São muitos os que resgataram o Titanic do fundo para a superfície do mar e tornaram a devolvê-lo às funduras abissais do oceano. São rotei...

O crepúsculo da arrogância

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São muitos os que resgataram o Titanic do fundo para a superfície do mar e tornaram a devolvê-lo às funduras abissais do oceano. São roteiristas de cinema, cineastas, poetas, ficcionistas, historiadores, jornalistas, cada qual querendo reconstituir os momentos de grandeza e de vilania dos passageiros e da tripulação.
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As situações-limite que, num átimo de segundo, põem a nu e desvelam o bicho-homem em toda a sua inteireza e plenitude. A maioria dos que tentaram foi a pique, afundou, enquanto poucos, pouquíssimos, lograram êxito na missão quase impossível de recontar com originalidade a mesma história pela milésima vez. Só que estes não contam uma mesma história pela milésima vez, pois a ela acrescentam a sua trama, o seu roteiro, a sua imagem, o seu poema, enfim, o sinete de uma individualidade que os distingue dos demais, dos que apenas escrevem movidos pela melhor das intenções.

O Crepúsculo da Arrogância - RMS Titanic minuto a minuto (Editora L&PM, Rio Grande do Sul), de Sérgio Faraco, ainda que reconstitua a história de um navio que abalroa num iceberg e vai a pique, aproxima-se de Os Sertões, a obra monumental de Euclides da Cunha, cujo tema trata a respeito de um movimento messiânico que eclodiu no solo árido e causticante do arraial de Canudos, confins da Bahia, Nordeste brasileiro. Quer dizer: se os temas não possuem qualquer relação de parentesco, os dois livros constituem obras híbridas, uma vez que podem ser lidos como reportagem e como ficção.
Enfim, se Euclides da Cunha e Sérgio Faraco não arredam o pé da realidade, a condição de ficcionista termina por prevalecer na linguagem de ambos. O que lembra um certo prefeito de Palmeira dos Índios em cujos relatórios, apesar de burocráticos, um certo poeta e editor descobriu um ficcionista em gestação. Ou, salvo equívoco, um ficcionista de livro já pronto e acabado: Caetés.

O leitor de O Crepúsculo da Arrogância não precisa ser nenhum Augusto Frederico Schmidt para descobrir – mesmo - quando, eventualmente, o narrador demonstra os seus conhecimentos técnicos de navegação - a presença exuberante do ficcionista de Dançar tango em Porto Alegre, de Ronda de escárnio e loucura e de tantos outros livros modelares da literatura brasileira.

Publicado originariamente em forma de folhetim, no jornal A Notícia, de São Luiz Gonzaga (RS), O Crepúsculo da Arrogância é daqueles livros que já nasceram best-sellers. E, caso raro entre os best-sellers, sem a perda da literariedade.
Publicado em A União de 26/03/21


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