia”.

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