O reino das palavras. Cedo me encantou o poder libertário de seus estatutos. Concretizado, na memória mais antiga, por aquele Pássaro ...

'A síndrome narcísica das Academias'

O reino das palavras. Cedo me encantou o poder libertário de seus estatutos. Concretizado, na memória mais antiga, por aquele Pássaro Cativo de fala doutoral mas que me fez enxergar a escravidão e a dor, onde antes eu pudera alcançar somente a beleza e o canto. A eloquência pedagógica de Bilac estabelecendo para os meus oito anos o impacto de uma nova ordem de sentimentos e valores.

A vida reinventada através da palavra arrebatou-me sempre mais que qualquer outro entusiasmo. Decidiu minha escolha profissional. Destinou-me amizades verdadeiramente inestimáveis.
Carl Vilhelm Holsøe
Assegurou-me as mais compensadoras alegrias. Fez-se parâmetro de minhas grandes admirações. Conduziu-me até aqui, reservando-me a eternidade deste instante. Instante síntese, que parece acumular todos os tempos e todas as emoções.

Desde a juventude, tendo a percepção de sua real importância, e hoje passando a integrar seu quadro de sócios efetivos, não tenho da Academia um conceito triunfalista. É nos termos de sua constituição estatutária e regimental que a compreendo, permitindo-me aproximá-la de outras instituições, pela identificação de objetivos afins.

Os propósitos acadêmicos de perpetuação das tradições literárias e de estímulo à cultura geral obrigam a pensar na escola, de um modo genérico, e de um modo mais específico na universidade, como espaços privilegiados de convivência e de interferência renovadoras. A memória cultural, a pesquisa e o ensino, integrando-se, como partes que são de um mesmo universo e de um mesmo processo.

Caravaggio
Se, no passado, a mística acadêmica logrou equiparar-se ao prestígio aristocrático, hoje, essa mística isola e desfigura as vetustas casas da imortalidade. De modo que o discurso da necessidade de uma Academia que tenha a configuração do tempo presente não é uma atitude iconoclasta, mas um ideal de preservação e de continuidade.

Assim entendo o jornalista Willis Leal, quando, em sua posse, moldou a máscara mortuária das Academias na expressão "museus do saber". Metáfora que comporta, em suas múltiplas equivalências, o isolamento resultante de uma atitude ensimesmada, síndrome narcísica das Academias. Sinalizada em discursos apologéticos de grandezas e genialidades que se desencantam, antes do fim da festa.

São outras as expectativas em face de uma instituição instrumentalizada pelo saber. Que se disponha a sair de si mesma; a ser para além das solenidades de posse; a influenciar o "tempo presente, a vida presente, os homens presentes", expondo-se igualmente a suas enriquecedoras influências. São expectativas com que se delineia um perfil contemporâneo da Academia.


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  1. JOSE MARIO ESPINOLA15/9/22 23:54

    Ángela faz o exercício da autocrítica, com a autoridade de quem chegou ao mais alto cargo da Academia. Num texto como sempre muito bem escrito. Dá gosto de ler.
    Excelente, Ângela!

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