Não foi à toa que o filósofo alemão do século XIX Arthur Schopenhauer recebeu o epíteto de “o filósofo do pessimismo”, pois via o mun...

Schopenhauer, a fuga para o nada

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Não foi à toa que o filósofo alemão do século XIX Arthur Schopenhauer recebeu o epíteto de “o filósofo do pessimismo”, pois via o mundo dos fenômenos como produto de uma vontade metafísica cega, colossal e maligna.

Sua filosofia foi influenciada por Kant, “o maravilhoso Kant”, como costumava chamá-lo. Partindo do idealismo transcendental de seu conterrâneo germânico, desenvolveu um sistema metafísico ateu e ético, buscando
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estabelecer diferenças entre a “Vontade e sua representação”, isto é, entre “coisa-em-si” e “fenômeno”. Todavia, em que pese uma certa ética ateia em seus escritos, foi o pensador responsável pela introdução de conceitos filosóficos hindus e budistas no pensamento ocidental.

Era um homem que tinha uma verdadeira fixação pela Vontade, muito embora essa obsessão não denote excessos ou algum tipo de verborragia em seu estilo de escrita. Para ele, a Vontade seria o fundamento de todas as coisas, ou seja, o conjunto de fenômenos do mundo constituem uma manifestação da Vontade. É ela o tema dominante dos seus maiores trabalhos e da sua obra principal: O mundo como vontade e representação.

Sua espécie de teoria gradativa do conhecimento é bastante simples e fácil de ser compreendida: a partir de uma sensação, o sujeito conhecedor elabora uma percepção intuitiva, que já é uma forma de conhecimento; através de seu entendimento, elabora reflexões que estabelecem conceitos. Estes, por conseguinte, seriam representações de representações. Ao realizar todo esse processo, “a razão, a capacidade de abstração, apanágio do ser humano, estará sempre subjugada à vontade”, usando as certeiras palavras do Professor Marcílio Toscano Franca Filho.

Combateu os metafísicos hegelianos, bem como sua filosofia da religião e seu nacionalismo alemão, o qual execrava com veemência. Foi um grande escritor. Muitos beberam na fonte de sua prosa.
L.S. Ruhl, 1815
Personalidades tão diversas como os gênios literários Tolstoi, Thomas Mann, James Joyce, Samuel Beckett e Thomas Bernhard encontraram um norte metafísico em Schopenhauer e em sua visão pessimista. Wagner, Freud, Nietzsche e Burkhardt também fazem parte do enorme séquito influenciado pelo grave pensador alemão.

Mais recentemente, Schopenhauer influenciou de modo decisivo o último dos filósofos, digamos, tradicionais. O contemporâneo vienense de Freud, Ludwig Wittgenstein, sofreu forte impacto do pessimismo e da visão naturalmente mística de Schopenhauer. A famosa expressão de Wittgenstein “Sobre aquilo que não se pode falar, devemos calar” – que encerra sua obra de mestre Tratactus logico-philosophicus – pode estar se referindo ostensivamente à linguagem e ao significado, mas ainda tem misteriosa semelhança com a defesa que Schopenhauer faz do retraimento da obscura e invisível Vontade, a qual, cega e irrefreável, permanece para sempre além de nosso entendimento.

Sua ideia da “primazia da vontade” influenciou notadamente filósofos como Nietzsche, Bergson, James e Dewey. Schopenhauer tem um forte viés idealista, ao pregar uma postura ascética do homem para superar as “dores do mundo”. Sua estética nos guia a uma ética. A libertação pela arte seria apenas relativamente passageira: são instantes, momentos fugazes de alguma sublimação. A arquitetura, a escultura, a música, a poesia seriam a tradução das ideias, dos arquétipos. Ao contemplar as diversas formas de arte, que traduzem tais ideias, essências, modelos abstratos,
Fonte: Frankfurt Library, 1859
fora do tempo e do espaço, além da contingência e da causalidade, o homem busca suplantar a realidade absurda que é o mundo das representações.

A experiência estética seria, dessa forma, uma espécie de anulação temporária da Vontade, na qual o homem, ao intuir ideias eternas através da contemplação, afasta-se de seus desejos e fecha os olhos para suas necessidades. Mais uma vez, recorro às sábias palavras do Professor Marcílio Toscano: “O que Schopenhauer propõe na verdade é uma ‘filosofia do consolo’. O que o homem teme é o devir. É tão quimérico o nada depois da morte quanto a ociosidade num paraíso religioso.”

A obra Parerga et paraliponema (do latim “Ornamentos e omissões”), por sua vez, contém uma série de tópicos repletos de um humor amargo sobre uma ampla gama de assuntos. Esses ensaios e aforismos permanecem tão atuais, perspicazes e provocativos hoje quanto o eram na época de seu surgimento, sendo decididamente a obra de leitura mais acessível escrita por um grande filósofo desde Platão, mantendo surpreendentemente sintonia com a sensibilidade moderna, apesar de certas bizarrices facilmente reconhecíveis.

Uma das sentenças do gênio alemão diz muito a respeito do cerne de seu ideário: “Minha filosofia inteira pode resumir-se em uma expressão: o mundo é o autoconhecimento da Vontade.” Por fim, ao homem seria imperativo mortificar os instintos, anular a vontade e fugir para o Nada. Seria Schopenhauer o último romântico? Talvez. O certo mesmo é que ele não via a vida melhor no futuro...

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